sexta-feira, 25 de junho de 2010

A reeducação de Dilma Rousseff :: Rogério L. F. Werneck

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em entrevista à Veja de 16 de junho, Dilma Rousseff afirmou que não existe mais risco Brasil. "Nós nos destacamos no cenário mundial como uma nação que tem rumo, e esse rumo é correto, com crescimento econômico, estabilidade, instituições sólidas e democracia." Foi-lhe então perguntado se concordava com a ideia de que os alicerces dessa robustez tinham sido lançados por FHC. A resposta foi estarrecedora. "Discordo. Hoje nós temos estabilidade macroeconômica. Nós recebemos um governo sem estabilidade, com apenas US$ 36 bilhões de reservas. O endividamento do Brasil crescendo, a inflação ameaçando sair do controle, uma fragilidade externa monumental que a gente não podia nem mexer, o câmbio a R$ 4. Qual é o alicerce?"

Nunca é demais relembrar o que de fato ocorreu em 2002. Nas eleições municipais do final de 2000, o PT havia patrocinado um tresloucado plebiscito nacional que indagava se o governo deveria pagar suas dívidas interna e externa. Não foi surpreendente que, cerca de 18 meses depois, em meados de 2002, a perspectiva da vitória de Lula desencadeasse avassaladora desestabilização da economia, à medida que investidores, empresas e famílias tentavam se proteger contra perdas financeiras. Para que a normalidade pudesse ser restaurada, Lula teve de renegar de público as ideias que o PT vinha defendendo e, já no governo, em 2003, mostrar que estava de fato disposto a adotar uma política econômica sensata.

A resposta de Dilma à Veja chama a atenção para as limitações da suposta metamorfose por que a candidata estaria passando, sob a influência de Antonio Palocci. Há poucas semanas Palocci conseguiu que, diante de uma plateia de investidores em Nova York, Dilma recitasse um discurso que nunca foi seu. Instado pelo presidente Lula a atuar como preceptor da candidata, o ex-ministro tem-se empenhado em convencer o empresariado de que, em pouco tempo, o discurso econômico de Dilma pode ficar tão respeitável quanto o dele.

O desafio um tanto farsesco com que se defronta Palocci traz à mente a aposta de Pygmalion, famosa sátira de Bernard Shaw, escrita há quase 100 anos e popularizada pelo filme My Fair Lady, de 1964, dirigido por George Cukor, estrelado por Audrey Hepburn e Rex Harrison e agraciado com nada menos que oito Oscars. O enredo é bem conhecido. Henry Higgins, um professor de fonética, aposta com outro estudioso da matéria que, se devidamente reeducada, Eliza Doolittle, uma rude florista londrina, com forte sotaque cockney, passaria em pouco tempo a ter um linguajar tão impecável que poderia se passar por duquesa. Mas é bom conter a fantasia e não alimentar ilusões. Palocci não é Rex Harrison, Dilma não é Audrey Hepburn e Brasília não é Hollywood. Por mais que seu novo preceptor se esforce, Dilma não vai passar a ter o discurso de Palocci. Não vai deixar de lado as ideias econômicas que defendeu com chocante clareza nos últimos sete anos e meio, em franca oposição ao próprio Palocci.

Mudanças tão radicais, quando se tem mais de 60 anos, são inverossímeis. Mais ainda no caso de uma pessoa tão intransigente como Dilma Rousseff. Palocci jamais teria dito o que Dilma afirmou na entrevista à Veja. Desde 2002, o ex-ministro não vem tendo qualquer problema em reconhecer, com todas as letras, o mérito dos governos anteriores no longo esforço de estabilização macroeconômica empreendido pelo País nas últimas duas décadas. Mas o sectarismo de Dilma não lhe permite sequer uma visão minimamente razoável e equânime de como o País avançou nesse extraordinário esforço, ao qual o PT só veio se juntar, tardiamente, em 2003.

Dilma parece convencida de que o discurso de Palocci lhe pode ajudar a ganhar a eleição. Mas, como mostra a resposta à Veja, tem enfrentado grande dificuldade para manter a encenação sem deixar que suas próprias convicções acabem aflorando. Lidar com a tensão entre os dois discursos não lhe tem sido fácil. E é isso que talvez explique seus prolongados silêncios em entrevistas e sua propensão a se esquivar de debates.


Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-RIO

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