domingo, 6 de junho de 2010

Sob vigilância:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A aproximação política do Brasil com o Irã, especialmente depois que o presidente Lula assumiu o papel de mediador do programa nuclear, numa tentativa de evitar sanções do Conselho de Segurança da ONU, está chamando a atenção mundial para o nosso programa nuclear, como muita gente do próprio governo temia.


Depois que a revista alemã “Der Spiegel” fez no mês passado uma reportagem sobre a possibilidade de o país estar construindo uma bomba atômica, agora vem do “Asia Times” uma reportagem sugerindo que o Brasil está se aproximando de outro país pária, a Coreia do Norte, e levantando a suspeita de uma correlação com os programas nucleares secretos desses países e o do Brasil.

A revista alemã faz menção ao fato de que o Brasil não permite que os investigadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tenham acesso às centrífugas das fábricas de Resende ou Aramar, onde o urânio pode ser enriquecido até a 20% com autorização da AIEA para abastecer os submarinos nucleares, “mas ninguém sabe o que acontece com o combustível uma vez que está em prédios militares”.

Na verdade, a supervisão da agência internacional é feita normalmente, e eles têm o controle do urânio que entra na fábrica e o que sai processado, com o que podem constatar que quantidade está sendo usada.

O Brasil não permite que as centrífugas sejam vistas pelos técnicos internacionais para proteger um segredo industrial, pois desenvolvemos um equipamento que é mais avançado do que os existentes.

Essa atitude, juntamente com a recusa de assinar um protocolo adicional ao TNP, e a aproximação com Irã e Coreia do Norte, acende o sinal amarelo em setores da comunidade internacional.

Na reportagem do “Asia Times” é assinalado que o Brasil tornou-se, desde que Lula assumiu o governo, o terceiro maior parceiro comercial da Coreia do Norte, ajudando aquele país a resistir a sucessivas sanções internacionais nesse período.

Esse incremento das relações comerciais é visto como uma atitude política do Brasil, e o jornal chega a fazer relação entre a aproximação de agora com a atitude da Coreia do Norte de ter financiado o movimento guerrilheiro brasileiro durante a ditadura militar.

No estudo do especialista Joseph S. Bermudez chamado “Terrorismo: a Conexão Coreia do Norte” está assinalado que, de 1968 a 1971, o país comunista deu financiamento e assistência militar a várias organizações de esquerda brasileiras, especialmente a Carlos Marighella e sua Ação Libertadora Nacional (ALN) e à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que hoje têm vários ex-integrantes no primeiro escalão do governo.

O jornal asiático destaca que recentemente Marighella foi chamado de “herói nacional” pelo presidente Lula.

A reportagem, porém, não vai além de fazer ilações sobre a situação que considera similar dos dois países em relação à política nuclear, com especulações sobre uma possível retomada de antigos projetos nucleares pelo Brasil.

Um diplomata especialista na questão nuclear, que acompanha a trajetória do país nesse campo, falando à coluna à base do anonimato, por ainda estar na ativa, admite que há muitos, e em muitos países, que defendem a aquisição de uma “capacidade nuclear” sem que ela implique a construção de armas atômicas.

Com efeito, o desenvolvimento do ciclo completo do combustível nuclear em tese habilita um país a tomar a decisão de desviar suas atividades nucleares para a produção de explosivos.

Não é, contudo, um caminho fácil, ressalva o diplomata.

O primeiro ponto a destacar é diferenciar um explosivo nuclear (como aquele que a Índia explodiu no Rajastão em 1974, bem como, provavelmente, o artefato mais recentemente detonado pela Coreia do Norte) de uma bomba atômica, mais complexa.

No mundo de hoje há cinco potências nucleares originais (EUA, Rússia, GrãBretanha, França e China), três de fato (Índia, Paquistão e Israel) e uma que diz que é, mas nem todos acreditam (Coreia do Norte).

O Brasil é um dos poucos países sem armas atômicas que têm o domínio do ciclo nuclear completo. Além das potências nucleares, apenas Alemanha, Holanda, Japão, Israel e África do Sul detêm a capacidade de enriquecimento; a Coreia do Norte optou pelo plutônio, obtido através do reprocessamento do combustível queimado, uma tecnologia simples.

Desde o início das atividades nucleares no Brasil, sempre tivemos uma conduta em matéria de salvaguardas absolutamente irrepreensível, destaca o diplomata brasileiro. O primeiro tratado de salvaguardas com a AIEA era baseado apenas no Estatuto da Agência, já que o TNP e o Tlatelolco ainda não haviam nascido.

Mais tarde, o Brasil colocou em vigor para si o Tratado do Tlatelolco (início dos anos 90), o que implicou colocar todas as suas atividades nucleares sob as salvaguardas da AIEA, adotando, na prática, os mesmos procedimentos de salvaguardas previstos no TNP, que o Brasil se recusara a assinar por considerá-lo “discriminatório”.

Quando o Brasil resolveu aderir ao TNP, no governo FH, não foi preciso fazer qualquer atualização, extensão ou aprofundamento dos mecanismos de salvaguarda já aplicados ao Brasil.

A criação da ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle), uma espécie de Euratom bilateral e simplificada, que estabelece o controle recíproco das atividades nucleares do Brasil e da Argentina, é um dos pontos altos de nossa política, considerado equivalente ao protocolo adicional de salvaguardas que nos querem convencer a assinar.

Sobre o caso iraniano, o diplomata assume a posição do governo brasileiro: se os iranianos forem impedidos de enriquecer urânio pelo arbítrio dos mais poderosos, diz ele, fortalece-se uma prática perigosa, que poderá ser um dia utilizada contra nós por um pretexto qualquer.

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