terça-feira, 6 de julho de 2010

A madrinha em 45 foi a ditadura:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Com olhos de cientista político, o ex-embaixador da França no Brasil Alain Rouquié viu de perto (2000 a 2003) a passagem do primeiro governo social democrata ao PT e, meia dúzia de anos depois, em livro sobre as ditaduras nos anos 60 e 70 do século 20 na América Latina, ressalta a diferença que houve na engenharia de transição política com que se processou a passagem da ditadura à legalidade no Brasil. E acentua o decisivo esforço de conciliação dos políticos entre si e deles com os militares cujos efeitos foram muito além da devolução do poder a mãos civis. Falta agora avaliar o que representou para o avanço democrático o advento da socialdemocracia e a chegada do PT ao poder.

O saldo, também implícito, dos quatro mandatos compartilhados pelos dois presidentes reeleitos, na opinião de Rouquié (publicada na revista Trópico e no blog da jornalista Leneide Duarte-Plon), pesou mais em favor do presidente Lula, que garantiu a continuidade da política econômica, ampliou a política social de seu antecessor, aprofundou-a e se comportou como democrata (não tentou mudar a Constituição para ter o terceiro mandato).

Falta, porém, a operação política para elevar o nível geral mediante reformas que batem em vão às portas de todos os governos, sem encontrar guarida. O resto têm sido contradições que não se resolveram.

Ainda não é outro o país, mas já não é aquele que oscilava retoricamente, a cada sucessão presidencial, à beira do abismo.

Há 40 anos, a saída do Estado Novo pela via constitucional processou-se por outros meios e sob outros valores. Segundo versão corrente, foi acidental: uma entrevista ludibriou o censor do extinto Correio da Manhã e teve o efeito contagiante de extinguir imediatamente, em cima de publicação, a censura que blindou a ditadura desde seu primeiro dia. O entrevistado era o ex-candidato José Américo de Almeida à sucessão presidencial, que não houve em janeiro de 1938 (e o entrevistador foi Carlos Lacerda). Na entrevista, José Américo aconselhou Getulio Vargas, no começo do ano de 1945, a restabelecer a eleição presidencial como eixo para a volta do Brasil à democracia .

O resto guarda a diferença entre duas situações semelhantes, separadas por 40 anos, com as quais se pode aprender mais do que se esqueceu ao longo do caminho. Mas encerra a última lição a ser extraída ainda em tempo de entender o que se passou, qual seja, como e por que a ditadura foi a madrinha da democracia.

E as consequências.

O Brasil já não é aquele que oscilava a cada sucessão presidencial.

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