segunda-feira, 5 de julho de 2010

O ovo da serpente:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Vamos completar oito anos de governo Lula. Nesse período a economia brasileira apresentou resultados positivos, com crescimento, a partir de 2004, muito superior à média das décadas anteriores. Também vivemos uma estabilidade macroeconômica - apesar do soluço criado pela crise externa em 2009 - pouco usual em nossa história recente. A inflação esteve sempre alinhada às metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional e o real passou a ser tratado nos mercados de câmbio como moeda forte e confiável. O endividamento do setor público manteve-se dentro de limites adequados, quando comparado com o dos países avançados que hoje lutam contra um endividamento crítico.

Tudo isso levou a um grande respeito por parte da comunidade financeira internacional, normalmente um grupo de pessoas muito mal humoradas em relação a governos vistos como de esquerda. Tanto é verdade que uma candidata com a história pessoal de Dilma Roussef não cria expectativas negativas em relação a uma possível vitória sua nas eleições presidenciais de outubro. Basta lembrar o que aconteceu nos mercados financeiros quando, em julho de 2002, as pesquisas eleitorais começaram a mostrar o favoritismo de Lula nas eleições daquele ano.

Em encontro recente com representantes da comunidade financeira internacional em Nova York a ministra, acompanhada do fiador das mudanças econômicas do governo Lula e do PT - o ex ministro Antonio Palocci -, arrancou aplausos da plateia. A candidata fez uma defesa da independência do Banco Central na busca do controle da inflação.

Mas se nos desviarmos da questão macroeconômica e nos concentrarmos em várias decisões de ordem microeconômica do governo Lula, esse entusiasmo quase juvenil deixa de existir. Um deles me assusta particularmente pois reconstrói um aleijão que existiu por muitas décadas em nosso quadro institucional e que foi um dos responsáveis pela bagunça fiscal e monetária de muitos anos.

A forma como vem operando o BNDES reproduz com outro desenho operacional a chamada conta-movimento do Banco do Brasil e que foi eliminada com muito custo em 1986. No caso da conta-movimento o Banco do Brasil expandia seus empréstimos e o Banco Central simplesmente acomodava a moeda criada, o que na prática significava que não havia nenhuma ancoragem monetária na economia.

Na versão atual da conta movimento o Tesouro entrega títulos seus ao BNDES que então, se necessário, vai a mercado para vendê-los e fundear suas operações de crédito.

No fim das contas há uma aterrorizante semelhança entre a versão da conta movimento do Banco do Brasil dos governos militares e a versão atual do governo Lula. Pelas informações hoje disponíveis sobre um eventual governo Dilma - o presidente atual do BNDES é muito próximo da candidata - esse mecanismo de emissão autônoma de moeda pode ser aprofundado.

Outro mecanismo de financiamento de empresas estatais com a emissão de dívida pública - esse talvez um pouco mais sofisticado - é o chamado Fundo Soberano formado com "sobras" de superávit primário e, eventualmente, parte das reservas internacionais do Banco Central. Emprestado de países que investem parte de seus superávits fiscais em reservas internacionais, o ministério da Fazenda do governo Lula criou uma figura de ficção em nossas finanças públicas. No caso clássico dos Fundos Soberanos não há emissão de dívida, pois os recursos representam poupança efetiva; no caso do Fundo Soberano de Lula há emissão líquida de dívida pública para a compra das reservas ou aplicação em ações de empresas públicas. É o caso recente do aumento de capital do Banco do Brasil.

Nos três casos citados - um no governo dos militares e dois no período Lula/Dilma - o ponto comum é a criação no setor público de ativos contra o setor privado ou empresas públicas (Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobrás) financiados por emissão de dívida mobiliária. Os riscos econômicos para o Tesouro associados a esses mecanismos são altos, embora a forma como se vende hoje os títulos públicos seja mais sólida do que a utilizada no passado.

Outro ponto que me assusta ao olhar detalhadamente para a pequena serpente no ovo da política econômica de Dilma Roussef é a política relativa a novos investimentos em infraestrutura. Certamente poderá ser um dos grandes limitadores ao crescimento econômico nos próximos anos. Principalmente porque são de autoria da atual candidata à presidência da República as principais ações do governo no campo das rodovias, portos e, principalmente, nos investimentos no setor elétrico. O fracasso do plano de concessão de rodovias federais em função de tarifas de pedágios irreais e a necessidade de grandes subsídios financeiros para as duas novas usinas hidrelétricas no Xingu são provas incontestes da falta de coerência e racionalidade das ideias de Dilma Roussef.

O título desta coluna foi tomado emprestado de um extraordinário filme de Ingmar Bergman sobre o nascimento do nazismo na Alemanha no início da década de trinta no século passado.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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