sexta-feira, 2 de julho de 2010

O real testa sua força:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mesmo em meio a uma tempestade, a moeda brasileira se valoriza em relação a outras importantes

Nestes tempos de grande instabilidade financeira, chama a nossa atenção a pequena flutuação do real nos mercados de câmbio. Se o analista tiver a memória do que acontecia com nossa moeda em situações semelhantes, a sensação de que algo mudou no Brasil passa a ser muito forte.Mesmo nos momentos de maior volatilidade, a taxa de câmbio está sempre oscilando em torno de R$ 1,80 por dólar. Esse mesmo valor também -há bastante tempo- aparece semanalmente nas estatísticas do Banco Central quando divulga as projeções do mercado financeiro para o valor do real em 2011 e 2012.

Muitos dirão que esse comportamento é explicado principalmente pelas elevadas taxas de juros no Brasil. Na BM&F de São Paulo, os contratos futuros estão sendo negociados a 12,4% anuais para o período de dois anos e meio à frente. Em um mundo em que, nos países mais avançados, os juros para esse período de tempo estão abaixo de 1% ao ano, temos que concordar que esse é um estímulo e tanto para vender dólares e aplicar em títulos em reais.

Entretanto, mesmo para que esse argumento seja válido, é preciso que os investidores internacionais confiem na economia do país nos próximos anos. Sem isso, os juros nominais -mesmo elevados- perdem o significado. No passado, os juros nominais eram elevados, mas, dada a volatilidade da taxa de câmbio, os juros em dólar eram impossíveis de serem mensurados. Por isso as aplicações de estrangeiros em papéis denominados em reais não eram competitivas.

E aqui está, na sua versão mais pura, a grande mudança em relação ao passado. Os investidores conseguem hoje olhar para um período de vários anos à frente com confiança na estabilidade macroeconômica do Brasil, principalmente na taxa de câmbio. Com isso, os juros reais elevados exercem atração sobre os investidores que buscam diversificar suas aplicações de renda fixa. Os grandes fundos de investimento no G7 são aplicadores constantes em papeis do Tesouro Nacional, indexados ou não à inflação. Também em relação aos investidores em ações a estabilidade do câmbio, ao lado do crescimento do consumo interno, tem funcionado como forte polo de atração de novos investimentos. Agora mesmo, no aumento de capital do Banco do Brasil, a participação do capital internacional foi relevante.

Em razão desses fluxos estáveis de recursos externos, o real tem tido um comportamento surpreendente quando comparado com outras moedas importantes tanto no mundo desenvolvido como no emergente. A moeda brasileira tem se valorizado em relação a elas, mesmo em meio a uma busca quase frenética por aplicações mais seguras.

A primeira metade do ano de 2010 foi marcada pelo fortalecimento do dólar americano nos mercados de câmbio. O euro e a coroa dinamarquesa perderam, nesses seis meses, quase 15% de seu valor em relação à moeda americana. A libra inglesa ficou 8% mais fraca, o dólar australiano, 6%, e o won sul-coreano, 4,7%. Já o real perdeu apenas 3,5% de seu valor. Entre as moedas mais importantes, só o dólar canadense teve performance melhor, ao se desvalorizar em apenas 0,8%.
Não por outra razão é que as importações têm aumentando de forma importante sua participação nas cadeias de produção e distribuição de bens industriais, como escrevi na minha coluna passada. Ancoradas em uma moeda estável, mesmo ao meio de uma tormenta financeira, as empresas passam a trabalhar com componentes e produtos importados para aumentar sua eficiência e reduzir o poder de fixação de preços dos fornecedores nacionais. Por outro lado, ao agir dessa forma, diminuem os efeitos de uma moeda forte e valorizada sob a competitividade das empresas.

Aumentar o coeficiente de importações e reduzir o valor agregado da produção interna em setores em que somos menos competitivos é o mecanismo adequado para uma economia ainda muito fechada. E isso está acontecendo no Brasil de hoje de forma acelerada como resultado do real forte.



Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.

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