sexta-feira, 9 de julho de 2010

Os nanicos de esquerda :: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O tempo de televisão no horário eleitoral é mínimo e a plataforma muitas vezes peca por irrealismo, como quando anuncia, em tom invariavelmente normativo, a atualidade de um socialismo ainda mal definido e com pouca densidade cultural e programática: são os candidatos dos partidos "nanicos" de esquerda, que ocupam um lugar bem específico no espectro dominado pelas candidaturas mais fortes, evidentemente, aquelas apresentadas pelas duas versões da social-democracia brasileira e, agora com mais visibilidade e capacidade de aglutinação, pelos ambientalistas do PV.

Trata-se, apesar da previsível fragilidade eleitoral, de personagens e correntes com inserção não desprezível no mundo da universidade e dos intelectuais, e só isso tornaria obrigatório levá-los a sério. Mas ainda há mais: Plínio Sampaio vem de longe: originalmente democrata-cristão, radicalizou-se politicamente, com coerência e dignidade, e veio a encontrar-se com outros setores dissidentes do PT, agora num partido que, pelo menos no nome, busca combinar "socialismo" e "liberdade". De fato, não é pouco, uma vez que também não foram poucas as vezes em que se chocaram "liberdade" e "socialismo", especialmente quando este último esteve no poder e construiu Estados cuja força política sufocou liberdades individuais e coletivas.

Palavras análogas podem ser ditas quanto a Ivan Pinheiro, o candidato de um residual PCB que busca manter de pé a velha tradição bolchevique, com todos os seus limites, e de José Maria de Almeida, do PSTU. Todos estes grupos, independentemente do anacronismo de que se revestem várias das suas proposições políticas e econômicas, poderiam constituir, entre nós, uma espécie de embrião de uma "esquerda alternativa", que nos ajudasse a delinear, ainda que de modo contraditório e às vezes pouco claro, possibilidades de superação das "compatibilidades" dadas, de tal modo que o futuro não fosse a repetição indefinida de um presente de desigualdades e injustiças que estão à vista de todos.

Nesse sentido, uma primeira crítica de fundo - e não apenas de método, como parece à primeira vista - deve ser dirigida à reiterada incapacidade de uma dinâmica mais unitária por parte desses agrupamentos, potencializando o desempenho eleitoral com vista a uma maior representação nas assembleias eletivas e ao desempenho de maiores responsabilidades administrativas, especialmente em nível local. O desempenho dessas funções seria uma poderosa "vacina" democrática contra os males do sectarismo - do espírito de seita no sentido mais próprio do termo -, que frequentemente assola e esteriliza as associações políticas que pregam a necessidade de superação do capitalismo.

"Esquerda alternativa" e "esquerda de governo" - como aquela que se expressa majoritariamente tanto no PT quanto no PSDB e no pequeno PPS - poderiam idealmente viver uma dialética por certo áspera, mas no fundo virtuosa, em que a primeira funcionasse tal como funcionam na economia os lobbies e grupos de pressão.

Pode-se argumentar que esse é um cenário ideal - e idealizado -, bem distante do mundo real, em que se cruzam anátemas, cismas e excomunhões tão comuns ao tradicional modo de ser das esquerdas.

Argumento, sem dúvida, poderoso, em relação ao qual, por ora, pouco há a fazer além de lutar, teórica e praticamente, para que se generalize paulatinamente, e com uma abrangência cada vez maior entre forças e personalidades de esquerda, a adesão aos valores da democracia política, forma alta de civilização e convivência humana que permite "processar" conflitos e divergências com um mínimo de trauma. Ou, por outras palavras, com o predomínio do consenso e do convencimento sobre a força e a coerção.

De resto, essa seria uma operação cultural de fôlego, destinada, por natureza, a não se manter no âmbito estrito da esquerda política. A tradução prática de uma tal perspectiva só pode ser a defesa e a valorização da Carta de 1988, sem as tentações da "democracia plebiscitária", de Constituintes "exclusivas" e toda forma de autoritarismo. Nesse âmbito constitucional, inimigos tornam-se adversários, que não se deve pensar em liquidar (nem sequer como "classe", como dizia Stalin dos kulaks na época da coletivização forçada na velha URSS), mas vencer com as "armas" da democracia.

Logicamente, as diferentes forças de centro e de direita são aceitas como participantes com todos os títulos da arena política, e não só por motivos instrumentais, mas, fundamentalmente, pelo fato de que a dialética democrática reconhece que o bem comum pode ser elaborado de diferentes formas e nenhum grupo detém o monopólio da virtude ou do progresso social.

De novo, pode-se retorquir que também esse cenário mais amplo, que pretende ir além do estrito campo da esquerda, peca por idealismo. Decerto, não é possível ignorar a dureza do conflito social, a intensidade do choque entre paixões e interesses, as relações de poder e força entre grupos e classes. É, contudo, possível afirmar que "ganha" quem fizer prevalecer, como conquista civilizatória, uma ideia nova de política, que combine irreversivelmente hegemonia e pluralismo, começando por criar e estimular, aqui e agora, o "patriotismo constitucional".

Protagonizar a luta social sem recorrer ao método da democracia, ou considerando-o como recurso a descartar no dia seguinte à "tomada do poder", conduziu aos excessos que desonraram o conceito de socialismo e puseram - e ainda põem - em dificuldade toda a esquerda, dos seus componentes mais moderados até os mais propriamente de ultraesquerda. Na frase de Habermas, que, na verdade, equivale a um programa, é preciso ser fiel ao Estado Democrático de Direito, sem nenhuma ambiguidade, para poder ir muito além do status quo.


Ensaísta, é tradutor e um dos organizadores das obras de Antonio Gramsci em português

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