sexta-feira, 30 de julho de 2010

Políticos com certificação:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Poucos segmentos sociais são tão desprestigiados como a classe política ? em particular os parlamentares. Isso é facilmente aferível nas frequentes enquetes de opinião popular que procuram identificar o grau de confiança em instituições e grupos sociais. Mas não é uma peculiaridade brasileira, como mostra pesquisa feita em 19 países pelo instituto alemão GFK na última primavera europeia ( www.gfk.com ). Segundo a enquete, os políticos ocupam o último lugar numa lista de 20 profissões, que passam pelos bombeiros (a mais popular, com 97% de confiança), professores (85%), advogados (72%), banqueiros (57%), clérigos (55%) e jornalistas (42%). Os políticos têm apenas 14% de aprovação, obtendo seu melhor resultado na Holanda (32%) e o pior na Itália (apenas 7%!).

O Brasil também foi incluído na amostra do GFK, mas os resultados obtidos especificamente por aqui não foram divulgados (embora saibamos que nossos políticos se saíram melhor que os italianos). Uma indicação sobre o prestígio dos políticos em nosso país, ainda que de forma indireta (já que a pesquisa perguntou sobre confiança em instituições, e não em profissões), consta do último relatório do Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil), elaborado pela Escola de Direito de São Paulo, da FGV, sob a coordenação de Luciana Gross Cunha (disponível em www.direitogv.com.br/subportais/RelICJBRASIL2TRI2010.pdf ). Numa lista de 10 instituições, aquelas nas quais os brasileiros menos confiam são o Congresso Nacional (28%) e os partidos políticos (21%). As três mais bem avaliadas são, além das Forças Armadas (63%, sempre figurando em primeiro lugar), as grandes empresas (54%) e o governo federal (43%).

O fato de os políticos e suas instituições por excelência serem alvo de tanta desconfiança aqui e alhures não é algo difícil de compreender. Trata-se de uma característica inerente ao Estado representativo e seus mecanismos de controle: quem elege desconfia e, portanto, precisa de instrumentos para restringir o poder de seus representantes, sancionar suas condutas e, a depender da avaliação feita, retirar-lhes do posto obtido nas urnas ou reconduzi-los para o cargo. É por isso que democracias de grandes dimensões, necessariamente representativas, têm na competição entre políticos rivais um elemento crucial: se não for possível votar numa oposição, é impossível controlar os governantes no poder.

Por essa mesma razão políticos autoritários, desejosos de agir sem nenhum tipo de controle, têm como um de seus principais recursos de ganho de poder a eliminação (ou a neutralização) dos opositores e/ou dos dispositivos institucionais que viabilizem a oposição, por vezes criando substitutos ilusórios para tais mecanismos mediante formas de ?democracia participativa?, sempre hegemonizadas pelo grupo dominante. Ora, como cidadãos de sociedades modernas não têm tempo nem interesse para participar o tempo todo da vida política, a divisão social do trabalho, que gera uma classe de políticos profissionais, mostra-se desejável e inevitável, mas traz os riscos da perda de controle e das consequentes oligarquização e corrupção. Por isso, o aprimoramento das democracias requer a redução dos custos de fiscalização dos representantes por seus representados.

O desenvolvimento tecnológico e as novas mídias que ele tornou possível viabilizam uma considerável redução dos custos de controle sobre os políticos. A própria legislação eleitoral tem apontado nessa direção, obrigando a publicação na internet das receitas e despesas dos candidatos. Em nosso caso, porém, o avanço foi precário, pois os próprios congressistas, desinteressados de conferir maior transparência a suas contas de campanha, aprovaram a esdrúxula regra segundo a qual só é necessário publicá-las após a realização do pleito ? um escárnio. Da forma como a lei dispõe, o eleitor corre o risco de votar num candidato e descobrir apenas depois do pleito que ele foi financiado por alguém em quem o representado não confia, ou por interesses dos quais diverge. Mas aí o estrago já está feito e o mandato já foi obtido; de novo, só daqui a quatro anos.

A classe política, a despeito das profundas divergências partidárias (doutrinárias ou de qualquer outro tipo) existentes entre seus membros, compartilha um interesse comum: o de preservar-se como grupo profissional, eliminando os mecanismos inibidores da sua atuação livre, inclusive no âmbito da competição entre pares. E como é essa mesma classe a responsável por definir as regras da competição política, dificilmente as regras são modificadas no sentido de aumentar os controles e tolher a liberdade dos representantes. Quando isso acontece, decorre da fortíssima pressão social (inclusive por meio da mídia) que episodicamente se dirige aos políticos, acuando-lhes. Foi esse o caso da recente aprovação da Lei da Ficha Limpa, motivada por ampla mobilização de cidadãos e, sobretudo, da imprensa.

Mas como os mecanismos legais de controle têm-se mostrado insuficientes, são cruciais iniciativas da sociedade civil organizada como a criação do site http://www.fichalimpa.org.br. A ideia é notável: ao obrigar os políticos que desejam ser listados ali a apresentar comprovantes de sua vida ilibada, assim como (o mais importante) prestar contas semanalmente de suas contas de campanha, os organizadores da página criaram uma certificação de políticos confiáveis. Embora surpresas desagradáveis sempre possam ocorrer, os eleitores com acesso à internet ganham a possibilidade de crivar suas escolhas pela certificação: políticos não certificados (ou seja, ausentes do site) não ganham voto, pois provavelmente têm algo a esconder. Impulsionada ainda essa iniciativa pela divulgação do instrumento em meios de comunicação de largo alcance (como a TV Globo), poderemos ter um salutar elemento novo na decisão do voto de muitos eleitores brasileiros este ano.


Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

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