domingo, 18 de julho de 2010

Um presidente já à vista pelas costas:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Entre os pretendentes com mais destaque nas pesquisas sobre a sucessão presidencial, o papel principal ainda cabe ao presidente Lula. No espaço preenchido com farpas pessoais trocadas pelos candidatos, ele se desloca com antecedência e pede preferência ao futuro. Empenha-se em marcar presença em três mandatos distintos. Dois dele e um de sua candidata. E, para salvar mais do que aparências, faz hora extra e interpretações legais com pontos de vista pessoais que não o comprometem.

Depois de esculpir num bloco de matéria burocrática a candidatura Dilma Rousseff, que soube simular surpresa com toque feminino, Lula aumentou a escala de provocações, inebriou-se com o pré-sal e passou a impressão de que tudo seria possível. Era apenas impressão. Finalmente, desmobilizou-se. A visão do fim do mandato despertou outras considerações que não lhe haviam ocorrido. Por exemplo: no dia em que acordar fora do governo, precisará de alguém para ouvir o que ele reservava para revelar mais tarde. Entre o último mandato e o próximo a que pode aspirar, terá de se contentar com o mandato alheio, a uma distância segura de surpresas que não terão sido devidamente calculadas.

Com alguma distância, orgulhoso de sua candidata (e mais orgulhoso de si mesmo), Lula já parece tocado pela graça que baixa sobre os presidentes, à medida que se aproxima o fim do mandato. Mas, no fundo ou no raso mesmo, não é impróprio considerar que o presidente se desloca discretamente no espaço político sem perder de vista a sucessão de 2014. Dialético mas ambivalente, Lula pensa também além das nossas fronteiras e percebe espaços a serem preenchidos com matéria-prima brasileira, da qual se considera, sem modéstia, artigo de exportação.

E, para não se perder em raciocínios vicinais, o presidente avalia igualmente a possibilidade de sua sucessora, na melhor hipótese, afeiçoar-se à repetição do mandato e fazer também da reeleição um programa. Mandatos se tornam vícios e criam dependência.

No caso de Lula, ainda bem que a ampla curva e o deslocamento dele para o centro (da História, bem entendido) o levaram a apostar contra as próprias convicções. Assim há de ser enquanto a reeleição não for trocada por mais um ano de mandato, como nunca devia ter deixado de ser. A falsa modéstia não resiste à popularidade sem se arrepender mais tarde. O primeiro mandato pareceu suficiente, mas não bastou a nenhum dos dois presidentes. A dúvida em relação a Dilma se tornará certeza, antes ou depois? Quem banirá a reeleição? As perguntas que não foram feitas antes se apresentarão certamente depois, para serem respondidas com iniciativas que pareceram dispensáveis quando Lula ainda não era um presidente visto pelas costas. Com base na fragilidade da natureza humana e na relatividade moral da política, Lula é bem capaz de um lance que ainda não está embutido nas circunstâncias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário