segunda-feira, 5 de julho de 2010

Uma maneira de escolher um candidato:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Não é um bom ponto de partida, para quem procura um candidato à próxima sucessão entre os nomes até então apresentados, limitar sua escolha à avaliação do perfil de cada qual, suas realizações e biografias. A oferta de bons nomes embaraça a escolha do incauto que procurar seguir essa prosaica regra, cabível na avaliação de currículos para admissão em empresas ou em programas de pós-graduação universitários. Pois, fora de dúvida, de que Serra, Dilma, Marina e Plínio Sampaio são cidadãos virtuosos e têm atrás de si uma história de realizações na vida pública.

Nessa procura, certamente aparenta ser mais útil deslocar o foco para os partidos e seus programas. Mas, aí, as coisas também podem se tornar confusas, porque será necessário distinguir os seus enunciados programáticos das suas práticas, na medida em que um partido, em abstrato, pode se declarar orientado para os fins do socialismo enquanto que, do ponto de vista da sua ação, se comportar no sentido de ampliar e aprofundar a ordem burguesa.

Assim, uma declaração de princípios por parte de um partido em favor de determinados valores não necessariamente revela a sua real identidade, que não se pode conhecer sem observar a sua forma de agir no mundo. Se um partido, por exemplo, afirma que a democracia se tornou um valor universal, ela não pode ser contingenciada por uma perspectiva substantiva, em que se persigam fins democráticos por meios que não o sejam, salvo, é claro em regimes de tirania. Se ele a contingencia, não deve ser uma boa opção para quem adere a esse valor.

Em tempos de sucessão, em um sistema de governo fortemente presidencialista como o nosso, quando se vai atribuir a um governante, bem mais do que a gestão da máquina da administração pública, um poder efetivo de decisão sobre os rumos do futuro, o que importa é definir, a partir das balizas e referências que nos são constitutivas, para onde queremos ir. Uma dessas referências obrigatórias está no reconhecimento de que a moderna sociedade brasileira tem seu assentamento em uma revolução democrática, gestada na resistência ao regime ditatorial, que envolveu em seu processo a representação do que havia de mais significativo na sociedade civil em um movimento inédito na vida republicana, inclusive pela magnitude de sua escala, e que recebeu consagração institucional com a Carta de 1988.

O fato dessa revolução democrática ter desconhecido rupturas agônicas, afirmando-se pelo caminho de uma transição política, não lhe retira o significado de mudança de época que ela introduz na história brasileira, com a valorização da sociedade e de suas instituições diante do Estado, com a criação de um Ministério Público como figura republicana destinada a agir em nome da sociedade e não mais como instrumento da vontade estatal, e de um complexo sistema de proteção para os direitos individuais e coletivos. A carta política em que essa revolução declarou seus valores e instituições já se entranha na nossa nova cultura política e começa a fazer parte do imaginário da vida popular, que nunca antes demandou por seus direitos como agora, exemplar, entre tantas, nas causas que envolvem as comunidades quilombolas.

A condução à Presidência, primeiro de um intelectual saído da esquerda da vida universitária, sucedido por um sindicalista de origem operária, e, agora, esse naipe de candidatos à sucessão de 2010, todos formados nas lutas democráticas e populares, atesta que o impulso originário, que nos vem das lutas da resistência e do movimento da opinião pública de então, segue animando a vida pública. A tradução em termos políticos do Estado Democrático de Direito, figura conceitual que resume a obra coletiva da geração da resistência, não pode ser outra que democracia como valor universal.

Continuar e aprofundar tal inspiração dos fundadores da moderna república brasileira implica torná-la presente na agenda das questões relevantes com que a sociedade hoje se defronta, quer sejam as que envolvem o modo de inscrição do país no cenário internacional, quer as que tratam da questão social, do meio ambiente, ou mesmo das próprias políticas sistêmicas que definem os rumos da economia, que não podem ser autônomas, na determinação de suas linhas gerais, das preferências expressas pelos cidadãos. Para tanto, exigem-se respostas novas, e que tenham como ponto de partida o envolvimento da sociedade e de sua vida associativa, tal como no processo recente que levou a criação da lei da Ficha Limpa.

De muitas direções, algumas surpreendentes, somam-se as iniciativas que testam, com sucesso, essa nova forma de fazer política, melhor ilustrada pelo caso da tramitação no Parlamento da reforma do Código Florestal, sob a relatoria do deputado Aldo Rabelo. Questão crítica, tratando de interesses supostamente inconciliáveis entre o agronegócio, os ambientalistas e a agricultura familiar, o empenho do relator em encontrar uma solução consensual, pela via do diálogo democrático, com a audiência de todos os envolvidos, parece se achar próxima de um final feliz.

No entanto, qualquer que seja o resultado, a tentativa de repensar a questão agrária brasileira, pela via habermasiana que orientou o relator, já produziu um novo diagnóstico: na contramão de idiossincrasias e preconceitos consolidados, estamos aprendendo que, nessa velha questão dramática da sociedade brasileira, se encontra, para além dos cálculos produtivistas e dos impasses do passado, um dos temas chave para uma política de soberania nacional e uma das passagens para a nossa transição ao moderno.


Luiz Werneck Vianna é professor visitante da UERJ e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras.

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