domingo, 29 de agosto de 2010

Chávez faz escola contra a mídia independente

DEU EM O GLOBO

Em Equador, Argentina e Bolívia, presidentes seguem a trilha do líder venezuelano na tentativa de cercear a imprensa

Janaína Figueiredo
Correspondente

BUENOS AIRES. Além de petróleo, o governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, exportou nos últimos tempos um modelo comunicacional que prevê uma forte intervenção do Estado na mídia e a implementação de medidas que, na visão de representantes do setor, limitam a liberdade de expressão. A influência chavista é cada vez maior em Argentina, Equador e Bolívia, países que nunca esconderam sua sintonia com a revolução bolivariana. A exportação do modelo construído pelo ex-tenentecoronel que chegou ao poder em 1999 já foi denunciada por diversos órgãos internacionais, entre eles a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

Qualquer crítica é recebida como oposição política A organização acredita que existem claros indícios da deterioração da liberdade de imprensa nas Américas, como ressaltou no relatório de sua última assembleia anual, e apontou o presidente venezuelano como o principal responsável pelo conflito entre governos e meios de comunicação da região. Não é por acaso que vários governos estão agora unidos por uma ideologia exportada da Venezuela pelo presidente Hugo Chávez, que chegou a propor uma lei de delitos midiáticos.

No Equador, a situação é delicada e jornalistas do país coincidem em afirmar que a importação do manual chavista antimídia é real e perigosa. Este ano, a SIP discutiu o caso equatoriano na reunião em Aruba, em março, na qual foi criticada a intenção do governo Correa de aprovar um novo projeto sobre mídia, chamado no país de projeto de lei da mordaça. Entre as propostas, a mais temida pela imprensa estabelece que qualquer pessoa pode solicitar à Justiça a suspensão de uma investigação jornalística, se considerarse prejudicada.

Estamos comprando um modelo estatizante e, junto com ele, a ideia de que é necessário ter um pensamento único disse ao GLOBO Nila Velázquez, diretora da Fundação El Universo de Guayaquil, dedicada à capacitação de jornalistas.

Segundo ela, qualquer crítica é recebida pelos governantes como uma oposição política.
Somos jornalistas, não políticos.

Mas o governo não entende isso; se criticamos, somos inimigos enfatizou Nila.

Apesar da energia que alguns presidentes dedicam a atacar meios de comunicação em discursos e programas de TV transmitidos por canais estatais, como o Alô Presidente de Chávez, aplicar a receita do venezuelano não parece ser um bom negócio. Um recente estudo elaborado pela Faculdade de Ciências Sociais (Flacso) em 18 países da região mostrou que 58,6% dos latino-americanos confiam muito ou um pouco nos meios de comunicação, especificamente nos noticiários de TV. O percentual de confiança nos governos foi de 48%. Para Francisco Rojas Aravena, secretário geral da Flacso, a confrontação constante entre governos e imprensa é negativa porque dificulta um diálogo construtivo.

Um dos mais recentes conflitos entre Chávez e os meios de comunicação de seu país foi provocado pela decisão de um tribunal de Caracas (vale lembrar que a ausência de uma divisão de poderes é uma das principais críticas feitas ao governo chavista) que proibiu os jornais de publicar imagens e informações sobre casos de violência.

A medida foi anunciada após a divulgação nos jornais El Nacional e Tal Cual de fotos de um necrotério.

Em meio ao conflito, o Colégio Nacional de Jornalistas e o Sindicato Nacional de Trabalhadores de Imprensa declararam o estado de emergência do jornalismo na Venezuela. O aumento da violência é uma das principais preocupações dos venezuelanos.

Segundo dados divulgados pelo El Nacional, após um tribunal de Caracas derrubar parcialmente a proibição, no ano passado 19.133 pessoas foram assassinadas no país, o que colocou a Venezuela acima de países como Colômbia e México.

Faltando apenas algumas semanas para as eleições legislativas de setembro, o governo chavista teme perder sua maioria parlamentar hegemônica.

O aumento do controle estatal sobre os meios de comunicação, a suspensão de concessões e a forte intervenção dos governos em empresas do setor são elementos comuns nas políticas de comunicação da região. O capítulo mais recente da disputa entre a imprensa e presidentes latino-americanos ocorreu em Buenos Aires, onde a Casa Rosada denunciou a suposta compra irregular da empresa Papel Prensa, em 1976, por parte dos jornais Clarín e La Nación. A versão kirchnerista, que busca vincular a venda da empresa à perseguição política sofrida por membros da família Graiver, exproprietária da Papel Prensa (empresa que abastece 75% do mercado local de papel), foi derrubada, entre outros, por Isidoro Graiver, que comandou as negociações com ambos diários.

Tanto na Argentina como em outros países da região, vemos fórmulas autoritárias que violam a divisão de poderes comentou o gerente de comunicação do grupo Clarín, Martín Etchevers.

Na Bolívia, ataques aos relatórios da SIP Na Bolívia, o presidente Evo Morales foi criticado após a aprovação da nova Lei de Regime Eleitoral, que limita a cobertura de eleições. Segundo associações de jornalistas, a norma viola a Constituição e convênios sobre liberdade de expressão firmados pela Bolívia. Em sintonia com colegas sul-americanos, o presidente costuma atacar meios de comunicação independentes e organizações, como a SIP, que denunciam atropelos à imprensa no continente.

O Palácio Quemado referiu-se à SIP como instrumento do imperialismo e assegurou que seus relatórios têm o mesmo valor que um papel molhado.

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