quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Direitos humanos e diplomacia nuclear devem andar juntos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Shirin Ebadi
Especial para a Folha

O angustiante caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, mãe de dois filhos que um tribunal iraniano sentenciou à morte por apedrejamento em um caso de adultério, atraiu merecida atenção mundial ao draconiano código penal do Irã, que reserva suas mais cruéis punições às mulheres.

A prática do apedrejamento, especialmente, é tão repulsiva que até mesmo aliados políticos como o Brasil se sentiram compelidos a agir. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu asilo a Ashtiani, no final de semana, por meio de um apelo direto ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. A intervenção brasileira envia uma mensagem poderosa à república islâmica: seu histórico de direitos humanos não poderá ser separado de sua diplomacia nuclear.

Antes da Revolução Islâmica de 1979, nos anos em que eu trabalhava como juíza no Irã, relações sexuais consensuais entre adultos não constavam do código penal.

A revolução impôs uma versão da lei islâmica extraordinariamente rigorosa até mesmo pelos padrões dos países muçulmanos, tornando o sexo extraconjugal crime passível de punição legal. Sob o código penal revolucionário, a punição para homem ou mulher solteiros que pratiquem sexo extraconjugal passou a ser de cem chibatadas; e o artigo 86 dispõe que uma pessoa casada culpada de adultério seja morta por apedrejamento.

Como a lei iraniana permite a poligamia, na prática dá aos homens uma rota de fuga: podem alegar que sua relação adúltera constituía um casamento temporário. Mas as mulheres casadas acusadas de adultério não têm direito a essa exceção.

Os códigos leais do Irã estão repletos de incoerências e indefinições que tornam impossível respeitar os princípios do direito. O processo criminal por adultério e a promulgação da sentença de morte por apedrejamento não requerem nem mesmo um queixoso pessoal; se for possível provar que um homem ou mulher cometeu adultério, mesmo que o cônjuge o perdoe, o transgressor deve ser executado por apedrejamento. O artigo 105 permite que um juiz sentencie uma adúltera com base apenas na queixa de seu marido.

BOCA A BOCA

O apedrejamento vem sendo criticado por diversos juristas islâmicos, sobretudo pelo aiatolá Yousef Saanei. Acreditam que uma punição dessa ordem era aplicada nos dias iniciais do advento do islamismo, no século 7, segundo os costumes então vigentes. Apontam que o Corão não menciona apedrejamento e acreditam que punições mais amenas, como multas ou prisão, podem ser consideradas.

Para evitar os protestos internacionais, o governo se abstém de anunciar publicamente os veredictos de execução por apedrejamento. É só por meio de informações passadas de boca em boca por familiares e advogados que os casos chegam ao conhecimento da mídia. Por isso, nem mesmo sabemos exatamente quantos iranianos receberam essa punição nas três últimas décadas.

Shirin Ebadi é ativista de direitos humanos e foi a primeira mulher muçulmana a receber o Nobel da Paz.

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