sábado, 21 de agosto de 2010

Doze milhões de casas sem água

DEU EM O GLOBO

Número de domicílios com abastecimento, porém, subiu de 34,6 milhões em 2000 para 45,3 milhões, diz IBGE

Fabio Brisolla e Efrém Ribeiro

RIO e TERESINA. O sistema de abastecimento de água ainda não chega a 12 milhões de residências brasileiras, segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo IBGE. E isso apesar de o número de domicílios conectados às redes de fornecimento de água ter subido de 34,6 milhões (em 2000, no levantamento anterior) para os atuais 45,3 milhões de lares - um aumento de 30,8% na oferta.

A distribuição de água ocorre em 99,4% das 5.565 cidades do país. O número, entretanto, está longe de representar um sistema eficaz. A pesquisa inclui na lista de municípios abastecidos por água aqueles onde o fornecimento é apenas parcial. Há situações, por exemplo, onde a água chega a apenas uma região do território municipal.

A rotina da dona de casa Antônia do Nascimento da Silva, de 34 anos, retrata a dificuldade enfrentada por outros milhões de brasileiros. Moradora da Zona Rural de Teresina, capital do Piauí, ela percorre diariamente uma distância de 500 metros até a chácara mais próxima de sua casa, onde consegue água potável no poço artesiano de um vizinho.

Antônia vive em um assentamento organizado pelo governo do Piauí, que conta com um poço com água imprópria para o consumo. Os assentados disseram ter investido R$300 na compra de uma bomba para puxar a água do poço. Mas o sabor salinizado obtido após a extração frustrou a pequena população local.

Segundo Antônia, as 26 famílias instaladas por lá acabam recorrendo à opção mais arriscada. Nem sempre elas têm à disposição um meio de transporte, como carroças ou bicicletas, para buscar a água potável no poço mais distante.

- Eu passo o dia carregando água e, quando chega a noite, estou com o corpo dolorido. Quando a gente bebe a água do poço do assentamento, imediatamente vêm as dores de barriga. Aconteceu comigo, com meu marido e minha filha. Meu filho de 12 anos deixou de ir à escola por causa de diarreia - contou a dona de casa.

Vizinho de Antônia, o agricultor José Ribamar Cardoso da Silva, de 44 anos, diz que os assentados já reivindicaram abastecimento de água para a comunidade. Mas, até o momento, não obtiveram a resposta esperada. A solução temporária escolhida pelo agricultor tem sido estocar em casa garrafas de plástico e vasilhames cheios de água.

- Assim não preciso ir todos os dias pegar água fora do assentamento - diz Ribamar.

O IBGE constatou a completa inexistência de redes de distribuição de água em 33 cidades. São áreas onde a população recorre a carros-pipa, poços particulares, chafarizes ou minas. Em 2000, a mesma pesquisa identificou 116 municípios sem qualquer acesso a redes de distribuição de água. No atual levantamento, a região Nordeste lidera o ranking, concentrando 21 dos 33 municípios sem rede de abastecimento. Onze cidades sem acesso à distribuição de água estão na Paraíba e outras cinco ficam no Piauí. A segunda região do ranking é a Norte, com sete municípios sem fornecimento, quatro deles em Rondônia.

A precariedade do sistema de distribuição de água é retratada pela pesquisa do IBGE. Entre as localidades equipadas com redes de fornecimento, 365 municípios distribuem a água para o uso da população sem tratamento adequado. Quase todos (99,7% dos casos) são municípios com menos de 50 mil habitantes. Enquanto a baixa qualidade da água predomina em algumas pequenas cidades do Brasil, em outras, chama atenção a existência de fontes alternativas de fornecimento.

A pesquisa identificou em 794 municípios, com redes oficiais de abastecimento de água, a existência de outras formas de distribuição avalizadas pelas próprias prefeituras. Neste último caso se enquadram as empresas privadas que oferecem o fornecimento de água através da instalação de poços artesianos particulares em residências, condomínios, estabelecimentos comerciais e indústrias. Cabe ressaltar que os poços construídos sem o aval da prefeitura ficam fora do alcance da pesquisa.

- Em algumas cidades, as próprias comunidades se associam para distribuir a água por meio de carros-pipa ou poços artesianos. Se esse grupo for registrado, com CNPJ, vai aparecer na pesquisa. Mas, caso contrário, não conseguimos identificar. O mercado informal escapa à pesquisa - explica Antônio Tadeu de Oliveira, gerente da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE.

Além de poços artesianos instalados sem autorização, o tal mercado informal inclui também os "gatos", nome dado às conexões ilegais realizadas nas redes oficiais de distribuição de água.

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