domingo, 29 de agosto de 2010

Eterno recomeço na medida do possível:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Para não acabar à margem da sucessão presidencial que adiantou para garantir o essencial e não diluir a popularidade com peso recorde, o presidente Lula trata de manter desimpedido o acesso ao lugar que, a seu ver, não merecia: ex-presidente (a partir do primeiro dia do próximo ano). Fez saber, grosso modo, que, tão logo passe o poder, vai se dedicar à reforma política que deixou falando sozinhos todos os presidentes que namoraram a mesma iniciativa. Desconfia que o padrão moral dos hábitos políticos brasileiros já seja uma bomba de retardamento. E se reserva a função de detonador do recurso alternativo, enquanto espera a eleição de sua candidata e sua própria designação para uma variedade de primeiro-ministro no sistema presidencialista que fez dele o que ele passou a ser.

Deu o tom e solfejou: assim que deixar o poder, vai fazer a reforma política e, se falhar, não se sentirá sozinho na condição de derrotado, depois de eleger alguém que não é do ramo. E, por não ter de que se ocupar até 2014, conta com uma atuação decisiva no governo da sua eleita (por enquanto, pelas pesquisas) na alta conta em que se tem, com toda a razão.

Mas é aí que a reforma empaca. Pela própria natureza de ato político por excelência, reforma não é assunto popular nem rotina parlamentar. Antes de meter mãos à obra, o já então ex-presidente Lula terá aprendido que reforma política é muito mais. Pressupõe uma consulta ampla, mas discreta, à sociedade, sem deixar impressão digital de interesse político. A partir daí se torna possível a negociação em torno do essencial, com razoável margem para acomodar o que ficar de fora dos princípios, e sem afrontar o cidadão cuja arma continua a ser o voto. Pois o que se entende como reforma não tem fôlego de revolução. Também não alcança a plenitude constituinte. Os brasileiros já tiveram, só na República, quatro constituições procedentes de assembleias constituintes.

Não valeram as tentativas com DNA autoritário nem as cartas constitucionais sem a legitimidade que vem das urnas.

É evidente que, mal sucedido na proposta da constituinte exclusiva (como se o pecado não morasse ao lado), Lula teria dificuldades de conciliar diferenças e restringir a volúpia dos casuísmos. A oportunidade histórica autoriza a entrada da classe média na cena histórica. É por aí. Assim como o proletariado saiu de moda, o pequeno burguês veio ao mundo para preencher espaço disponível a quem acreditar nos valores sobreviventes. A solução viável passou a ser o respeito à democracia que, na medida do possível, no Brasil é o eterno recomeço.

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