quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Feira livre de dados pessoais segue em SP

DEU EM O GLOBO

O comércio de dados pessoais sigilosos nas ruas de São Paulo continua sendo feito livremente. Ontem, um dia após denúncia do GLOBO, repórter comprou outro CD com informações de contribuintes. Agora, da Receita Federal, por R$ 95.

Feira de dados continua livre em SP

Em nova investida, repórter compra CD com listagens da Receita Federal por R$95

Lino Rodrigues e Wagner Gomes

Ocomércio de dados pessoais sigilosos continua livremente no Centro de São Paulo. O repórter do GLOBO voltou ontem à Rua Santa Efigênia - tradicional ponto de comércio de produtos eletrônicos - e adquiriu por R$95 outro CD com informações de mais de seis milhões de contribuintes da Receita Federal. O programa, com dados de 2006, tem nome, telefone, endereço e CPF de contribuintes de São Paulo, Rio, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.

No dia anterior, o repórter já havia comprado dois CDs com informações do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) sobre proprietários de veículos em todo o país e dados bancários de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Preço da ilegalidade: R$200. O vendedor disse ainda que poderia obter dados da base do Itaú Unibanco.

A negociação de ontem ocorreu outra vez em plena rua, onde dois policiais militares faziam a ronda no início da tarde. O dinheiro foi repassado ao vendedor dentro de uma galeria, na esquina da Santa Efigênia com a Rua Aurora, a poucos metros do 3º Distrito Policial.

Em rápida conversa com um dos atravessadores, ele revelou que um dos chefes do esquema é conhecido pelo nome de Ricardo e que o negócio sobrevive há mais de dez anos:

- Nossos produtos são garantidos, tanto que temos clientes antigos - afirma.

A livre distribuição de dados que deveriam estar protegidos tem rendido aborrecimentos e preocupação para quem aparece nessas listas. Viúva há 20 anos, L.V. passou a receber cartas e ligações de instituições financeiras oferecendo produtos para uso do marido já morto. O primeiro contato aconteceu há quatro anos. Ela conta que já mudou de endereço desde a morte do marido, inclusive de estado, e que, por isso, acredita que as informações tenham vazado dos computadores da Receita. Enquanto não conclui na Justiça o processo de inventário, ela tem de manter atualizados seus dados junto à Receita.

- O inventário está na Justiça e tenho que declarar anualmente o espólio do meu marido, que faleceu em 1991 - explicou a viúva.

Os criminosos atuam livremente sem temer as autoridades. Em abril de 2007, a polícia chegou a prender três homens acusados de comercializar cadastros de contribuintes da Receita Federal na mesma Rua Santa Efigênia. Um adolescente de 15 anos foi detido na ocasião e levado para a Vara da Infância e Juventude. O CD trazia ainda informações de assinantes da Telefônica. Segundo a polícia na época, o adolescente oferecia o produto, enquanto os adultos tratavam da venda. Eles foram autuados em flagrante por formação de quadrilha, divulgação de segredo e violação de direito autoral.

Nas duas vezes em que o repórter esteve no local ficou claro que, além da cumplicidade entre os vendedores de dados, existe uma conivência velada dos lojistas formais, que demonstram intimidade com os vendedores de dados ilegais. A Receita foi procurada para falar sobre a comercialização de seus dados, mas não respondeu. Já a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) saiu em defesa de seus associados e afirmou, por meio de nota, que "os dados de clientes do setor bancário são mantidos em ambiente seguro e dispõem das melhores tecnologias de segurança da informação contra vazamento de dados". A entidade acrescentou que as instituições bancárias cumprem rigorosamente a lei do sigilo bancário.

"Nunca tivemos ocorrência de dados de nossos clientes disponibilizados para o mercado", conclui a nota.

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