segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Juros e câmbio na mira de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Serra, combinação com a explosão de gastos correntes põe País numa "armadilha"

Patrícia Campos Mello

Com a economia crescendo a taxas chinesas e o "feel good factor" em alta, os presidenciáveis da oposição repetem religiosamente o mantra superávit fiscal, câmbio flexível e metas de inflação. Ninguém se arrisca a propor mudanças drásticas no atual modelo. O candidato tucano, José Serra (PSDB), trata de afastar suspeitas de que poderia assumir uma linha heterodoxa na condução da economia.

Em uma entrevista recente que faz parte do livro Retrato de grupo, 40 anos do Cebrap, de Flávio Moura e Paula Montero, publicado no ano passado, Serra ataca a ideia de que seu desenvolvimentismo abalaria a estabilidade macroeconômica. "O termo (desenvolvimentismo)tem sido espertamente utilizado para insinuar que os que se preocupam com o desenvolvimento o querem a qualquer preço, mesmo à custa de inflação.

Não há necessariamente esse dilema, estabilidade versus desenvolvimento."

Mas Serra não economiza munição para atacar a valorização do câmbio e os juros altos. "Em nenhum dos preceitos do Consenso de Washington figura a ideia de que para desenvolver o país você precisa megavalorizar a moeda. Isso é simplesmente um erro, não é ortodoxo nem heterodoxo", diz Serra. "O Brasil está numa armadilha, que tem três lados: os maiores juros do mundo, já há muitos anos, a taxa de câmbio talvez hoje mais valorizada do planeta; e uma explosão de gastos correntes como nunca houve em valores reais ."

Geraldo Biasoto, diretor executivo da Fundap e próximo a Serra, afirma que a valorização do câmbio e o alto custo da infraestrutura estão levando a um processo drástico de desindustrialização no Brasil. A solução, diz Biasoto, não é fazer uma maxidesvalorização. "Mas precisamos ter uma queda dos juros, que vai calibrar o câmbio", disse Biasoto ao Estado. Na campanha de Serra, Gesner Oliveira, Geraldo Biasoto e José Roberto Afonso conhecem as ideias econômicas do tucano.

Serra aventa a hipótese de ter um modelo de funcionamento do Banco Central mais parecido com o chileno, no qual o Ministério da Fazenda é consultado sobre a atuação do banco. Biasoto é cauteloso ao comentar a autonomia do BC, tema que irrita Serra. Ele fala em maior coordenação entre Fazenda e BC. "Não acho que se deva mexer na estrutura institucional, o problema é que, como não temos o resto da política econômica, tudo tem de ser feito pela taxa de juros - por exemplo, passamos o primeiro semestre inteiro com a Caixa Econômica e o BNDES explodindo de dar crédito no mercado e o BC tendo de elevar juros", afirma. "É uma questão de ter equipes da Fazenda e do BC que sejam coordenadas."

Ao contrário do atual governo, Biasoto acha que o déficit em conta corrente é preocupante, por ser muito alto, com tendência de elevação. Uma maneira de reduzi-lo seria dinamizar o comércio, com mais acordos bilaterais para abrir mercados, flexibilizando o Mercosul.

A campanha de Serra vê espaço para cortes significativos nos gastos públicos mesmo sem reformas mais abrangentes, que exigiriam difíceis negociações com os Estados. "Precisamos promover maior eficiência, um governo Serra conseguiria reduzir muitos gastos supérfluos com cortes de programas desnecessários", diz Biasoto.

Biasoto é contundente nas críticas aos rumos do BNDES no governo Lula. "Os juros subsidiados do BNDES vão gerar uma conta de US$ 8 bilhões a US$ 14 bilhões de subsídio por ano - é uma Bolsa-Família para os ricos", diz Biasoto. "A Petrobrás é uma das maiores empresas do mundo e depende do BNDES, a Vale também, elas teriam crédito onde quisessem, não precisariam do BNDES." Biasoto afirma que o BNDES deveria financiar máquinas e capacidade produtiva e não mudança patrimonial.

Na visão de Biasoto, o atual governo está criando um Estado hipertrofiado, tentando executar tarefas para as quais o setor público não está qualificado. "Deveríamos ter um Estado regulador forte."

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