domingo, 22 de agosto de 2010

Os empobrecidos jornais da Venezuela de Chávez

DEU EM O GLOBO

Mídia impressa do país, dona de tradição rara na região, perde páginas, publicidade e circulação sob ataques do regime

Mariana Timóteo da Costa

A Justiça controlada por Hugo Chávez impediu, na semana passada, jornais e revistas de publicarem imagens e textos com o tema da violência. Depois, um tribunal voltou atrás, mas o dano para os profissionais da imprensa e defensores da liberdade de expressão já estava feito: o episódio foi o primeiro caso de censura prévia contra a mídia impressa dos 11 anos de governo Chávez. Acusado de perseguir os meios audiovisuais dezenas de estações de rádio foram fechadas, além da RCTV e de todos os problemas como a Globovisión o presidente tinha, até agora, se limitado a dificultar a sobrevivência econômica e a difamar jornais e revistas.

Mas a tradicional imprensa escrita venezuelana continuou representando o último bastião na mídia no qual os críticos ao governo têm voz.

São jornais como os antigos El Nacional, o El Universal e o mais jovem Tal Cual, bem como dezenas de outros regionais, que vêm reportando, por exemplo, detalhes sobre o escândalo dos alimentos estragados, bem como as diversas manobras do governo para, de acordo com denúncias, prejudicar o desempenho da oposição nas eleições. Nenhum diário atuante na Venezuela fechou as portas, apesar da série de dificuldades que seus dirigentes relatam enfrentar para continuar funcionando.

Com Chávez, perdemos 50% de nossas páginas, 30% de nossa circulação e nosso faturamento caiu pela metade. Claro que o advento da internet tem alguma parcela de culpa nisso.

Mas a culpa de Chávez é muito maior. Nossa história de pluralismo e liberdade nunca esteve tão ameaçada afirma Miguel Henrique Otero, presidente do El Nacional, fundado em 1944 e o mais tradicional do país, que hoje vende 80 mil exemplares durante a semana e 200 mil aos domingos, números semelhantes aos do El Universal, que também registra queda de circulação e faturamento. Agora, depois do primeiro caso de censura, a situação pode piorar mais.

García Márquez e Carpentier em fase de ouro dos jornais Os venezuelanos têm um carinho especial pela mídia impressa, conta Carlos Correa, da organização Espacio Público.

Apesar de não haver um instituto que verifique a circulação exata dos diários, Correa estima que os mais de cem jornais existentes no país tenham, ao todo, uma circulação diária de 3,5 milhões de exemplares. Boa parte, diz ele, ainda adotando uma postura anti-Chávez.

Levando em conta que pelo menos quatro pessoas leem o mesmo jornal, metade de nossa população de 28 milhões de habitantes têm contato com a imprensa escrita diariamente.

O número de jornais existentes também impressiona o que, segundo Correa e outros especialistas, explica-se pela história da imprensa escrita no país. Desde os anos 1940, as divisas do petróleo atraíram vários investidores para a atividade, não só em Caracas mas também nas cidades do interior, cujos jornais são tão tradicionais e lidos como os dos grandes centros urbanos.

Além disso, desde 1958 ao contrário de boa parte dos países da região, que enfrentaram golpes de Estado até os anos 1980 a Venezuela tem governos democráticos. Até o início dos anos 80, a imprensa no país viveu uma época de ouro. A lista de quem escrevia nos jornais de Caracas era invejável: os cubanos Alejo Carpentier e Nicolás Guillén, o colombiano Gabriel Garcia Márquez, o chileno Pablo Neruda, o argentino Tomás Eloy Martinez, o mexicano Carlos Fuentes, o guatemalteco Miguel Angel Asturias são alguns deles.

Tivemos um dream team, talvez o melhor jornalismo do mundo. Carpentier tinha uma coluna diária, e Martinez editava nosso caderno literário. Fomos o primeiro jornal das Américas a ter um suplemento assim lembra Otero, admitindo que hoje não teria mais dinheiro para pagar tantos escritores do mesmo nível. Mas ainda temos o (peruano) Mario Vargas Llosa, apesar de sua coluna ser sindicalizada (publicada também em outros veículos). Até os anos 80, e especialmente até o Chávez, tínhamos colaboradores exclusivos.

O cientista político José Vicente Carrasquero, da Universidade Central da Venezuela, diz que a situação da imprensa começou a piorar em 1983, data do primeiro controle cambial que dificultou o pagamento de salários no exterior e a importação do papel. Mas, segundo ele, é com Chávez que os jornais vivem seu pior momento.

Além do controle do câmbio, há o pesadelo da Cadivi (Comissão de Administração de Divisas), que restringe a quantidade de moeda estrangeira que se pode manejar. Isso afeta a compra de papel e o pagamento de colaboradores no exterior. Isso sem falar que, ao nacionalizar mais de 800 empresas nestes últimos 11 anos, a publicidade oficial inexiste para os veículos críticos ao governo diz.

Roberto Weil, do Tal Cual, fala de outro problema: o fato de Chávez ter dobrado o número de funcionários públicos, hoje em torno de quatro milhões.

É uma parcela grande da classe média que sofre represálias se tenta ler uma imprensa crítica diz Weill, lembrando que os jornais fazem parte do último projeto de hegemonia comunicacional do governo. É mais fácil cassar a concessão de uma emissora de TV do que impedir um jornal em papel de circular.

Enquanto isso, atuam contra nós em duas frentes: estrangulamento econômico e campanha contra nossa credibilidade.

Temos um governo que odeia o pensamento crítico O historiador venezuelano Manuel Caballero diz que este cerco de Chávez à mídia crítica afeta e muito a qualidade do que é publicado.

Antes dava gosto ler o El Nacional e o El Universal.

Atualmente eles estão fininhos, suas reportagens com menos conteúdo. Temos um governo que tem ódio da cultura e do pensamento crítico. Ainda não é uma ditadura, mas o estrangulamento dos jornais debilita nossa democracia.

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