quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Violência, só fora dos jornais

DEU EM O GLOBO

A um mês de eleição, Justiça da Venezuela proíbe publicação de fotos e textos agressivos

CARACAS – Em reação ao que alegaram ser a instituição da censura e uma manipulação governamental a um mês das eleições legislativas na Venezuela, setores da imprensa e organizações de defesa à liberdade de expressão protestaram ontem contra a decisão de um tribunal de proibir todos os veículos da mídia impressa do país de difundir imagens de teor violento. Apesar de o governo de Hugo Chávez não fornecer dados sobre a insegurança no país, números extraoficiais indicam que a Venezuela é um dos lugares mais violentos da América Latina, e a questão é o tema que mais preocupa os venezuelanos, segundo pesquisas.

A decisão judicial, que segundo a Defensoria Pública foi tomada a fim de proteger menores de idade e a coletividade em geral, afeta a imprensa de formas diferentes. Os principais atingidos são o "El Nacional" e o "Tal Cual", que publicaram a fotografia pivô da ação, feita num necrotério municipal, mostrando corpos de vítimas de violência nus e empilhados. Os dois diários, críticos ao governo, estão sendo processados pela publicação da foto e, enquanto não há uma decisão oficial, eles também ficam proibidos de veicular "informações e publicidade contendo sangue, armas e mensagens de terror, que afetem a integridade psíquica e moral de crianças e adolescentes". O desrespeito da ordem é punido com multa.

Para todos os outros, fica vetada a publicação de imagens de cunho violento pelo período de um mês - o que, como observam alguns críticos, casa quase exatamente com a data das eleições legislativas: 26 de setembro, e nas quais Chávez encontra-se ameaçado de perder a hegemonia na Assembléia Nacional.

- Que casualidade que seja durante o mês crucial para a campanha eleitoral - ironizou Marcelino Bisbal, da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas. - O tema precisa ser colocado no debate público.

A medida, no entanto, leva a questão para o lado oposto. Ontem, o "El Nacional" circulou com algumas páginas em branco, e, na capa, exibia a palavra "censurado". Miguel Henrique Otero, presidente e dono do diário, disse ao GLOBO que, pela primeira vez durante 11 anos de governo Chávez, a imprensa escrita se encontra sob censura prévia.

- Chávez já havia perseguido rádio e emissoras de TV, usando a justificativa de estar cumprindo outras leis. Mas os jornais não tinham sido afetados - diz, revelando que a edição de ontem vendeu 30% a mais.

Para presidente, fotos são complô

Segundo David Natera, presidente do Bloco da Imprensa - organização que agrupa os proprietários dos principais diários do país - a ação contra os jornais tem cunho político.

- A decisão do tribunal responde à vontade do chefe de Estado. A Justiça é controlada por Chávez - disse.

A organização Repórteres Sem Fronteiras e o sindicato venezuelano dos trabalhadores da imprensa também criticaram a decisão.

O cartunista do "Tal Cual" Roberto Weil, famoso pelas caricaturas que faz de Chávez, sempre com bota de militar cobrindo sua cabeça "para frisar seu autoritarismo", considera que a intenção do governo é clara: silenciar qualquer crítica à sua derrotada política de segurança pública.

- Ainda não sei se a caricatura se enquadrará nesta proibição. Já estou começando a pensar em substituir o desenho de um revólver. Será que pistola de água pode? E no lugar de sangue? Ketchup? - questiona.

O presidente venezuelano, por sua vez, rebateu as críticas, qualificando de complô a reação internacional gerada pela decisão judicial. Para Chávez, a exibição da fotografia do necrotério pelos dois jornais demonstra o desespero da oposição, que planejaria sabotar a revolução.
Colaborou: Mariana Timóteo da Costa

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