quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Caixa terá de pagar R$ 500 mil a caseiro que derrubou Palocci

DEU EM O GLOBO

Justiça Federal reconhece que quebra de sigilo bancário é afronta à Constituição

A Caixa Econômica Federal foi condenada a pagar R$ 500 mil de indenização ao caseiro Francenildo dos Santos Costa, que teve o sigilo bancário violado em 2006, depois de testemunhar que o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, frequentava uma mansão em Brasília usada por lobistas e garotas de programa. Palocci, hoje um dos principais coordenadores da campanha da petista Dilma Rousseff, foi exonerado do governo Lula no episódio. Na versão de governistas, depósitos de R$ 38 mil na conta de Francenildo seriam indício de que ele recebera dinheiro para denunciar Palocci. Mas o caseiro provou que ganhara o dinheiro do pai. A Justiça Federal reconheceu que o sigilo é protegido pela Constituição. Em nota, a Caixa disse que recorrerá da decisão. Na esfera criminal, em 2009, o Supremo livrou Palocci da acusação de quebra de sigilo, e abriu ação penal apenas contra o então presidente da Caixa, Jorge Mattoso.


"Não paga o que passei"

Justiça manda CEF indenizar caseiro que teve o sigilo violado e derrubou Palocci

Demétrio Weber

BRASÍLIA - Vítima de quebra de sigilo bancário na Caixa Econômica Federal (CEF), em 2006, o caseiro Francenildo dos Santos Costa ganhou direito ontem a uma indenização de R$ 500 mil, por danos morais, na Justiça Federal. O juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4aVara Federal do Distrito Federal, aceitou parcialmente o pedido de Francenildo e condenou a CEF a indenizar o caseiro.

Em nota, a Caixa anunciou que recorrerá da decisão. O sigilo bancário foi violado após Francenildo ter acusado o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, de frequentar uma mansão aonde iam lobistas e garotas de programa.

O juiz frisou que o sigilo bancário é protegido pelo direito à intimidade, assegurado na Constituição. O pagamento de indenização tem dupla função: primeiramente, busca reparar ou minimizar o dano causado, somandose ainda no mesmo instituto um caráter punitivo ao seu causador, a fim de que este não volte a incorrer na mesma prática, escreveu o juiz.

Francenildo era caseiro numa mansão no Lago Sul, em Brasília, aonde Palocci hoje um dos principais coordenadores da campanha da petista Dilma Rousseff negava ter ido. Após afirmar que vira o então ministro no local, Francenildo teve seu sigilo violado na CEF. Na versão governista, o montante de R$ 38 mil na conta de Francenildo seria indício de que ele recebera dinheiro para denunciar Palocci. O caseiro provou que recebera a quantia do pai.

Caseiro diz que foi perseguido

Em seu pedido de indenização, o caseiro diz que, após a violação, passou a ser perseguido e chamado de subornado e suspeito de lavagem de dinheiro. Em sua defesa, a Caixa argumentou que havia incompatibilidade entre a renda declarada de Francenildo e os valores movimentados em sua conta. Isso teria levado a Caixa a informar ao Banco Central e entregar o extrato do caseiro ao Ministério da Fazenda. A Caixa é subordinada ao ministério.

Para o juiz, porém, a explicação não se sustenta. Ele entendeu que o órgão de fiscalização a ser acionado, com o envio de cópia do extrato bancário, era o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e não o Ministério da Fazenda. O juiz ressalvou que o Coaf é subordinado ao ministério, mas não chefiado pelo ministro da Fazenda. Se a ré Caixa Econômica Federal pretendia cumprir a lei, como sustentou em sua peça defensória, ao invés de efetuar a transferência do sigilo ao Ministério da Fazenda deveria ter encaminhado as informações a(os) órgão(s) competente( s) e somente a eles, se imprescindível fosse, diz a sentença.

A ação ajuizada por Francenildo tinha como alvo também a Editora Globo, responsável pela revista Época, que reproduziu informações do extrato bancário do caseiro. Mas o juiz rejeitou o pedido: Não está caracterizado, no meu sentir, de forma contundente ou mesmo superficial, que a ré Editora Globo, na sua função de veiculadora de informações, tenha atingido de forma intencional a esfera subjetiva de direitos do autor. A justiça foi feita. É o primeiro passo. Está faltando agora a Caixa acertar o que deve, o erro brutal que cometeu disse Francenildo ontem. O dinheiro será bem-vindo, mas não paga o que eu passei.

Foi duro, uma coisa de outro mundo disse ele.

O advogado de Francenildo, Wlicio Chaveiro Nascimento, disse que o resultado é um marco: É uma grande vitória para o Francenildo e todo mundo que teve o sigilo violado ou que poderia vir a ter, caso se colocasse na posição de adversário.

Caso levou à saída de Palocci

Em março de 2006, o caseiro Francenildo Santos Costa denunciou o que o ministro da Fazenda na época, Antônio Palocci, negava. Trabalhando numa mansão no Lago Sul, Francenildo confirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que Palocci fazia na casa reuniões com amigos de Ribeirão Preto. De testemunha, o caseiro passou a vítima. Seu sigilo bancário foi violado na Caixa Econômica Federal, numa tentativa de descobrir se ele tinha recebido dinheiro da oposição para fazer a denúncia.

O único dinheiro achado na conta vinha do pai biológico do caseiro, um empresário do Piauí que não reconhecera o filho fora do casamento.

O vazamento do extrato se virou contra Palocci, que acabou sendo forçado a deixar o cargo. O ministro foi acusado de violar o sigilo bancário do caseiro. Além dele, foram denunciados o então presidente da Caixa, Jorge Mattoso, e Marcelo Netto, assessor de imprensa do ministro.

Em depoimentos colhidos pela PF, os servidores da Caixa que acessaram a conta e imprimiram o extrato relataram que estavam cumprindo ordens.

Para o Ministério Público, nenhum dos servidores foi responsável pelo vazamento, porque os dados não saíram da Caixa. Teria sido Mattoso o responsável pelo vazamento.

Em agosto do 2009, o Supremo Tribunal Federal livrou Palocci e Marcelo Netto da acusação de ter quebrado ilegalmente o sigilo bancário do caseiro. E abriu ação penal apenas contra Mattoso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário