quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Disputa desigual traz Estado contra Serra:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A moda, agora, na campanha eleitoral do PSDB, é reviver o esporte que vigorou ao longo do processo de definição da candidatura a presidente do partido, entre novembro do ano passado e fevereiro deste, toda vez que a discussão pendia para o então governador de São Paulo: falar muito mal de José Serra. Políticos importantes da cúpula, os de importância média, aprendizes de feiticeiros, grupos de base eleitoral com influência, até simples simpatizantes atribuem a Serra a culpa pelas dificuldades que todos enfrentam na campanha.

Seria de sua única responsabilidade não crescer nas intenções de voto, ser o seu próprio marqueteiro, não ouvir o comando político, permitir a virada nos Estados, ter se imposto ao ex-governador de Minas - sim, esta também voltou - e, a mais recente, ter tido um desempenho fraco no debate eleitoral. Serra estaria, também, tenso, nervoso, preocupado, indormido.

Bem, em Brasília, segunda-feira, ao longo de uma reunião com a Ordem dos Advogados do Brasil para debater a reforma política, e depois do encontro, José Serra estava absolutamente tranquilo, seguro, cordial, expondo com uma clareza impressionante suas reflexões sobre o tema e, nelas, os riscos que a atual campanha eleitoral tem representado ao Estado de Direito, à Democracia.

Vendo-o em ação, não é possível identificá-lo com o personagem de todas as culpas. Seriam os que o acusam inocentes? Aécio Neves, Tasso Jereissati, Sérgio Guerra, Arthur Virgílio, Álvaro Dias, líderes em geral, qualquer um dos políticos do PSDB que, ao longo dos últimos oito anos, não se encontraram com o exercício da oposição, não souberam definir seus adversários políticos nem criar antídotos aos efeitos monumentais da propaganda, são culpados do que ocorre hoje. E Serra inclusive.

Numa campanha como a de 2010, desde já candidata a ser objeto de aprofundados estudos políticos e, bastante necessários, também jurídicos, dificilmente um outro candidato de oposição, qualquer um, lograria desempenho diferente.

Serra não tem dado sinais de desânimo com as críticas internas e toca a etapa final da campanha exibindo confiança em levá-la ao segundo turno. Em segundo lugar nas intenções de voto para Presidente da República, parece consciente de que está cumprindo um papel histórico.

Serra não está questionando o fato de a candidata do PT, Dilma Rousseff, sua principal adversária, estar muito à frente nas intenções de voto, posição que já ele próprio teve em outro momento da campanha. O recado que chega da sua atual pregação é que está lutando não pelo projeto de seu partido contra o projeto do partido adversário, mas contra um Estado inteiro, capturado por um grupo político cujo líder, o presidente da República, governa para aliados eleitorais.

O Estado está a serviço do terceiro mandato que o presidente Lula ficou impedido constitucionalmente de disputar, mas deu um jeito, construindo agora a ponte para a possibilidade legal de disputar com seu próprio nome, mais adiante, o quarto e o quinto. Não são, portanto, três mandatos, mas cinco, o período pleiteado pelos adversários para o qual a oposição teria que ter se preparado para enfrentar.

Por mais que tivesse o chefe da Nação dito que faria tudo - "tudo é tudo", detalharam seus intérpretes - para eleger presidente quem escolheu para ser, sem um contraditório ou interferência partidária, a oposição não poderia ter imaginado que seria como está sendo: O Estado contra um candidato.

Lula criou o poste, jargão eleitoral com que se define um candidato absolutamente desconhecido, implantou-o e iluminou-o. Em dois anos, colocou seu palanque governamental, integralmente, a serviço desse projeto. Inovou, pois nenhum de seus antecessores se despiram da Presidência para eleger o sucessor.

Nenhum grupo político, também, preparou antídoto para essa ação, nem se sabe se ela existe na crônica eleitoral.

Até aliados jamais ousaram contraditar ou sugerir acréscimos. É obra de um homem só: da transgressão à lei à defesa de extermínio de partido adversário, da impunidade a aliados ao capricho de nominar o próximo alvo.

O presidente Lula nada está fazendo que não tenha feito nos seus oito anos de mandato, mas a oposição, não se sabe por quê, achou que seria diferente. Frustrada agora em suas expectativas, responsabiliza Serra. Não pela perda da disputa, pois ainda não a perdeu e há institutos de pesquisa com credibilidade que ainda apontam possibilidade técnica de a disputa ir ao segundo turno. Mas pelas dificuldades, sendo que boa parte delas decorre do próprio pessimismo.

Esses políticos estão surpresos com a frustração de uma expectativa. O erro de Serra foi o mesmo, ter-se equivocado com o adversário, como todo o PSDB, e não haver se preparado para sustentar a vantagem e fazer a disputa com um presidente do tipo Lula. Precisaria ser uma obra coletiva. Que até, numa análise a posteriori, não teria como evitar muitos problemas, mas teria instrumentalizado melhor os contendores para enfrentá-los.

O PSDB foi ao longo de todo o processo, e ainda é, um poço de dúvidas. As eleições prévias que, vê-se hoje, seriam importantes para o partido, ninguém as quis. Nem Aécio Neves que, se realmente as quisesse, teriam existido. Mas ele tinha dúvidas sobre seu desempenho. Ninguém quis ser o anti-Lula. Acreditavam que, não sendo Lula o candidato, ele atuaria com os limites da Presidência, uma prova de desconhecimento do adversário. Serra entrou numa eleição cuja extrema dificuldade, quase uma impossibilidade, só foi percebida em toda a sua crueza quando se viu que o trabalho para enfrentá-la teria que ter começado oito anos antes.

É Lula que está em jogo. Um Lula destemido, desafiador da Justiça, personalista e possuído por poderes divinais. Quem diz que Serra é culpado não é inocente, e precisa urgentemente trabalhar com a realidade. O que houve até agora foi acerto de Lula com seu eleitorado.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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