quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A dubiedade do discurso e as reformas:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Dilma pode sair das eleições em condições políticas de fazer as reformas se não fizer alarde demais, avalia o comando de sua campanha

Na campanha de Dilma Rousseff informa-se que faz parte da estratégia de qualquer disputa eleitoral não falar em reformas constitucionais. Estas, ensina um dos especialistas, são temas para presidente eleito, não para candidato. Reformas não rendem voto, perdem. Falar de reforma constitucional é ameaça ao direito adquirido, é choque certo com o desejo das corporações que encontram acolhida na opinião pública.

É o caso das reformas da Previdência, em primeiro lugar, da Trabalhista, da Administrativa, da Tributária, da criação de impostos com aumento da carga, mesmo que peremptoriamente negados. O candidato do PSDB a presidente, que no momento faz mudanças em sua campanha para levar a disputa ao segundo turno, tem dito com toda clareza que a carga é muito alta e que não recriará o imposto do cheque. Na campanha de Dilma, líder das intenções de voto, talvez até por isso, espertamente, como em vários temas, há dubiedade, e a saída tem sido desconversar. Não se admite objetivamente o aumento da carga, mas lamenta-se até hoje a perda da CPMF, tributo que, vendido como sendo dinheiro para a saúde, foi fazer superávit para enfrentar descompensação fiscal.

A reforma política deve vir aí, pelas mãos do presidente atual. Lula definiu melhor ontem o que vem sendo insinuado por seus auxiliares. Admitiu que vai comandá-la, só não explicou como. "Pretendo participar do encaminhamento das grandes questões nacionais, como é o caso da reforma política. Fora da Presidência vou me dedicar de corpo e alma através do PT, e em acerto com outros partidos, ao esforço de promover uma reforma que represente uma modernização das nossas práticas políticas", disse em entrevista a jornais do interior. A intenção de fazer a reforma da Previdência do funcionalismo público foi admitida como estudo da campanha e desmentida no dia seguinte.

Genéricas, dúbias, camufladas, estão aí as reformas na campanha eleitoral da candidata líder. As campanhas, por aqui, ao contrário de sociedades mais desenvolvidas, têm sido um momento de pura fantasia. Não servem, e tem-se visto à exaustão, à exposição de ideias, projetos e aferição da capacidade dos candidatos para decidir os destinos do país. A escolha é no escuro, ambiente em que o slogan e a propaganda encontram eco.

Assim, as reformas se perdem. Em caso de eleger-se, aí sim, é hora de o candidato chegar com seu pacote de mudanças constitucionais e infra-constitucionais. De preferência nos primeiros 100 dias. Até porque, exatamente por serem impopulares, estas reformas precisam surgir bem no início de cada governo, quando o presidente eleito ainda está forte e tem pleno domínio do Congresso. Se tiver.

Também porque as reformas exigem, no mínimo, consenso, e é em início de governo, com amplo apoio, que o presidente eleito tem condições de construí-lo.

Fernando Henrique Cardoso teve um início de governo muito forte e conseguiu construir consensos em torno das reformas, conseguindo fazer a quebra do monopólio estatal (petróleo, telefonia, navegação de cabotagem, abriu o capital da Petrobras para investidores privados), a reforma da previdência social e parte da reforma administrativa.

O presidente Lula, segundo analistas do próprio governo, não fez reformas porque, argumentam alguns de seus intérpretes, queria introduzir com prioridade a agenda do desenvolvimento social - aqui entendidos não as bolsas, a que ninguém se opunha, mas aos privilégios concedidos aos sindicatos, ao MST, ao funcionalismo público, ao reajuste do salário mínimo.

Era demais para um governo que viveu um primeiro mandato dramático, o do mensalão, abrir tão numerosas frentes polêmicas. E para reformas é preciso contar com o Congresso, protagonista do escândalo.

Analistas do comando da campanha do PT avaliam que Dilma Rousseff, se vencer, terá força suficiente para as reformas, terá saído do zero para os 50% de adesão, hoje. "Pode priorizar as reformas, avançar nesse campo, sem muito alarde, sem falar antes da hora, senão provoca atritos desnecessários."

A falta de conexão no discurso da candidata, porém, a ausência de um plano coerente de ação - o que limita o discurso a uma imprecisa "continuidade" -, a ambiguidade, tudo se deve, segundo justificam, às dificuldades em assumir posições polêmicas durante a campanha.

A candidata renega o programa de seu partido que insiste fazer o controle da imprensa, mas se diz favorável à construção de um marco regulatório na área. Qual, ainda não diz, está em campanha. A candidata condena ações violentas do MST, em seguida diz que não as criminaliza. Acha que o tamanho do Estado é hoje suficiente, a iniciativa privada terá espaço, mas defende a criação de novas estatais, como a Telebrás, porque é "necessário". "Governo é isso, é ir procurando construir consensos", explica um interlocutor da campanha. Mas só quando esta terminar.

O ex-ministro Antonio Palocci, à medida que a candidata do PT foi crescendo nas pesquisas de intenção de voto, aumentou também seu grau de discrição. Exatamente o contrário do que seria de se esperar. Passou a despachar mais em São Paulo, onde mantém encontros e faz articulação política e financeira, distante do comitê eleitoral de Dilma Rousseff. Mas o abrigo antiaéreo não o tem preservado de todo. O ex-ministro José Dirceu, de cuja influência no PT, no governo e na campanha presidencial ninguém duvida, não o quer na Casa Civil da Presidência se a eleita for a candidata petista.

O grupo que fala em nome do ex-chefe da Casa Civil de Lula diz que Palocci ficaria melhor no Ministério da Saúde, e que para a Casa Civil pode ir o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. Os líderes petistas que temem sua presença na área econômica de um futuro governo caso a eleição efetive a dianteira de hoje asseguram que Guido Mantega quer e pode permanecer no cargo. Os empresários e banqueiros, a quem está avalizando a candidata Dilma Rousseff, esperam que Palocci tenha influência decisiva. E o próprio, principal dirigente político e administrativo da campanha presidencial do PT, salta de especulação em especulação como brasa incandescente.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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