quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Programa eleitoral na TV é ficção:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se há marca do primeiro turno, foi a ausência da política

Por mais que se procure nos discursos, nos programas de governo, nas entrevistas, nas reuniões partidárias e nas exibições de televisão do horário eleitoral gratuito, desta campanha eleitoral que se encerra em primeiro turno esta semana, não se encontra a política. Foi uma campanha de pouca, ou nenhuma política.

Dos três principais candidatos a presidente foi José Serra (PSDB) quem mais cuidou de lançar ao seu eleitorado algumas ideias - começou em março - sobre o que vem pensando ser importante hoje, para o Brasil. Aí apareceram, antes de outros, considerações em torno de uma política sobre uso drogas e atenção a deficientes físicos, uma reflexão mais abrangente sobre a segurança pública, indicações de programas específicos para melhorar a qualidade dos serviços públicos no país, da educação à saúde, alguns dos flagelos nacionais que persistem. Entre outros.

Foi o primeiro a propor - lá naqueles idos - e insistir, até para viabilizar sua candidatura, que a campanha se desse em torno da discussão de propostas e soluções. Queria que o eleitor comparasse a qualificação dos candidatos. Não encontrou eco, e recuou quando a campanha entrou na sua fase formal.

A candidata Marina Silva (PV) quis tanto fugir das críticas sobre o fato de ser monotemática que fez sumir de seu discurso as questões de fundo relacionadas ao ambiente. Repetir exaustivamente a palavra prioridade, tudo sendo prioritário, nada é, e a divulgar, ela sim, a única, um programa de governo completo e extenso com avalanches de prioridades, ao TSE. Quando mencionou uma preocupação específica, com o uso abusivo do crack no país, e o governo Lula lançou imediamente um programa nessa área, no afogadilho da campanha, recolheu suas ideias para evitar plágio.

A candidata favorita, em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto, Dilma Rousseff (PT), defendeu, em síntese, a continuidade. O governo Lula é bem avaliado, popular, e quer continuá-lo. Continuar o quê? Preferiu não entrar em detalhes certamente por ser óbvio que, como candidata do presidente, continuaria tudo que o eleitor aprova, mas não poderia anunciar descontinuidade do que pretende corrigir para não ser indelicada com seu criador.

Aí chegaram os programas de televisão no horário eleitoral gratuito e, neles, salpicados aqui e acolá, uma rede de creches, duas de ambulatórios, o aumento do percentual do PIB para uma área, ou outra. Relevância e credibilidade zero.

A política se esgotou nas preliminares, a formação das coligações. Que resultaram em definição do tempo de propaganda na televisão. Onde a política não apareceu.

Nesta campanha, se houve, ninguém percebeu uma discussão sobre o assunto mais momentoso do país, há dois anos na agenda, a nova proposta de exploração do petróleo. Ou se a capitalização da Petrobras deveria ter sido feita em um momento difícil como este, de campanha e a empresa perdendo parte do seu valor. Não se trata de não fazer, mas de discutir.

Onde se deu a discussão sobre o modelo de energia do país, que ainda submete o eleitorado a apagões sucessivos como nos últimos dez anos? E as medidas provisórias, que viraram instrumentos únicos de governo, distorcendo a relação entre os poderes? As reformas são assunto vetado em campanha eleitoral porque incomodam corporações, que têm e puxam voto, ficaram de bom grado ausentes.

O mesmo se dá com a criação de impostos, que oneram a classe média assalariada e nenhum candidato quer assumir sua intenção de recorrer a esta arrecadação fácil, subentendida na pseudo defesa de mais verbas para a saúde. Deixam o dilema na mão do eleitor. A corrupção política, um tema forte sempre presente até em sociedades mais desenvolvidas, foi agora atropelado pela interdição do debate, pela intimidação promovida por quem se sentiu mais atingido em suas perspectivas eleitorais.

Nem a internet, que ensaiou ser uma presença inovadora no início, principalmente pela repercussão em noticiários de meios de maior alcance, e poderia ser o veículo para a política, vingou até o fim. A campanha de primeiro turno, em 2010, foi o programa de TV, e, esse, tem sido ficção quase pura, até para ter alguma audiência.

Em seu livro "Emoções Ocultas - Estratégias Eleitorais", o sociólogo Antonio Lavareda havia previsto que neste, e nos próximos ciclos eleitorais, a televisão continuaria jogando as principais cartas. Hoje constata que no primeiro turno de 2010 foi mesmo absolutamente preponderante.

Mas acha que o bom senso dos envolvidos vai levar à mudança, numa reforma das normas de campanhas eleitorais, desses programas em bloco, por serem inócuos. "A audiência diminui sensivelmente quando entram na programação, são um transtorno para as pessoas, um estorvo para as campanhas porque constituem o principal item do seu orçamento e o menos útil". A audiência medida em pesquisas, diz Lavareda, anota as pessoas que estão com a TV ligada, sem prestar atenção, porque na verdade não chegam a 15% os que estão vendo, de verdade.

"Em grande medida essa audiência é composta de aficionados, assim como quem assiste jogo de futebol é torcedor de futebol. Não se conhece ninguém que tenha mudado de time assistindo o jogo de futebol pela TV". Em sua opinião, uma reforma simples das normas de campanha poderia fragmentar esses blocos, diluir a propaganda nos comerciais, que teriam ampliado o tempo de sua exibição, inclusive para durar todo o período de campanha legal, que começa em julho. Como os comerciais são mais frequentes, o registro de memória é maior. As campanhas seriam não só menos caras, mas mais úteis.

Profissionais que trabalham em campanha adversária à do ex-presidente Fernando Collor, em Alagoas, que disputa o governo, estão impressionados com o percentual de jovens entre seus seguidores. São pessoas que, em 1991, tinham acabado de nascer, e para quem, hoje, com o título de eleitor em mãos, um Fiat Alba é o carro da namorada. Collor, como fez quando candidato a presidente, trabalha orientado por pesquisas, e apostou nesta faixa etária. O Rap pontua toda a sua propaganda.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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