segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A sexta campanha de Lula:: Pedro S. Malan

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputou cinco eleições presidenciais. Na primeira (1989), disputou palmo a palmo com Leonel Brizola o direito de ir para o segundo turno com Fernando Collor. Cerca de uma década e meia depois, já presidente, Lula agradeceu publicamente a Deus por não ter ganho aquela eleição. Porque, reconheceu, não estava preparado para isso.

Na segunda e na terceira tentativas (1994 e 1998), Lula perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso. Quem sabe um dia, talvez, Lula reconheça que, em ambas as ocasiões, também não estava preparado para governar o País - nem seu partido tinha quadros para tal. Afinal, em 1994 os principais economistas de seu partido lhe asseguraram que o Plano Real era apenas uma tentativa de estelionato eleitoral, que não duraria mais que alguns meses. Em 1998, Lula e o PT não conseguiram convencer o eleitorado de que tinham alguma ideia coerente sobre o que fazer para enfrentar a crise internacional de 1997-1998 e seus efeitos sobre o País.

Na quarta disputa (2002), Lula apareceu totalmente repaginado por uma competente marquetagem política: o irritado líder sindical foi substituído por um novo personagem, com visual, gestos e postura mais tranquilizadores para a classe média e um discurso na linha do "paz e amor". Mas a herança que o PT havia construído para si mesmo na área econômica - a oposição ao Real, ao Proer, à Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como seu irresponsável empenho pelo plebiscito (de 2000!) propondo a suspensão dos pagamentos das dívidas externa e interna - levou à necessidade de uma gradual desconstrução dessa herança, iniciada ainda em 2002. Mas houve segundo turno.

A quinta disputa, em 2006, já se deu num contexto internacional e doméstico que, do ponto de vista econômico e social, favorecia enormemente o governo, apesar dos escândalos políticos que marcaram o período e que contribuíram para que Lula, que esperava ganhar no primeiro turno, tivesse, outra vez, de disputar um segundo turno.

O ano de 2010 representa, em mais de um sentido, e na visão de legiões de eleitores, uma espécie de sexta campanha presidencial com Lula na disputa, ainda que agora por meio de interposta pessoa. Foi exclusivamente de Lula a escolha da candidatura oficial. Foi de Lula a decisão de transformar esta eleição num tipo de plebiscito a favor ou contra o seu nome. É de Lula a clara definição da estratégia geral de seu governo, expressa na litania oficial sobre as heranças malditas pré-2003 e no "nunca antes jamais" pós-2003 - que viraram parte do nosso folclore político.

Não adianta vozes sensatas do PT escreverem que "os ganhos obtidos pelo Brasil a partir de 2003 se assentaram sobre avanços e resultados realizados em governos anteriores (...). Fazer tabula rasa destas contribuições seria atentar contra a própria história do País" (Antônio Palocci). Ou: "Não tenho dúvidas de que o Brasil evoluiu positivamente ao longo dos últimos 15 anos" (Paulo Bernardo).

O fato é que essa não é a visão do presidente Lula. Tampouco a de sua candidata, que em entrevista recente nas páginas amarelas da revista Veja respondeu com um categórico "discordo" a uma pergunta exatamente sobre esse tema. E vai em frente, com a ladainha da "herança maldita" e do "nunca antes" - de 2003, este suposto marco zero de uma idealizada nova era.

É forçoso reconhecer que essa esperteza retórica (para a qual faltou oposição política à altura), a persistência de Lula (em média, um discurso por dia útil) e, particularmente, seu gradual aprendizado no governo - e seus recursos - lhe renderam muitos frutos e elevada popularidade. Mas o "imbatível carisma", o "inigualável tirocínio" e a "genialidade política sem par", aos quais legiões hoje tecem loas, não permitiram a Lula ganhar as eleições de 1989, 1994 e 1998 e evitar um segundo turno em 2002 e 2006. O que mudou mais: o homem ou as circunstâncias? A resposta é: ambos.

É claro que as circunstâncias mudaram: além de uma herança não maldita e de uma política macroeconômica não petista (até 2006), nunca será demais repetir - já que este governo decidiu simplesmente ignorar fatos que não lhe convêm (e se apropriar indevidamente de outros quando lhe convêm) - que a economia internacional teve desempenho excepcional no quinquênio 2003-2007. O que contribuiu para a crise que se lhe seguiu, e para a qual estávamos mais bem preparados, porque nos beneficiamos das realizações até ali alcançadas, inclusive por este governo.

É claro que Lula mudou, e está mudando de novo nesta reta final da campanha, que vê como tão sua quanto de sua candidata, não hesitando em assumir agressivamente a linha de frente da campanha, como no recente "pronunciamento à Nação", em meio a um programa no horário eleitoral de seu partido.

O grave não é apenas o achincalhe à Justiça Eleitoral, a perda do "senso de medida" e a noção de que a popularidade lhe permite dizer qualquer barbaridade, como, por exemplo, "a elite brasileira não sabia o que era capitalismo: foi necessário um metalúrgico entrar na Presidência para ensinar como se faz capitalismo" ou "a elite tenta dar golpe a cada 24 horas neste país", referindo-se aos grandes jornais de circulação diária.

Tão grave quanto é o fato de que a crise internacional de 2007-2009, e a necessária resposta dos governos dos países desenvolvidos, foi vista entre nós como configurando não algo temporário e "contracíclico", mas como uma permanente mudança de paradigma, no sentido de demonstrar a necessidade de um papel de muito maior liderança do governo - e de suas empresas, financeiras e não financeiras (existentes e por criar), no processo de desenvolvimento econômico do País. Ainda é forte entre nós a ideia de que dois mais dois podem ser cinco - desde que haja vontade política.

Economista, foi Ministro da Fazenda no governo FHC

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