quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Conversa vai, conversa vem :: Cora Rónai

DEU EM O GLOBO

-Você tem certeza mesmo de que não quer falar sobre a campanha? Você só tem essa semana, depois ela acaba, e aí adiós...

— Tenho. Absoluta. O que antes já estava ruim, agora ficou pior.

— Também não é assim. Toda campanha política tem pelo menos alguma coisa positiva.

O próprio fato de estar sendo realizada, por exemplo.

— Isso não é argumento! Não gosto nem de pensar na alternativa. O Brasil já ultrapassou esse estágio. Nós somos uma democracia, ou talvez seja o caso de dizer ainda somos uma democracia, apesar de todos os pesares. Uma das coisas que mais detesto nessa atual campanha é, justamente, a sua feição pouco democrática.

A presidência é um cargo sério, o presidente de um país é o presidente de todos os brasileiros, mesmo daqueles que não simpatizam com as suas ideias ou com a sua candidata.

Quando faz papel de cabo eleitoral ou de líder de gangue não se diminui apenas a si, diminui o cargo que ocupa e, consequentemente, diminui a todos nós.

— Tá, isso todo mundo já disse e já sabe.

— Não é verdade. Dá uma olhada no Twitter ou no Facebook. A quantidade de gente que acha normalíssimo o comportamento do presidente é de assustar. Também é de assustar a quantidade de gente que até ontem não tinha ideia de quem é a Dilma e que hoje a põe num pedestal, só porque foi ungida pelo “cara”.

— Pode ser que, com a propaganda política, tenham passado a conhecê-la melhor.

— Será mesmo? A propaganda política não faz a gente conhecer ninguém melhor. Pelo contrário, faz desconhecer até quem achava que conhecia. Você algum dia imaginou o Serra distribuindo aqueles santinhos dizendo que “Jesus é verdade”? — É, aquilo pegou muito mal.

— Pegou péssimo! Se Jesus é verdade, como fica a verdade dos brasileiros não-cristãos? E, aliás, o que é que um postulante à presidência tem que meter o bedelho nisso? Ele não está disputando a eleição para Papa.

— É, mas isso também todo mundo sabe.

— Ah, mas não mesmo! Se todo mundo sabe, como é que os gênios do marketing, esses que estão aí ganhando por uns meses de trabalho mais do que eu e você vamos ganhar juntas a vida inteira, ignoram? — Mas a Dilma também anda com mania de falar em Deus e em ir à igreja por qualquer dá cá aquela palha...

— Estranho menos, porque a Dilma eu não sei quem é. Eu sei quem são os marqueteiros da Dilma, sei como eles pensam e sei como eles mandam ela se comportar, se vestir e se maquiar, mas, sinceramente, não faço a menor ideia de quem seja a Dilma. Tenho minhas dúvidas, aliás, se ela mesma ainda sabe quem é. Ou quem foi.

— Pois eu, se escrevesse em jornal, falava da eleição numa crônica sim e na outra também.

— Já não te basta o jornal inteiro batendo nessa tecla? Você não acha que faz parte do processo democrático ter, num mesmo veículo, assunto para todos, mesmo aqueles que não querem saber das eleições? No outro dia mesmo o Joaquim fez uma crônica linda falando sobre o início da primavera. Estava coberto de razão, as campanhas passam e as primaveras ficam.

— Pois é, agora você disse: as campanhas passam. É isso que eu estava querendo dizer antes, as eleições passam e se você não falar logo sobre isso não vai poder mais falar, porque elas terão passado...

— Sim, mas felizmente o assunto não é obrigatório. Eu já acreditei em eleição, já curti tanto campanha política que até andava com adesivo no carro.

— Você nem tem carro.

— Já tive. Há muitas luas, mas tive.

— Mudou você ou mudaram as eleições? — As duas coisas, provavelmente; mas acho que as eleições mudaram mais. Antes quase todo carro andava com adesivo, as pessoas punham faixa na janela, sacudiam bandeira, usavam camiseta. E não eram esses pobres diabos que ganham uns trocados para ficar parados na esquina. As pessoas acreditavam, de fato, que o resultado das eleições podia mudar alguma coisa.

— Mas é claro que pode, como não? — Estou cada vez mais convencida de que, em Brasília, todos se tornam iguais. E, ultimamente, quando alguma coisa muda de verdade, em geral é para pior. O Congresso sempre foi isso que a gente sabe, mas nunca teve um Tiririca antes. O meu problema com o Tiririca, aliás, não é que ele seja um palhaço. Acho que há palhaços melhores e mais dignos de confiança do que muitos parlamentares. O meu problema com o Tiririca não é a profissão, mas a indigência mental da criatura. E de seus eleitores.

— Tá, mas essa fase das eleições já passou.

Agora é só presidência, outro nível.

— Outro nível? E o confronto em Campo Grande, aquilo foi coisa de alto nível? — Não, aquilo foi baixaria, mas também não foi tão ruim quanto os tucanos disseram, bolinha de papel ou rolo de fita crepe, vai, nada disso é arma letal...

— Viu só? Até você está caindo nessa! O problema não é o que jogaram; é ter acontecido! Cuspe na cara também não fere, e daí? Pode-se cuspir nos outros só por causa disso? É inaceitável que uma turma saia para fazer a sua festa, a sua passeata, e os adversários venham com tumulto e provocação! Isso é inadmissível num país civilizado. E não adianta dizer que não foi nada, porque até o comércio fechou as portas...

Bando de hooligans! Depois vem o Lula mentir em público e falar em militância de paz e amor, e vem o perito falar em “evento bolinha” e “evento rolo de fita”, mas não vi ninguém falar do “evento pedra” que atingiu a repórter da Globo e tirou sangue.

— Tá bom, tá bom, então esquece as eleições.

Domingo elas acabam mesmo.

— Ufa! Taí o ponto positivo dessa campanha.

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