domingo, 3 de outubro de 2010

Dilma e Serra beberam da mesma fonte econômica

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ambos são influenciados por Keynes, que rejeita juros altos e câmbio valorizado e defende desenvolvimento induzido pelo Estado

Lourival Sant’Anna

"É a economia, estúpido." A frase de um estrategista de Bill Clinton na eleição presidencial de 1992 aplica-se ao Brasil de 2010. A sensação geral de melhoria socioeconômica explica em grande medida a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a aceitação de Dilma Rousseff. Entretanto, os três principais candidatos à Presidência não debatem temas econômicos.
Por motivos distintos. Marina Silva visivelmente não se interessa por essa área do conhecimento. Dilma Rousseff e José Serra dedicaram toda a carreira acadêmica e grande parte da vida profissional a ela. Seu pensamento econômico foi moldado nas mesmas fôrmas. A economia os une em vez de os diferenciar. E isso não é bom quando se tenta provar que se é melhor que o outro para governar um país.

A matriz do pensamento econômico de Dilma e de Serra é o inglês John Maynard Keynes. Seus críticos dizem que Keynes se preocupava mais com o crescimento econômico, induzido por um Estado gastador, do que com o controle da inflação e da dívida. Essa visão o rotula como "desenvolvimentista", em oposição aos "monetaristas". Já os seus seguidores dizem que Keynes se preocupava com a contenção dos déficits e da dívida, como premissa para manter o juro baixo e o câmbio não valorizado, e para o Estado fazer investimentos indutores do desenvolvimento sem gerar inflação.

Depois de se graduar em economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dilma fez os créditos de mestrado no fim dos anos 1970 e de doutorado no fim dos anos 1990, ambos inconclusos, na Universidade Estadual de Campinas. "A ênfase da Unicamp em macroeconomia era claramente keynesiana", recorda Luiz Gonzaga Belluzzo, que foi professor de Dilma naquela universidade.

Serra entrou em contato com a obra de Keynes na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e na escola de economia da Universidade do Chile, onde se exilou em 1965, depois de ter feito engenharia civil na Universidade de São Paulo. Keynes era base dos estudos sobre desenvolvimento na América do Sul. A abordagem dominante era a teoria da dependência, que tinha Fernando Henrique Cardoso entre seus expoentes. A teoria transpunha para as relações internacionais a noção marxista de divisão social entre capital e trabalho: havia um centro desenvolvido e uma periferia dependente de sua demanda por produtos primários.

Serra conta que "acompanhou de perto" a elaboração de Dependência e Desenvolvimento na América Latina, que Fernando Henrique escreveu com o italiano Enzo Faletto em 1969. Mais tarde, em 1978, já no Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), Fernando Henrique e Serra escreveriam a quatro mãos o paper As Desventuras da Dialética da Dependência, demolidora crítica ao brasileiro Ruy Mauro Marini, também cepalino, que acreditava que a superexploração do trabalho na periferia conduziria fatalmente à estagnação econômica e, dela, à revolução socialista.

"Éramos todos cepalinos e, portanto, réprobos, num momento da vida brasileira e latino-americana em que a vitória do pensamento conservador e tecnocrático parecia definitiva", escreveu Belluzzo no prefácio de O Capitalismo Tardio, publicado em 1982 por João Manuel Cardoso de Mello, seu colega na Unicamp. No livro, Mello reconhece a importância das teses de Fernando Henrique e de Faletto, mas considera haver distorções causadas pela periodização histórica, que deixaria de lado especificidades de cada país.

Mello foi orientador de Dilma no doutorado e um dos principais responsáveis pela contratação de Serra como professor na Unicamp, em 1978. Ele ameaçou tornar pública a resistência do então coordenador de institutos, o físico Sérgio Porto, que não queria mais um esquerdista na economia. Sua mulher, a também economista Liana Aureliano, é amiga há 40 anos de Serra.

Como bons keynesianos, Dilma e Serra opõem-se à política de juro alto e câmbio valorizado, sobre a qual se apoia a estabilidade monetária no Brasil desde a introdução do Plano Real, em 1994, numa continuidade que atravessa dois mandatos de Fernando Henrique e outros dois de Lula.

Em 1997, quando era economista da Fundação de Economia e Estatística, em Porto Alegre, Dilma redigiu o estudo Política Monetária e Sistema Financeiro: a elevação das taxas de juros e a concentração bancária, em que advertia para os riscos da política monetária, que expunha o Brasil a movimentos especulativos como os que tinham sacudido o México e os Tigres Asiáticos. Na época, Serra já havia perdido o cargo de ministro do Planejamento, que exercera entre 1995 e 1996, por pensar como Dilma. Dez anos depois, já como ministra de Minas e Energia de Lula, Dilma atacou, em entrevista ao Estado, o esforço de superávit primário combinado com o juro alto, que, segundo ela, era "rudimentar" e equivalia a "enxugar gelo".

"Os dois são ótimos economistas, quanto a isso não tem com que se preocupar", atesta Maria da Conceição Tavares, professora de Dilma na Unicamp e de Serra na Cepal, com quem escreveu em 1970 o artigo Para Além da Estagnação. "O problema é que governar um país não depende só de economia." Ela apoia Dilma.

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