domingo, 31 de outubro de 2010

Marco Antonio Villa: 'Num país sério, seria um escândalo'

DEU EM O GLOBO

Entrevista Marco Antônio Villa

Marco Antonio Villa critica Lula pelo uso acintoso da máquina pública a favor de Dilma e contra senadores tucanos

Para o historiador Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos, o uso da máquina do Estado na campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) foi acintoso. Ele critica a postura do presidente Lula na campanha presidencial e o acusa de interferir até em questões regionais, como no caso de dois dos principais senadores tucanos, Tasso Jereissati (CE) e Arthur Virgílio (AM), que não se reelegeram. Villa afirma que Dilma foi uma candidata do bolso do colete de Lula e aponta falhas na campanha do PSDB.

Tatiana Farah

O GLOBO: O senhor acha que houve uso da máquina?

MARCO ANTONIO VILLA: Estatal? Sem dúvida. Como nunca. Nunca na História deste país, como disse certa pessoa, a máquina estatal foi tão utilizada. Inclusive abandonando a agenda de trabalho. Nas últimas sextas-feiras, ele (o presidente Lula) abandonou a agenda e as funções administrativas. Colocou-se em campanha de uma forma... Uma coisa é apoiar um candidato. É legítimo. Outra coisa é pôr a máquina estatal, ministérios, secretários, os 25 mil cargos de nomeação direta ou indireta a serviço da candidata oficial. Até as universidades públicas. Há dias, o reitor da UFRJ deu declaração favorável (a Dilma). Não é um país sério, é um país de Macunaímas. Se fosse um país sério, seria um escândalo. Não é por que a lei é omissa que você vai ter uma atuação política que fira a ética.

Mas nunca usaram a máquina antes?

VILLA: Desta forma, não. Mas não inauguraram o uso da máquina. Ele existe desde 1945. Mas nessas proporções, com o presidente fazendo discurso e dizendo que quer exterminar o adversário, eu nunca vi. O presidente se preocupa com a eleição de um adversário no Amazonas, no Piauí, no Ceará. Você transforma a grande política em questão pessoal. Não é por não gostar de um senador que vou dedicar parte de minha agenda a derrotá-lo, como no caso de Arthur Virgílio (PSDB-AM) ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Foi o presidente quem derrotou esses senadores?

VILLA: Ele fez um esforço. No Ceará, foi claro. A questão que se coloca é um presidente sair pelo país fazendo campanha, usar a máquina dessa maneira. Ele prometeu fazer campanha depois do expediente e não cumpriu. O deslocamento (de Lula), quem paga?

O presidente deveria ter se licenciado?

VILLA: Essa é uma questão que Covas (Mario, governador de SP, morto em 2001) colocou na eleição de 1998. Temos de rever a lei. Sou favorável à reeleição. O eleitor, se gostou, tem o direito de reeleger. Mas a lei precisa ser aperfeiçoada. É injusta. Você pode ser candidato no cargo e seu adversário não pode. No caso da Presidência, se o adversário é um governador, precisa se desincompatibilizar. A lei precisa de aperfeiçoamento urgente.

Por que não a alteram?

VILLA: Porque depende do Congresso e há temas que não entram em pauta. Mas o Executivo, se quiser, faz. O Executivo aprova o que quer. Dilma, por exemplo, se for eleita, terá mais de três quintos da Câmara e do Senado. Portanto, tem quórum para aprovar o que quiser.

E isso o assusta?

VILLA: Claro. Eu vivi durante o regime militar, fui indiciado na Lei de Segurança Nacional, sei que não é muito agradável.

O senhor comparou esta eleição ao futebol de várzea?

VILLA: Tivemos um debate político rasteiro, decepcionante.

Os boatos contribuíram?

VILLA: Acho que não. De um lado, houve receio de se politizar as eleições. Há a ideia de se criar gerentes. Isso vem dos anos 1950. Adhemar de Barros batia nessa tecla: São Paulo precisa de gerente. O que falta é discutir política. Discute-se gerência quando o país é muito atrasado.

O uso da máquina colaborou com essa despolitização?

VILLA: Sim. Porque você coage os eleitores, impõe aos governadores apoiar a chapa oficial. Nós pensávamos que, com a urbanização do país, com a industrialização, os oligarcas seriam página virada. Ledo engano, doce ilusão. Nunca os oligarcas foram tão fortes como hoje. Identificase a política em alguns estados pelo nome de pessoas. Jader Barbalho, no Pará, Fernando Collor e Renan Calheiros, em Alagoas. A família Sarney, com dois representantes no Congresso, e um no Executivo estadual.

O senhor acha ainda pode haver uma virada na eleição?

VILLA: Tudo é possível. É como no futebol: só termina quando o juiz apita.

Em que José Serra errou?

VILLA: Ser candidato da oposição é muito difícil no Brasil.

Sim, mas isso não é erro.

VILLA: Houve um problema para estabelecer o arco de alianças. E houve muitos erros: o primeiro foi que (Serra) demorou para sair candidato. Dois: o partido não estava unido em torno da candidatura. Três: ao demorar muito, não conseguiu fazer alianças amplas nos estados.

A escolha do vice foi um problema?

VILLA: Sim. Demorou muito a sair a candidatura, porque você cria uma agenda negativa em torno do que é positivo. Esses fatores criaram um problema para estruturar o programa.

E Dilma, em que ela errou?

VILLA: Primeiro ela tem de levantar os braços para o céu por ter sido candidata. Ela é a candidata do bolso do colete do presidente, porque ele é candidato em 2014. Para ele, foi ótima a crise do mensalão, porque fez com que se livrasse dos rivais na direção do PT. Ele virou dono inconteste do partido. Ninguém mais se põe a ele. (Lula) estabeleceu as alianças que quis, e impôs pela goela abaixo do partido, sem ter oposição, a candidata Dilma. É o proprietário do PT, só falta registrar no cartório.

O uso da máquina terá peso em eventual vitória de Dilma?

VILLA: O uso da máquina é fundamental para uma vitória da Dilma. Agora, precisa ver como será a presidente Dilma. É um ponto de interrogação. O PMDB terá parcela considerável no governo, muito maior que hoje.

O governo de São Paulo também usou a máquina?

VILLA: Acho que depois do que eu vi na esfera federal... Falar que teve uso da máquina em São Paulo, acho que nem o Mercadante (candidato do PT ao governo) disse. Eventualmente pode ter tido uso em discursos.

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