sábado, 2 de outubro de 2010

País duvida de tentativa de golpe

DEU EM O GLOBO

Um dia após caos que deixou 5 mortos, equatorianos rejeitam acusações do presidente

Janaína Figueiredo

Apesar de o presidente Rafael Correa ter denunciado ao mundo uma tentativa de derrubá-lo por parte de oposição, um dia após o Equador ter sido mergulhado no caos por uma revolta policial, importantes analistas do país e grande parte da população que ontem voltou a circular normalmente pelas ruas não acreditam na teoria do suposto golpe de Estado. Embora estejam acostumados a conviver com uma instabilidade política crônica (nos últimos 13 anos o país teve 8 presidentes), muitos equatorianos opinam que a sublevação de anteontem, que deixou cinco mortos e 193 feridos, foi um claro protesto dos policiais do país e não um golpe contra Correa, contrariando as afirmações do presidente e também da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

- O que tivemos aqui foi uma revolta policial que o governo não conseguiu controlar - disse o analista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).

Para ele, "a denúncia de golpe de Estado foi uma manobra de Correa para fortalecer-se internamente e, ao mesmo tempo, adotar um papel de vítima perante a comunidade internacional para obter gestos de solidariedade".

Correa foi amplamente respaldado por organizações e países estrangeiros, fato considerado incompreensível por jornalistas equatorianos.

- Não dá para entender o que está acontecendo fora do Equador, aqui não houve golpe - disse Jorge Ortiz, que até pouco era um dos apresentadores-estrela do canal de TV Teleamazonas, mas foi obrigado a renunciar por pressão do Palácio Carondelet (sede do Executivo do país).

Governo anuncia punição a envolvidos

Para Ortiz, que estava numa consulta médica em frente ao quartel ocupado no momento da revolta, Correa chegou ao lugar com "seu estilo provocador e acabou transformando um protesto dos policiais em revolta nacional".

- Eu vi como o presidente agrediu os policiais, os irritou até ser atacado e levado para o hospital - contou o jornalista equatoriano.

Segundo Ortiz, "o objetivo de Correa é usar este episódio para radicalizar seu governo e pressionar o Parlamento para que sejam aprovadas projetos polêmicos, como a lei da mordaça contra a imprensa e a lei de terras".

- No fundo, todos sabemos que por trás desta denúncia de golpe está o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tem grande influência no governo do Equador - frisou o jornalista. Para ele, "tanto Correa como Chávez querem usar este episódio para se fortalecer e continuar atacando os supostos setores golpistas, que são apenas setores críticos de seus governos".

O editor do jornal "El Comércio", Martín Pallares, criou ontem um blog intitulado "Houve golpe de Estado?". "Na verdade, o governo está tentando esconder por trás da figura do golpe as consequências de uma forma muito particular de administrar o poder", opinou Pallares.

Ontem, o clima nas ruas de cidades como Guaiaquil e Quito era de calma. Na capital, alguns militares ainda controlavam o centro da cidade. O governo acusou o ex-presidente Lúcio Gutiérrez de estar por trás da suposta tentativa de golpe e anunciou uma caça às bruxas contra os setores que se rebelaram.

- Não haverá perdão nem esquecimento - declarou Correa.

O chanceler Ricardo Patiño disse que, apesar de a situação estar controlada por enquanto, o governo ainda não pode cantar vitória ainda.

- A tentativa golpista possivelmente tem raízes por aí. Temos que buscá-las e extrai-las.

Classificando os protestos como um desrespeito ao presidente, o chefe da Polícia nacional, general Freddy Martinez, renunciou ao cargo. Em entrevista coletiva, ele atribuiu a manifestação que espalhou o caos pelo país à possível presença de agentes infiltrados na corporação.

Para muitos equatorianos ouvidos pelo GLOBO, o golpe foi "uma invenção do presidente".

- Os policiais tentaram defender seus direitos, nada mais - comentou o administrador de empresas José Rodríguez, de 58 anos.

Para a estudante de direito Catherine Rivas, de 30, assegurou que "o presidente tem um estilo autoritário e não suporta qualquer tipo de oposição ou crítica e ficou furioso com a revolta dos policiais. Aqui não houve golpe, houve um setor que decidiu dizer basta".

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