quinta-feira, 28 de outubro de 2010

'Um mundo referido a realidades do poder'

Anpocs reúne quase 2 mil cientistas políticos, sociais e antropólogos, mas não discute a campanha eleitoral

Arnaldo Bloch Enviado especial

CAXAMBU (MG). Cinco anos passados do ciclo de conferências “O silêncio dos intelectuais” — em que Marilena Chauí conclamou os pensadores a um maior engajamento —, um silêncio pré-eleitoral parece ter baixado no balneário mineiro. A três dias das eleições, os temas da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e campanha eleitoral não deram o ar da graça, pelo menos entre os eventos centrais, até o encerramento do segundo dia de atividades do 34oEncontro Anual da Anpocs, que reúne sociólogos, antropólogos e cientistas políticos em dezenas de fóruns, simpósios e mesas-redondas, com apresentação de mais de 600 trabalhos.

Nem nas duas sessões do fórum “Instituições políticas sob o governo Lula”, terça-feira e ontem, os participantes abordaram os temas, limitando-se a apresentar trabalhos avaliando — em geral em comparação ao governo Fernando Henrique — os oito anos de Lula. E destacando, quase sempre, o viés positivo.

‘Serra e Dilma são melhores do que mostraram’ Participante desta mesa, Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, que apresentou um painel sobre o pragmatismo do segundo mandato de Lula, atribui o silêncio à radicalização da campanha.

— Só vai ser possível olhar além quando os ânimos estiverem mais aplacados. Mesmo na FGV, onde trabalho, o grau de belicismo é figadal. Serra e Dilma são muito melhores do que mostraram. Ficaram à mercê dos joguinhos, dos ódios. Serra tem uma história maior que Dilma, mas ela tem experiências administrativa e partidária não negligenciáveis. Não é uma neófita.

Eles se equivalem em vários aspectos.

Menos condescendente, embora falando sempre baseado em constatações, como deve fazer um sociólogo, é o cientista Luiz Werneck Vianna, professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

— Faltam pouquíssimos dias para a eleição. Numa reunião com quase 2 mil intelectuais, você só ouve falar do assunto em conversas privadas, entre colegas.

Admitamos: há uma dominância do PT na academia e na área de pesquisa em geral, que tem a ver com as políticas públicas que tiveram o setor de ciência e tecnologia como alvo.

Participante do grande encontro como expositor numa sessão especial em homenagem a Gildo Marçal Brandão, é com a mesma isenção que Werneck observa o evento em si: — Este acontecimento aqui não se explica sem o apoio do Estado, das estatais, do BNDES, da Finep.

Este não é o espaço da opinião livre, mas um mundo todo referido a realidades do poder. O mundo da opinião tem presença aqui, mas ela não é dominante. Na maior parte dos casos, esses congressos envolvem indivíduos que dependem mais das agências estatais que da sociedade.

É um espaço muito particular.

E os grandes recursos privados não se interessaram ainda por esse pedaço do mundo. Se é que algum dia vão se interessar.

Um exemplo do que ele diz pode ser representado pelas palavras de um participante da mesa de avaliação do governo Lula que, a certa altura de suas considerações, deixou escapar: “Vou parar por aqui porque esse assunto é arriscado”.

Nota-se, também, a ausência quase completa de menções a temas como corrupção, evolução dos valores, ou ética na política. Na visão de Abrucio, o que ocorre é uma espécie de esgotamento do tema e uma “fulanização”.

— A discussão da ética está se fulanizando muito e apresentando poucas soluções. Há um certo cansaço. Paulo Preto ou Erenice? O eleitorado padrão acha que todo mundo é ladrão. Venho trabalhando nos últimos 15 anos com muitas pesquisas qualitativas que deixam clara esta noção.

Instado a responder se, como dizem alguns críticos, Lula teria contribuído para esta noção por sua postura relativista diante dos escândalos do mensalão, Abrucio destacou avanços.

— Coisas boas foram feitas das quais pouco se fala, como o trabalho da Controladoria Geral da União. Talvez nós, intelectuais, junto com a mídia e os partidos, estejamos focando de maneira errada tais questões. Temos que sair um pouquinho só do denuncismo e ver o que faz esses processos ocorrerem. E formular soluções, de curto prazo, como melhoria das instituições, e de médio prazo, como o avanço da educação. E, importantíssimo, como destaquei em minha apresentação: a reforma da administração pública. Precisamos de mecanismos mais claros de cobrança e uma maior transparência. Está na hora de mudar o disco para uma linha mais propositiva de recuperação, não de destruição da política. Há questões mais importantes que a bolinha de papel. Em que canal vamos circular, para não transformar a discussão da ética simplesmente no sobrevoo sobre Brasília de “Tropa de Elite”? Fernando Henrique me ensinou que o papel do cientista político é pesquisar políticas públicas. É mais do que um governo, o que estamos analisando aqui.

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