sábado, 6 de novembro de 2010

A anatomia dos votos :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A polêmica sobre a importância do voto nordestino para a eleição de Dilma Rousseff como presidente do país não resiste a uma análise dos mapas eleitorais. O cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, acostumado a analisar esses mapas para definir o que chama de “a geografia dos votos”, explica com objetividade: Dilma foi eleita porque ganhou de muito nas áreas que lhe eram favoráveis, como no Norte e Nordeste, mas perdeu de pouco onde o ambiente político favorecia seu adversário tucano, José Serra.

Mesmo sem os votos do Norte e Nordeste, Dilma venceria Serra na soma dos votos do Centro-Oeste, Sul e Sudeste por míseros 275.124 votos, ou 0,25%. Já no Norte e Nordeste, Dilma tirou uma vantagem sobre Serra de espetaculares 11.777.817 de votos.

Na Região Sul, onde a oposição predomina, a diferença a favor de Serra foi de apenas 6 pontos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, Serra perdeu no primeiro turno e ganhou de pouco no segundo.

Em Santa Catarina, o Oeste do estado sempre tende a votar mais à esquerda; Serra ganha bem, com a média nacional invertida — 56% a 44% a seu favor —, mas o estado não é dos maiores colégios eleitorais, o mesmo acontecendo no Paraná e no Mato Grosso do Sul.

No Centro-Oeste, a diferença foi de 2 pontos para Serra, com empates técnicos em Mato Grosso e em Goiás.

No Sudeste, a vantagem de Dilma foi de 4 pontos. A diferença entre PT e PSDB na Região Sudeste vem se reduzindo desde 2002.

Anteriormente, em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso havia ficado à frente de Lula nas vitórias no primeiro turno em até 5 milhões de votos em São Paulo, o que garantia a supremacia no Sudeste.

Embora Alckmin tenha vencido no primeiro turno de 2006 por uma pequena margem de cerca de 700 mil votos, graças à vantagem que tirou em São Paulo de 3,8 milhões de votos, no segundo turno Lula venceu por 12 pontos. Metade do que tivera em 2002 (25 pontos), e Dilma venceu agora por 4 pontos.

A média nacional invertida a favor de Serra em São Paulo, apesar de se tratar do maior colégio eleitoral do país, não foi suficiente para compensar Minas Gerais (11% do eleitorado) e Rio de Janeiro (9%), que juntos dão praticamente o estado de São Paulo (22%), destaca Romero Jacob.

Mesmo que, no conjunto de três estados do Sudeste (Rio, Minas e Espírito Santo), Dilma tenha tido uma redução de 8,5 pontos em relação à votação de Lula em 2006.

Ainda na Região Sudeste, a metade Norte do Rio foi a favor do Serra por causa da atuação do Garotinho. No Espírito Santo, houve também empate.

A vantagem final de Dilma se deveu à diferença obtida no Nordeste (38 pontos) e Norte (15 pontos). Mas, como destaca outro cientista político, Jairo Nicolau, a votação final de Dilma foi menor do que a obtida por Lula em 2006 em todas as regiões do país, com exceção da Região Sul, onde ela manteve o mesmo patamar de Lula em 2006: 44% dos votos.

Dilma perdeu 4 pontos percentuais no Centro-Oeste; 8 pontos no Norte; 6 pontos no Nordeste e 5 pontos no Sudeste.

No Nordeste, Lula em 2006 teve 77,2%, e Dilma obteve 70,6%; no Norte, Lula teve 65,5% e Dilma, 57,4%.

Romero Jacob analisa que, como estratégia para ganhar a eleição, o PT foi eficaz por que perdeu de pouco no Sul e Centro-Oeste e venceu no Sudeste.

Em uma análise do Brasil como um todo, lembra Romero Jacob, dá para ver nos mapas eleitorais que, no Nordeste, os pontos azuis (locais onde Serra venceu) são muito poucos, e no Sul e Centro-Oeste os pontos vermelhos são muitos (onde Dilma teve mais votos).

As eleições do segundo turno de 2010 praticamente repetiram o padrão territorial que começou no primeiro turno de 2006, manteve-se no segundo turno de 2006 e no primeiro turno de 2010.

Segundo Jairo Nicolau, comparativamente a Alckmin em 2006, Serra cresceu em quatro regiões: 3 pontos percentuais no Centro-Oeste (onde o PSDB passou a vencer); 9 pontos no Norte; 3 pontos no Sudeste. Na Região Sul, Serra obteve (51%) e repetiu a votação de Alckmin em 2006 (50%).

Dilma perdeu, no total, em 11 estados. “Nunca um presidente eleito perdeu em tantos estados”, destaca Nicolau em seu blog.

O cientista político fez comparações entre as eleições de 2006 e 2010 e chegou a conclusões interessantes.

Quando comparado a Alckmin (2006), Serra obteve mais votos (em pontos percentuais) em 24 estados; manteve-se no mesmo patamar em dois (São Paulo e Mato Grosso do Sul) e diminuiu apenas em um (Rio Grande do Sul).

Quando comparada a Lula (2006), Dilma obteve menos votos (em termos percentuais) em 25 estados; e aumentou apenas em dois (Rio Grande do Sul e Pernambuco).

As eleições foram bastante competitivas (menos de 10 pontos de diferença) em 11 estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, Alagoas, Mato Grosso do Sul, Sergipe e Rondônia) e no Distrito Federal.

Nos outros 15, um dos dois candidatos abriu uma grande diferença sobre o outro.

Cesar Romero Jacob, da PUC, considera que os mapas eleitorais deixam claro que não existe uma disputa ideológica, nem mesmo uma disputa de classes, mas uma votação movida muito mais por interesses econômicos, seja das classes mais abastadas — que votaram em Dilma em todo o Nordeste — ou dos eleitores das classes C, D e E que, embora tenham ascendido socialmente nos últimos anos, só votaram em massa na candidata do governo no Nordeste.

Em muitos casos, o apelo do candidato tucano José Serra pela melhoria dos serviços públicos atingiu esse eleitor, que agora quer mais do governo além da pura distribuição de renda. Quer melhor educação, melhores hospitais, maior eficiência da máquina pública.

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