quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Enem: sem recurso nem gabarito, fica a confusão

DEU EM O GLOBO

Classificado pelo presidente Lula como "sucesso extraordinário", o Enem transformou-se numa total confusão. Após suspender o exame, a Justiça Federal do Ceará proibiu a divulgação do gabarito e desautorizou o MEC a receber recursos de candidatos. A correção dos cartões está embargada. Em Pernambuco, o tema da redação vazou.

Gabarito também suspenso

Por causa dos erros, Justiça proíbe que MEC divulgue tabela de respostas do Enem

EXAME NA BERLINDA

Isabela Martin, Demétrio Weber e Catarina Alencastro

FORTALEZA e BRASÍLIA - Após determinar anteontem a suspensão do Enem 2010, a juíza Karla de Almeida Miranda Maia, da 7aVara Federal do Ceará, proibiu também a divulgação do gabarito das provas realizadas no último fim de semana. No mesmo despacho, a juíza avisou que também está suspenso o recebimento, pelo MEC, de requerimentos administrativos de qualquer aluno, prejudicado ou não pelos erros no exame.

Com isso, os pedidos de correção, que teriam início via internet a partir de hoje para alunos prejudicados pelo cabeçalho invertido do cartão de respostas da prova de sábado, não poderão sequer ser recebidos.

A correção e as análises dos cartões de respostas de candidatos de todo o país também estão sob embargo. Pela decisão da juíza, estão suspensas todas as etapas que antecederem a publicação do resultado final do Enem.

A Advocacia-Geral da União informou que vai recorrer contra a suspensão do Enem até a próxima segundafeira.

No entendimento da juíza, a liminar que suspendeu o Enem também tem efeito sobre a divulgação do gabarito.

Karla Almeida considerou que a “eventual divulgação do gabarito poderá acarretar acirrados ânimos entre os candidatos eventualmente aprovados e aqueles que não obtiveram resultado exitoso”.

Para a juíza, falhas constatadas na aplicação do Enem afetaram todos os candidatos, indistintamente.

Segundo ela, a “conduta insipiente dos fiscais de cada sala onde foram aplicadas as provas ensejou todo tipo de transgressão” às normas do edital. Ela citou o exemplo do uso de celulares. Para a juíza, essas falhas comprometeram a segurança indispensável à avaliação dos candidatos.

A decisão judicial pela suspensão do Enem partiu da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal no Ceará.

AGU vai recorrer ao TRF até segunda

Em Brasília, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelo Enem, estava com tudo pronto para divulgar ontem, às 18h, o gabarito das quatro provas realizadas no sábado e domingo. Com o esclarecimento da juíza sobre o alcance da liminar concedida na véspera, o Inep abortou a divulgação. A decisão fez o Inep suspender também a página que seria disponibilizada hoje na internet para que participantes do Enem prejudicados pelo erro no cabeçalho das folhas de resposta solicitassem a correção das provas na ordem invertida. A decisão foi noticiada pelo Inep em texto divulgado na página onde seria anunciado o gabarito e apresentado o formulário para solicitação de correção invertida.

A AGU informou que o recurso deverá ser apresentado até a próxima segunda-feira ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. O órgão quer que o Enem seja validado e que somente os cerca de 2 mil alunos que receberam o caderno de provas de cor amarela (que apresentava erros de impressão) tenham o direito de fazer uma nova prova.

— Nós queremos garantir ao universo de 3,2 milhões de alunos que fizeram uma prova válida o direito a receber a avaliação, e garantir àqueles que foram prejudicados uma nova avaliação, em condições similares, que apure a mesma condição que eles avaliaram nas provas anteriores do Enem — disse o advogadogeral da União, Luís Inácio Adams.

Ele disse que o problema no cartão de respostas poderá ser resolvido com a correção invertida das provas.

— Não é válido submeter um universo de estudantes a todo um novo processo com todo o custo disso, por conta dessa fragilidade, que foi séria. Em nenhum momento podemos deixar de reconhecer que houve um prejuízo, mas esse prejuízo não pode se transformar em um prejuízo maior ainda — disse Adams.

A suposta quebra do princípio de isonomia levou a Defensoria Pública da União a recomendar que o MEC anule a prova. A AGU ainda não respondeu à Defensoria, que até ontem à tarde havia recebido 2.600 emails de alunos relatando os problemas durante a aplicação do Enem. Os depoimentos darão embasamento a uma ação civil coletiva que a Defensoria quer ingressar, caso o MEC não siga sua recomendação.

A decisão da juíza do Ceará surpreendeu o ministro Fernando Haddad.

À tarde, após visita à OAB, em Brasília, ele disse que não trabalhava com a hipótese de ser proibido de divulgar o gabarito. Haddad voltou a defender que as provas do Enem são formuladas de modo que diferentes edições tenham cientificamente o mesmo grau de dificuldade.

Assim, a reaplicação do exame de sábado apenas para um grupo restrito de participantes não afetaria a igualdade de condições.

— Eu sei que esse debate é novo para o mundo jurídico, mas, no meio educacional, essa questão já está pacificada — disse Haddad.

Após ouvir as explicações de Haddad, o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, disse que só vai se posicionar sobre o tema após ouvir a Comissão de Ensino Jurídico da OAB. Falando em tese, porém, ele adiantou o entendimento de que todos os estudantes prejudicados deveriam ter direito a refazer o exame.

Isso inclui quem se atrapalhou no momento de preencher o cartão de respostas, cujo cabeçalho inverteu a ordem das questões. A proposta do MEC é que só possam refazer o teste os candidatos que receberam provas amarelas com questões faltando ou duplicadas — número inferior a 2 mil dos 3,4 milhões que fizeram as provas no sábado.

— Se o princípio da igualdade não for resguardado, a Ordem terá um posicionamento pela anulação — disse Cavalcante. — Cada caso é um caso, mas a prova terá que ser repetida por todos os que tiveram prejuízos.

A Comissão de Educação do Senado convidou Haddad para prestar esclarecimentos sobre o Enem. Na Câmara, a bancada do PSDB pediu ao Ministério Público Federal que investigue o caso e ao Tribunal de Contas da União (TCU) que realize auditoria especial sobre os contratos do Enem — ao todo, considerando despesas com os Correios e as Forças Armadas, o MEC gastou R$ 182 milhões com o exame. O líder da minoria no Congresso, deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), criticou a postura de Haddad: — Ele sequer pediu desculpas.

Achei de uma soberba preocupante.

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