sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Estratégias para um ajuste fiscal :: Paulo R. Haddad

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando um país precisa realizar um processo de ajuste fiscal, há algumas estratégias que têm sido concebidas para a sua implementação.

Há um tipo de estratégia que se poderia denominar de conformista ou convencional, em que se buscam trajetórias político-administrativas com menor intensidade de tensões e conflitos. Trata-se de promover cortes lineares nos diferentes programas, projetos ou atividades na escala necessária para atingir a meta fiscal, ou de atingir essa meta por meio de um aumento da carga tributária que trará os recursos necessários para a tesouraria do governo. Essa tem sido a estratégia mais praticada pelas autoridades econômicas brasileiras ao longo das últimas décadas, que respondem aos desequilíbrios orçamentários resultantes de uma aceleração nos gastos públicos por meio de uma repressão fiscal, via contingenciamento dos recursos programados, ou por meio de uma elevação da carga tributária (um novo imposto ou contribuição parafiscal, novas alíquotas dos tributos e taxas).

Uma estratégia mais avançada técnica e politicamente é a reprogramação dos gastos públicos por meio da formulação de um Orçamento de Base Zero. A função de reprogramação orçamentária consiste na desativação, na reordenação e na integração de programas e projetos que diferentes instituições do setor público vêm executando, de forma a redirecionar os recursos correspondentes a esses programas e projetos segundo as diretrizes propostas por novas estratégias de desenvolvimento. Até mesmo os gastos em programas com receitas vinculadas poderiam ser reestruturados em nível mais desagregado das características dos seus projetos e atividades.

Um orçamento plurianual de investimentos pode ser uma alternativa para orientar a reestruturação dos gastos públicos ao longo do tempo, por meio de mudanças nos orçamentos anuais. Normalmente, há uma forte tendência para que os orçamentos de cada ano sejam uma reprodução da estrutura de gastos do ano anterior, com pequenas alterações quanto à introdução de novas atividades ou projetos. Dessa forma, repete-se hoje o que se fazia ontem, e com grande chance de ser feito amanhã o que se propõe para hoje, sem uma perspectiva crítica da composição das despesas de custeio e de investimento, e de sua relação custo-benefício para a sociedade.

Como por trás de cada real de despesa pública há sempre um conjunto de interesses legítimos ou velados, regionais, locais, empresariais e burocráticos, as dificuldades podem ser tão intensas para realizar um Orçamento de Base Zero que talvez seja politicamente recomendável não mexer neste vespeiro.

Para uma estratégia intermediária entre uma solução preguiçosa de cortes lineares ou de aumentos questionáveis da carga tributária anticrescimento econômico e a solução radical do Orçamento de Base Zero seria a estratégia de jogos diferenciados de expansão dos diferentes componentes dos gastos públicos. Alguns desses componentes seriam desinflados por meio de taxas de crescimento negativas ou nulas; outros, ajustados apenas pelas taxas de inflação previstas, com crescimento real nulo; e, finalmente, áreas e setores prioritários teriam gastos públicos com taxas positivas e diferenciadas de crescimento.

Nessa estratégia, será possível costurar as metas do plano de desenvolvimento de médio e de longo prazos com os recursos orçamentários anuais e plurianuais. Por exemplo: é evidente que os recursos disponíveis (financeiros, materiais, institucionais, etc.) para áreas do governo federal que lidam com as crescentes e inquietantes questões do meio ambiente no País estão visivelmente subdimensionados para que essas áreas possam enfrentar os desafios dos processos da degradação dos ecossistemas e de desastres ecológicos emergentes para as atuais e futuras gerações. Da mesma forma, há diversos tipos de despesas públicas que, pela sua ineficiência e ineficácia, deveriam desaparecer ao longo do tempo, embora ganhem sobrevida impulsionadas por interesses menores das políticas clientelísticas.


Professor do IBMEC/MG, foi Ministro do Planejamento e da Fazenda do Governo Itamar Franco

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