DEU EM O GLOBO
O aumento dos aluguéis e dos alimentos está pressionando o orçamento das famílias. Enquanto a maioria dos reajustes salariais ficou perto de 5%, alguns preços subiram até 14%.
A difícil arte de fechar o mês
Alta de preços de itens como aluguel e alimentação aperta orçamento das famílias
Henrique Gomes Batista
O rendimento dos trabalhadores está em alta - graças ao crescimento da economia, que deve fechar este ano acima de 7% -, mas muitas famílias começam a enfrentar problemas para fechar suas contas no fim do mês. Isso porque os preços de diversos itens subiram muito e superaram o ganho de renda: 97% dos acordos coletivos de trabalho no país garantiram alta de 5% nos salários. No Rio, a valorização dos imóveis ajudou a puxar a alta dos aluguéis e, com isso, pressionou as despesas das famílias. Economistas alertam para a necessidade de controlar o orçamento neste fim de ano, quando diversos gastos fixos são contratados - como a escola dos filhos. Além disso, há uma tentação para ampliar o consumo, no embalo das campanhas de Natal.
- Muitas contas que até então subiam em um percentual semelhante ao reajuste dos salários este ano deverão ter um crescimento superior, podendo causar desequilíbrios - Myrian Lund, professora de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, que orienta o sistema de metas de inflação do governo) ficou em 5,21% no acumulado dos últimos 12 meses até outubro - 5,17% no Rio -, a alimentação fora do domicílio, por exemplo, subiu 9,28% no Rio e 8,57% na média nacional. Os serviços médicos e dentários, por sua vez, avançaram 9,48% no Rio e 7,79% no Brasil. Os gastos com educação subiram 8,03% no Rio e 6,21% no Brasil. O mesmo aconteceu com alimentos: os fluminenses estão pagando 14,43% a mais pela carne, 6,92% por leite e derivados e 6,39% pelo pão.
Alexandre Espírito Santo, professor de economia da ESPM-RJ, afirma que a preocupação das famílias não é à toa. Além do aumento da inflação - que antes estava em 4,5% e agora já ronda 6% ao ano - muitas famílias aproveitaram o otimismo para comprar parcelado e, assim, ampliaram o comprometimento da renda mensal.
- O governo começa a se preocupar com o alto endividamento das pessoas, tanto que elevou de 10% para 15% o pagamento mínimo do cartão de crédito - diz ele.
Mas uma das situações que mais preocupam as famílias é a alta dos aluguéis, principalmente para quem vive no Rio. Além da correção pelo IGP-M - índice que acumula quase 9% neste ano -, os contratos que estão vencendo são reajustados a preço de mercado. Carlos Samuel Freitas, diretor de locação da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), afirma que os aluguéis em alguns bairros subiram até 50%, seguindo a valorização dos imóveis.
- Há um ano e meio, o IGP-M estava negativo, registrando deflação, e muitos inquilinos foram intransigentes, não aceitaram aumentos. Agora são os proprietários que estão na vantagem e muitos não querem negociar, pedem os imóveis porque sabem que há mercado - disse Freitas.
Alice Pereira, de 54 anos, assistente social do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, enfrenta há dez meses a aflição de tentar encontrar um aluguel que caiba no orçamento de sua família. Até o início deste ano, ela era inquilina de um apartamento de dois quartos, dependências e garagem, em Laranjeiras, onde vivia com a filha. No entanto, em fevereiro, a proprietária pediu o imóvel de volta.
Desde então, a servidora está morando com sua filha, Camila, na casa da irmã, no mesmo bairro, e procura um lugar para morar por um preço razoável. Mas, segundo ela, a tarefa é difícil, já que "os aluguéis aumentaram mais de 100%". Os móveis de sua antiga casa estão num depósito. No apartamento ainda mora sua sobrinha, Cristina.
- Pagava no início do ano R$970 pelo aluguel. Hoje, os anúncios chegam a R$2.700. Uma vez fui visitar o apartamento de um homem que cobrava R$2.900 por mês. Perguntei se ele sabia que o preço proposto era um absurdo. Ele me respondeu que sim e disse ainda que alguém tinha que cobrar mais caro em algum momento - disse ela, espantada.
A alta dos aluguéis é maior em bairros que receberam a instalação de UPPs em favelas próximas, como Botafogo e Ipanema, e em bairros que estão na rota dos grandes investimentos da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, como Barra e Jacarepaguá:
- Também está acontecendo algo que há muito tempo não ocorria, que contribui para a alta: a volta da compra de imóveis para investir por parte do pequeno investidor, que busca aluguéis de 0,7% a 0,8% do valor do imóvel. Como o valor dos imóveis não para de subir, os aluguéis seguem o ritmo - disse Rafael Duarte, sócio-diretor da agência Percepttiva.
A publicitária Emmanuele Muniz sente isso na pele. Ela busca um imóvel de um quarto em Copacabana ou Ipanema, para morar mais perto de seu trabalho. Imagina, após conversar com amigos que vivem na região, pagar R$1.300 de aluguel, mas só encontra imóveis - muitos em péssimo estado - com aluguel de R$2 mil.
- Mas ainda não perdi a paciência, vou continuar procurando. Espero que, após a virada do ano, com a queda na busca por imóveis de temporada, os preços melhorem em pouco - disse.
Uma conta não pode ser esquecida neste momento: o gasto com aluguel não pode comprometer mais de 30% da renda da família, lembra a professora Myrian Lund, da FGV:
- O ideal é que fique na casa dos 20%, para que a família tenha condições de fazer uma poupança visando à compra de seu imóvel.
O economista Gilberto Braga, professor do Ibmec-RJ, acredita que as famílias devam, até, avaliar a possibilidade de antecipar a compra da casa própria. Ele lembra que há muitos incentivos, principalmente para as famílias de renda mais baixa, por causa do programa Minha Casa, Minha VIda.
- Há casos em que a prestação da casa própria fica mais baixa que o aluguel - disse.
Quitar dívidas deve ser a prioridade
A inflação ainda está longe de repetir a disparada dos anos 80 e 90, lembra a economista Alexandra Almawi, da Lerosa Investimentos. Mas, afirma, já chega a incomodar. Para ela, a situação é mais grave com os alimentos, com alguns produtos, como carne e feijão, subindo bem mais que os salários.
- Não tem mágica, nestes momentos o importante é acompanhar os preços e fazer algumas substituições de produtos - explica.
Luis Carlos Ewald, professor de economia da FGV, lembra que o momento é de eleger prioridades. A quitação das dívidas deve ser a principal delas. Depois, as compras mais necessárias para o futuro, como material escolar. Por último, compras e férias:
- Mas é claro que a situação das famílias está pior nos grandes centros, como Rio, São Paulo e Brasília, por causa da valorização dos imóveis.
Se, mesmo assim, o orçamento estourar, a solução para fechar as contas pode ser um empréstimo. Economistas indicam opções mais baratas, como o crédito consignado e o crédito pessoal. No entanto, as perspectivas neste ponto não são favoráveis. Com o repique da inflação, o Banco Central deve começar a elevar os juros em breve - a data ainda é não é consenso entre os analistas. Hoje, a taxa básica da economia, a Selic, está em 10,75% ao ano.
- Os empréstimos estarão mais caros - avisa Francisco Corrêa da Costa, da Capital Investimentos.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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