quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os senhores da História:: Alberto Aggio

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

É de Luiz Werneck Vianna a formulação de que a conquista da presidência da República por Lula em 2002 teria significado uma “absolvição da História do Brasil”. Há nela muita imaginação sociológica, alguma generosidade e uma fina ironia. História é interpretação, afirmam seus principais teóricos. A História do Brasil na “leitura petista” sempre foi a “história dos vencedores”. Nela não há outra coisa senão exclusão e opressão, num continuum sem mudanças. Por essa leitura, era inconcebível que Lula pudesse vencer e assumir a presidência, que pudesse governar e completar o seu mandato, já que era, em carne e osso, a realidade e a personificação do operário sem escolaridade, retirante nordestino, representação viva das classes subalternas, etc.

A chegada de Lula à presidência colocava por terra a chamada “história dos vencedores”. Uma saga que seria fortalecida com a sua reeleição, em 2006. Era a vitória factual da “história dos vencidos”, uma narrativa de denúncia na qual o Brasil era um não-ser, desprovido de identidade. Certamente uma visão lacunar e desequilibrada do nosso passado. De qualquer maneira, com Lula esperava-se uma revanche em relação às elites que haviam construído a tradicional narrativa dos vencedores que dominavam o Brasil. A partir dele seriam “os de baixo”, aqueles que nunca “tiveram vez e voz”, que estariam refazendo a história e também a narrativa do seu passado. Pela política e em ambiente democrático, a história do Brasil estaria absolvida porque havia possibilitado a ascensão de Lula, sem sobressaltos.

Assimilada em termos operativos, essa interpretação esteve na base do famoso bordão “nunca antes na história desse país”, martelado ad nauseum por Lula. Entretanto, sem que o protagonista tivesse pleno controle da realidade — o que faz parte da história —, essa versão passou a ser mais uma fabulação do imaginário político que acabaria por cristalizar uma convicção de mudança que não se comprovou.

No governo Lula, vencedores e vencidos começariam a se embaralhar e perder a nitidez. O resultado foi o “transformismo” impondo mais uma vez a velha sina brasileira do “conservar-mudando”, mas agora com uma inversão: um governo nascido da esquerda cumpriria o papel tradicionalmente realizado pelas elites dirigentes do país. Ele imporia a quietude às forças da mudança e submeteria as elites econômicas ao atender permanentemente seus principais interesses. Na síntese de Werneck Vianna, este seria o “Estado Novo do PT”.

Com Lula, o Brasil muda para continuar o mesmo e manter o domínio dos de sempre, por meio de fórmulas similares àquelas do passado. Sequer se ensaiou a perspectiva de inversão dos termos da nossa conhecida e resistente “revolução passiva”, superando o “conservar-mudando” e adotando o “mudar-conservando”, com primazia e ênfase na republicanização do Estado, o que representaria uma ruptura possível, sustentada por um aprofundamento e por mudanças qualitativas na nossa democracia.

Ao invés disso, uma nova fabulação foi mobilizada com o mesmo sentido da primeira: “agora é a vez da mulher”. Com isso e mais alguns “trancos” dados por Lula na campanha eleitoral, Dilma se sagrou vencedora. A história do Brasil estará duplamente absolvida. Para o líder do governo e coordenador da sua campanha, Cândido Vaccarezza, Dilma agora pode pensar o Brasil para os próximos quatro anos; a campanha faz parte do passado. E, numa conclusão magistral, vaticina: “Para quem ganha, não tem problema. A história é contada pelos vencedores”.


Alberto Aggio é professor de História da Unesp-Franca.

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