quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Para além das eleições :: Bernardo Ricupero

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Depois de passadas as eleições de 2010, talvez seja o momento de buscar perceber tendências mais profundas que emergiram nos dois turnos. Em primeiro lugar, a terceira vitória de um candidato a presidente do PT abre caminho para o partido se manter 12 anos ininterruptos no poder. Esse é um período suficiente para que o petismo deixe sua marca na política brasileira.

Aparentemente, o governo Dilma Rousseff pretende manter a mesma orientação dos anos Lula, combinando a estabilidade monetária, herdada da administração Fernando Henrique Cardoso, com a redução da pobreza. Dilma e seus auxiliares também dão sinais que pretendem acelerar o crescimento econômico, que tem ocorrido nos últimos anos.

Mas se, em termos gerais, se deve buscar não alterar as diretrizes do governo anterior, a principal incógnita é como fazer isso sem Lula. Ou melhor, um governo que reúne no seu interior o agronegócio e o MST é, em grande parte, uma obra do ex-líder sindical. Nessa referência, é bastante duvidoso que a técnica, escolhida pela primeira vez para um cargo eletivo, demonstre a mesma habilidade para conciliar interesses contraditórios. Além do mais, não se sabe bem como Lula se comportará fora do poder.

Em termos mais profundos, se Dilma tiver sucesso na meta anunciada no seu discurso de vitória, de fazer do Brasil um país de classe média, seu partido talvez tenha o que temer. A julgar pelo mapa eleitoral, o PT tem maiores dificuldades justamente nos estados com classe média mais consolidada.

Significativamente, a oposição voltou a vencer, como já havia ocorrido em 2006, na região Sul, e em São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em contrapartida, diferente do que sugerem alguns analistas, mesmo sem os votos do Nordeste, a candidata do PT ganharia as eleições. No entanto, haveria um quase empate, Dilma tendo recebido no resto do país 50,9% dos votos contra 49,1% de José Serra.

Mesmo assim, o futuro que se anuncia para a oposição parece longe de ser fácil. A questão inicial será saber se haverá ou não disputa pela liderança de seu principal partido, o PSDB. Em outras palavras, se a fila andará e o recém eleito senador Aécio Neves tomará o lugar do ex-candidato a presidente Serra ou se este insistirá em comandar a oposição.

A julgar pelo discurso de derrota do ex-governador de São Paulo, em que fez questão de dizer não “adeus” mas “até logo” ao eleitorado, haverá combate nas hostes oposicionistas. É possível, porém, que as intenções do discurso, feito ainda no clima da disputa eleitoral, não perdurem.

Em compensação, se Serra conseguir liderar a oposição, pode-se imaginar que ela assuma uma orientação mais à direita, como foi a da campanha do segundo turno da eleição presidencial. Tal linha de atuação facilitaria a aproximação e, mesmo, fusão entre PSDB e DEM. A solução tem sua lógica diante da pouco expressiva bancada que os dois partidos elegeram para o Congresso; não mais de 100 representantes na Câmara, divididos entre 53tucanos e 43 deputados do DEM; enquanto no Senado o PSDB passa a contar com uma bancada de 11 representantes e o DEM com não mais que 6 senadores.

Como resultado, Aécio seria afastado do ninho tucano. Um possível destino para o ex-governador de Minas seria o PSB, partido que sai fortalecidodas eleições, passando a ter seis governadores. Dessa maneira, a criação de uma terceira via entre PT e PSDB se tornaria uma possibilidade maior do que foi o Bloquinho, aliança ensaiada por PSB, PDT e PC do B e mesmo a candidatura Marina Silva.

É verdade que os 44% de votos de Serra no segundo turno indicam que há um certo espaço para a direita na política brasileira. É improvável, contudo, que a direita política tenha chances, ao menos no médio prazo, de ser majoritária num país com enormes desigualdades sociais como o Brasil. Outro fator a se levar em conta é que os tucanos manteriam uma cara excessivamente paulista, o que já criou dificuldades para o partido ao longo da campanha desse ano.

O mais provável é que Aécio se torne o novo líder da oposição. Terá, entretanto, o enorme desafio de formular um novo discurso para o PSDB. O ambiente para isso não é dos melhores, com a direção exercida pelo PT sobre a política brasileira sendo pouco questionada no momento.

Se quiser ser bem sucedido, terá provavelmente que agir como em outras situações que partidos, depois de longos períodos de oposição, retornaram ao governo ao assumirem muito do discurso de seus adversários. Foi dessa maneira que, em 1996, o Partido Democrata voltou ao poder nos EUA, depois de 12 anos, com Bill Clinton; o Partido Trabalhista retomou o poder no Reino Unido, em 1997, depois de 18 anos, com Tony Blair, e, em 2010, o Partido Conservador passou a ter o primeiro ministro, depois de 13 anos, com David Cameron.

Mas este artigo, como exercício de futurologia que é, procura apenas indicar uma série de possibilidades que podem ou não ocorrer nos próximos quatro anos. Na verdade, os contornos que a política brasileira assumirá serão principalmente o reflexo da fortuna e da virtù que governo e oposição demonstrarem.


Bernardo Ricupero é cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da USP

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