sábado, 4 de dezembro de 2010

BC aponta riscos:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O Banco Central deu claros sinais ontem de que teme o risco de formação de bolhas pelo excesso de crescimento do crédito. Mostrou também que está preocupado com a elevação da inflação. Mas no mercado existem interpretações diferentes para as decisões da autoridade monetária. Os bancos terão menos dinheiro para emprestar e terão normas mais rigorosas de concessão de crédito.

O Brasil passou por um crescimento forte do ritmo de concessão de empréstimos para empresas e pessoas. O crédito em relação ao PIB praticamente dobrou no governo Lula, de 25% para 47%. Os economistas costumavam responder às perguntas, sobre se o risco não estaria crescendo, com a resposta de sempre: comparado com outros países, o percentual brasileiro não está tão alto. Mas o problema é o ritmo desse crescimento e o fato de que no Brasil os juros são altos demais.

As decisões de elevação do compulsório e de regras mais rigorosas foram anunciadas na semana anterior à da reunião do Copom. Como há um ambiente de falta de confiança na autonomia do Banco Central no governo Dilma, as interpretações sobre as decisões de ontem foram conflitantes.

Há quem considere que por ter tomado essa decisão agora, o BC terá ainda mais trabalho para justificar uma possível manutenção dos juros na reunião da semana que vem. Subir compulsório é medida prudencial, ou seja, tem a finalidade de impedir a formação de bolhas de crédito. Mas ontem ela foi anunciada também como instrumento de combate à inflação. Se o BC reconhece que há risco inflacionário, ele teria então que subir os juros.

Há quem pense o oposto: que o compulsório faz o trabalho de elevação dos juros cobrados dos consumidores sem elevar o custo da dívida, portanto a decisão de elevar os juros pode ser adiada.
Alguns economistas viram na decisão um aumento da influência do ministério da Fazenda sobre o Banco Central. A decisão de subir compulsório é tomada pelo Conselho Monetário Nacional, e o ministro da Fazenda é um dos participantes. No anúncio de ontem, o presidente do BC, Henrique Meirelles, falou que há equivalência entre o aumento do compulsório e o aumento da taxa Selic, porque ambos atuam no combate aos preços. De fato, ao retirar R$61 bilhões da economia, o BC estará ajudando a reduzir a demanda. Mas esse efeito é muito limitado, tem impacto somente nas compras de bens duráveis de longo prazo, como automóveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos.

- O risco com o anúncio de ontem é que as expectativas de inflação fiquem piores daqui para frente, caso os juros não subam na reunião da semana que vem. A pressão sobre o Copom ficará ainda maior na reunião de janeiro. Mexer nos juros básicos atinge mais canais de combate à inflação. Quando a autoridade monetária está preocupada com a inflação, ela tem que atuar de maneira mais ampla e não de forma restrita - explicou o economista José Júlio Sena, da MCM consultores.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, também acredita que o aumento do compulsório deve ser encarado como medida de diminuição de riscos e não de combate à alta dos preços:

- O aumento do compulsório tem que ser visto como medida prudencial, ou seja, que reduz riscos no sistema financeiro. É medida regulatória e não monetária; é para reduzir riscos e não combater a alta dos preços. Meirelles falou que ela remove liquidez, e de fato faz isso, mas não é um instrumento clássico, com eficiência comprovada sobre a queda da inflação. Para reduzir a inflação, o que funciona comprovadamente é aumento de juros.

O lado positivo do anúncio é que finalmente a autoridade monetária admitiu que há sim o risco de formação de bolhas de crédito no Brasil, apesar de os economistas insistirem na tese de que a relação crédito/PIB é baixa. Há financeiras fazendo anúncios oferecendo dinheiro para quem está "negativado" no mercado, e até para quem já estourou seu limite no consignado. Excessos assim são o primeiro passo para a formação de subprime. O economista Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio, disse que já esperava um anúncio assim.

- As medidas já eram esperadas porque o Acordo da Basiléia está exigindo regras macroprudenciais de todos os países para evitar bolhas. No Brasil, ainda não temos sinais de bolhas, mas a decisão é bem-vinda porque se o ritmo de concessão de crédito continuasse forte, poderíamos ter problemas no futuro - explicou.

O Banco Itaú interpretou que as medidas reduzem a urgência de elevação dos juros porque, na prática, elas elevam o custo de financiamento dos bancos e reduzem o ritmo de crescimento do crédito. O banco viu como um sinal de que aumento de juros virá em janeiro.

Se for isso, eleva-se a expectativa em relação à primeira reunião do Copom do governo Dilma. O ministro da Fazenda acha que a inflação está na meta porque olha o teto da meta, ou seja, dois pontos acima. O BC mira o centro da meta, tradicionalmente. Quem olha o IPCA em 5,2% acha que é preocupação exagerada, mas a inflação de serviços está acima de 7%, os IGPs, acima de 10%, e parte da inflação de alimentos é resultado de alta de commodities. Há razões sim para preocupação. Mas que remédios o próximo governo vai usar? Essa dúvida é que está alimentado a especulação sobre como interpretar o que o BC fez ontem.

As medidas foram acertadas, mas não conversam com o tom tranquilo que o Banco Central deu nas suas comunicações recentes como atas do Copom e relatórios de inflação.

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