Eis um conjunto de ingredientes bem identificáveis na composição por Dilma Rousseff de seu governo – da equipe econômica, do estado-maior do Palácio do Planalto e de outros ministros já definidos: o forte peso do presidente Lula; o papel importante atribuído a Antonio Palocci; o predomínio de nomes filiados ao PT mas não indicados pela direção do partido; o objetivo de vincular o atendimento da cota do PMDB a opções da própria Dilma e à preservação de dois polos do comando da legenda – o da Câmara e do Senado; o interesse dela de maior espaço para PSB de Eduardo Campos, avaliado como principal liderança do Nordeste. Mais um ingrediente desse processo: a prioridade a critérios de gestão e a problemas e objetivos econômicos, internos e externos (em detrimento de preocupações político-ideológicas), evidenciada na insistência dos convites a Jorge Gerdau para participar do governo, bem como na troca de Celso Amorim por Antônio Patriota, no ministério das Relações Exteriores, e no afastamento de Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
A tais ingredientes juntam-se outros expressos por declarações, antecipações de medidas e recomendações de Dilma Rousseff à equipe econômica e direcionadas às negociações com as lideranças do Congresso. A primeira destas – como resposta a crescentes pressões inflacionárias e tendo em vista as promessas de redução das taxas de juros com a queda da dívida pública e o aumento do superávit primário – é a de “um corte generalizado dos gastos”, como bloqueio a projetos de custo bilionário em tramitação no Legislativo e a contenção de despesas de custeio e de investimentos do Executivo “em todos os ministérios e em todas as obras com exceção do Bolsa Família, de acordo com anúncio feito anteontem por Guido Mantega, como atual e futuro ministro da Fazenda. O que o presidente Lula rejeitou ontem que se dê já no final de seu mandato, ao afirmar que não cortará “um centavo” do PAC.
Mas de repercussão bem maior, no Brasil e no exterior, foram as declarações da presidente eleita constantes de entrevista ao jornal Washington Post, publicada no último domingo. Primeiro dos pontos básicos da entrevista: crítica enfática à postura do Itamaraty, três semanas atrás na Assembleia Geral da ONU, de abster-se na votação de resolução condenatória do apedrejamento de mulheres no Irã de Ahmadinejad, juntando-se assim na prática aos votos contrários (de Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Líbia) à proposta, que foi aprovada por ampla maioria das representações nacionais. Dois outros itens centrais da entrevista: a justificativa do corte de gastos que tem recomendado, em nome da preservação da estabilidade da economia, e a defesa de uma reaproximação entre os governos do Brasil e dos EUA. Isso dias após conhecer-se sua decisão de substituir o ministro Celso Amorim no comando da política externa.
A sequência de sinais emitidos por Dilma Rousseff – desde o “discurso da vitória”, pró-mercado – tem merecido boa acolhida da imprensa e contribuído para afastar ou atenuar bastante preocupações que havia nos planos econômico e político-institucional, com a chegada dela à presidência. Sem que as manifestações e diretrizes iniciais possam já ser avaliadas como abandono ou revisão significativa do forte viés estatizante e centralizador de sua atuação na chefia da Casa Civil do governo Lula, ou como indicador, consistente, de que tais sinais orientarão às decisões básicas de sua administração. O que se evidencia é que ela, com possível influência expressiva de conselheiros como Antonio Palocci e Paulo Bernardo, deu-se conta das restrições da piora, sensível, do cenário econômico externo, e da ameaça de deterioração da estabilidade interna (gerada em grande parte pelo populismo eleiçoeiro dos dois últimos anos), com potencial de inviabilizar a continuidade do controle inflacionário e do crescimento do PIB se não for logo contido. E o reconhecimento de tais restrições e ameaça, de par com o empenho prioritário para enfrentá-las, com o apoio de assessoramento realístico e pragmático, distancia a presidente eleita de projetos políticos baseados no ideologismo esquerdista e da própria trajetória estatizante. Pelo menos no início de seu mandato.
Jarbas de Holanda é jornalista
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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