quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Do Torto, Dilma já governa o país:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com gestos estudados e cuidado para não projetar a mínima sombra sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente eleita Dilma Vana Rousseff já governa o Brasil. Suas marcas surgem, naturalmente, sem imposições óbvias. Estão embutidas no discurso de um ministro, no anúncio de uma medida, no espaço concedido a um partido, na decisão de comum acordo com o dirigente ainda no cargo.

Com suavidade, Dilma deu um piparote no complexo - e alvo de múltiplo lobby internacional - caso da licitação dos caças para a Aeronáutica. Por dez anos esse negócio de U$ 15 bilhões foi passando de um presidente a outro, dividindo opiniões técnicas e opções políticas, sem solução.

As empresas interessadas - francesa, sueca e americana - que disputaram a venda dos equipamentos lotearam o governo para convencer e tentar vencer a disputa pela venda de tão dispendioso produto. O presidente Lula, amigos seus, como o prefeito Luiz Marinho, os brigadeiros da força aérea, todos foram alvos do ataque comercial numa negociação de desfecho sempre adiado. O tema, considerado delicado, seria resolvido por Lula para não deixar herança maldita a Dilma. Esta semana, a presidente eleita, ao confirmar o convite ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, para permanecer no cargo, deu o desfecho: a compra dos caças foi postergada e o assunto passa por mais um governo sem conclusão.

Esta não foi a primeira despesa controvertida cancelada pela presidente eleita à última hora. Também o trem-bala, projeto de R$ 33 bilhões, criticado técnicamente por inúmeros especialistas que emitiram pareceres contra, aos quais o governo Lula se mostrava surdo, está praticamente suspenso.

São gastos polêmicos de cuja desnecessidade Dilma Rousseff se deu conta e toma providências, discretamente, para suspender. A entrevista fiscalista que o ex-gastador ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedeu esta semana, não é, claro, de sua lavra, pois anunciou cortes de verbas generalizados, que deverão atingir duas frentes sempre preservadas: aumento salarial de servidores e obras.

Em entrevista ao jornal americano Washington Post, Dilma deixou mais sinais de sua política externa do que em qualquer pronunciamento ao longo da campanha eleitoral. Primeiro, pelas declarações públicas e inequívocas sobre seu desacordo com a política externa em vigor, do governo Lula, em questões de fundamental importância, como os direitos humanos. Dilma condenou a abstenção do Brasil na votação de resolução da ONU contra abusos praticados pelo Irã.

Depois, pelo fato de ter escolhido um único jornal para dar sua primeira entrevista exclusiva após eleita, e este ter sido exatamente dos Estados Unidos, país que se recusou a visitar antes da posse, emitindo um sinal dúbio, mas em seguida marcou viagem para o início de janeiro. Sua postura, provou, não é de alinhamento automático com o antiamericanismo da atual política externa.

Dilma já está no comando, também, quando nomeia um Ministério à imagem e semelhança do presidente Lula, com a recondução até injustificada de alguns nomes impostos para preservar posições do presidente que deixará o cargo, mas faz intervenções de grande significado. Como, por exemplo, o controle que demonstra ter sobre o PMDB. Dilma entregou lotes do governo aos partidos mas deixou o PMDB, de onde saiu seu vice, menor do que o partido imagina ser.

A expectativa do partido era enorme tendo em vista a parceria de primeira hora. O PMDB tinha, no governo Lula, seis cargos de ministros, bons de verba, poder e produção de voto, entre eles os da Integração Nacional e das Comunicações, por exemplo. E a divisão estava equilibrada entre as bancadas do Senado e da Câmara. Sai da composição para o novo governo Dilma desbalanceado.

O senador José Sarney é dono de um ministro do Senado, Edison Lobão (Minas e Energia), e um da Câmara, deputado Pedro Novaes (Turismo). Tomou, sem reação, uma das vagas que não eram do seu lote. Moreira Franco, que o vice-presidente eleito e presidente do PMDB, Michel Temer, queria em um vistoso cargo, deve acabar aceitando a Secretaria de Assuntos Estratégicos, um posto de consolação sem poder para nada. Para quem deixou uma diretoria da Caixa Econômica Federal no governo Lula para coordenar o programa de governo da chapa vitoriosa PT-PMDB, é uma humilhação.

Como a presidente eleita conseguiu a proeza de reduzir o PMDB é algo que já merece considerações nos debates sobre a iniciação de Dilma. Avalia quem entende de seus procedimentos que a presidente percebeu o tamanho real do PMDB, menor do que imaginava ser. Ou melhor, sempre blefou que era maior. Continua dividido, uma confederação de interesses. Pode ser forte ainda na micro-política, na disputa caso a caso, especialmente no Parlamento, mas na política maior ainda não se comporta como um partido.

Os que têm estado com Dilma a descrevem numa excelente fase: discreta, fechada em casa mas conduzindo com calma as decisões, uma pessoa que tirou um peso dos ombros com o fim da campanha eleitoral. Trocou algo que não sabia fazer, a campanha, por uma atividade que acha que sabe fazer. Está segura.

Ao contrário de Lula, que encontrou todos os cargos vazios, Dilma encontrou o governo ocupado, todos querem ficar, por isso sua capacidade de nomeações é limitada. Mas não se perde por esperar, diz-se dela: está montando um Ministério Lula-Dilma para transformá-lo lentamente em um Ministério Dilma.

Em dois dias Aécio Neves passou por São Paulo, almoçou com o governador eleito Geraldo Alckmin, jantou com o presidente de honra do seu partido, Fernando Henrique Cardoso, deu entrevista de retomada política ao programa Roda Viva, e desembarcou ontem em Brasília: passou por gabinetes do seu partido, entrou na briga interna do coligado DEM para dar apoio a uma das facções em litígio, e em vários momentos desta reentrée repetiu dois adjetivos da oposição que vai fazer: propositiva mas qualificada. O significado deve aparecer na prática.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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