sábado, 11 de dezembro de 2010

Feio fazem os outros, não os EUA :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Vazamentos mostram retrato que compromete mais os aliados americanos do que Washington

Bem feitas as contas, os vazamentos do site WikiLeaks traçam um retrato muito mais feio dos parceiros/interlocutores dos Estados Unidos do que da própria diplomacia norte-americana. Salvo, claro, que ainda haja algo muito sórdido a surgir, hipótese improvável.Sei que essa sensação contraria o senso mais comum, o que talvez se explique pela minha expectativa inicial. Assim que foi pré-anunciado o vazamento, fiquei esperando algo à la Chile.

Ou seja, algo que revelasse monstruosas conspirações como a que Washington executou no Chile e acabou levando ao golpe que derrubou o governo constitucional de Salvador Allende, em 1973, e desaguou em um banho de sangue.

Explico melhor a expectativa: a participação norte-americana na conspiração está tão bem documentada nos anais do Senado que dispensa vazamentos.

Além disso, há um livro indispensável para entender toda a história, escrito pelo ex-embaixador dos EUA em Santiago, chamado Nathaniel Davis. De certa forma, é como se o embaixador fosse um precursor do WikiLeaks, tal a quantidade de revelações constantes de "Os três últimos anos de Salvador Allende".

Se autoridades revelam, voluntariamente, algo que o resto do mundo julga ignóbil, era lógico supor que papéis roubados trariam coisa muito pior, certo?

Errado. O que vazou até agora mostra funcionários norte-americanos cumprindo o dever de defender os interesses de seu país e/ou colhendo informações, que é precisamente o que fazem diplomatas de todos os países mundo afora.

Ou você esperava que diplomatas dos EUA quisessem vender aviões suecos, em vez de norte-americanos?

Conto, a propósito, história de uns dez anos atrás: liguei para alto (altíssimo) funcionário para tentar antecipar a agenda de uma iminente cúpula latino-americana, a realizar-se em Caracas.

Sua observação: "O Caldera [Rafael Caldera, então presidente da Venezuela] quer discutir corrupção mas não dá para discutir esse assunto na presença do Menem [Carlos Menem, então presidente da Argentina]".

Se um alto funcionário se anima a dizer algo do gênero a uma figura perigosa, como somos os jornalistas, morro de curiosidade por saber o que diriam os telegramas que a embaixada em Buenos Aires enviava a Brasília.

Certamente, conteriam mais pimenta do que indagar pela saúde física e mental da presidente Cristina Kirchner, como fez Hillary Clinton, segundo o WikiLeaks.

Os parceiros norte-americanos é que são pilhados em inconveniências mais graves.

Dirigentes árabes pedem, por exemplo, para "cortar a cabeça" da "serpente" iraniana, coisa que não se atrevem jamais a dizer em público com medo da reação das massas.

Ou, como relatou "El País"" nesta semana, gente graúda na Arábia Saudita dá festas regadas a álcool e mulheres seminuas, sem ligar a mínima para a polícia da moral e dos bons costumes, porque protegida pela presença de um dos 10 mil príncipes do reino.

Autoridades brasileiras também foram pilhadas vociferando contra os EUA em público e alisando-os em privado. O relato dessas conversas -e das outras- é apenas o espelho que mostra faces desagradáveis.

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