domingo, 5 de dezembro de 2010

Livro revela capitalismo de compadres no país

DEU EM O GLOBO

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. O maior mérito do livro "Capitalismo de laços", do professor Sérgio Giovanetti Lazzarini, do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper, antigo Ibmec SP), é documentar, de forma acadêmica, aquilo de que os estudiosos de políticas industriais no Brasil já suspeitavam: o compadrio entre o governo - por meio de BNDES e fundos de pensão de estatais - e grupos privados no controle de grandes empresas como Vale, Embraer e Oi. O livro, que será lançado amanhã, é fruto de seis anos de pesquisa com 804 empresas.

Lazzarini aborda o início do programa de vendas de estatais no governo FH (1996), o fim do processo de privatização (2003) e os lançamentos de ações, as fusões e aquisições do período Lula (o estudo termina em 2009). Em um universo de 624 companhias, o governo manda em 119, em parceria com empresas ligadas entre si por laços diretos e indiretos, conceito batizado de centralidade de poder. Os eleitos privados mudam com o tempo ou se consolidam: Benjamin Steinbruch (CSN) e Julio Bozano (Embraer) estavam no início das privatizações; hoje Eike Batista (EBX) e Joesley Batista (JBS) participam dos projetos de Lula. Há ainda conglomerados financeiros (Bradesco e Itaú Unibanco), empresariais (Votorantim e Camargo Corrêa) e bancos de investimento (GP e Opportunity).

Em 13 anos, poder dos fundos de estatais disparou

Mas o que surpreende em "Capitalismo de laços" é a ascensão dos fundos de pensão ligados a estatais - em especial Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobras; Funcef, da Caixa Econômica Federal; e Funcesp, da Cesp - a principais atores do capitalismo de compadrio praticado no Brasil. O epicentro dos projetos são os empréstimos e participações do BNDES. Os fundos, em primeiro lugar, e depois o BNDES, explica Lazzarini, funcionam como "conectores" dessas aglomerações empresariais, escolhendo parceiros e vetando outros nos projetos do governo.

- A Previ está no controle de 78 empresas, a Petros, na de 31, a Funcef, em 18, e a Funcesp, em 14. Os fundos foram incluídos no capitalismo de laços no governo FH para viabilizar os leilões. Só que os conflitos nos grupos de controle de algumas dessas empresas, especialmente nas telefônicas, com a participação do Opportunity de Daniel Dantas, transformaram os fundos em atores mais agressivos, dispostos a participar não apenas como acionistas passivos, mas como administradores das empresas - diz Lazzarini.

De 1996 a 2009, os fundos de estatais foram o grupo que mais poder ganhou no país, segundo o livro. De 1997 a 2008, o valor dos investimentos em ativos de risco (principalmente ações) deles mais que quadruplicou, passando de R$27,3 bilhões a R$127,5 bilhões, enquanto os fundos de pensão de empresas privadas assumiram postura conservadora, investindo em renda fixa.

A centralidade (capacidade de ser proprietário e estar conectado com um grande número de proprietários) dos fundos de estatais era 224% superior à média das empresas brasileiras em 1996, segundo o estudo. Em 2009, atingiu 936%. Na era Lula, a agressividade dos fundos de pensão chegou ao auge.

Segundo Lazzarini, como o alto escalão das estatais envolve "pessoas de confiança" (leia-se: integrantes da coalizão política reinante), que apontam a diretoria dos fundos, logo se estabelece um canal de influência do governo sobre estes. "Esse entrelaçamento é maior quando a coalizão política do governo tem penetração junto a sindicatos e associações de trabalhadores, como foi o caso do governo Lula", resume o livro.

"Associando-se aos fundos em determinado contexto societário, tornou-se possível confrontar outros acionistas, cooptar aliados ou aumentar a voz na decisão da empresa. Adicione-se a isso o fato de fundos atuarem em uníssono (seus analistas e gestores comunicam-se com frequência) e representarem um importante canal de comunicação com o governo", diz o livro.

A prática, segundo o pesquisador, tem lados positivos e negativos. A vantagem é a garantia de financiamento barato para os projetos e a redução dos riscos. O problema, além do clientelismo, é a manipulação de estatais para fins políticos, com comprometimento de seu lucro. Justamente por isso muitas das empresas que têm fundos como acionistas, bem como seus parceiros privados, estão nas listas de maiores contribuintes do partido no governo e de políticos ligados a ele, como foi o caso de Lula nas eleições de 2006.

Presidente da Funcef discorda de pesquisador

Guilherme Lacerda, presidente da Funcef, não concorda com Lazzarini. Ele diz que a fundação tem liberdade para recusar sugestões de investimento:

- Os fundos têm presença em muitas empresas, não há compadrio nisso. Temos participação em mais de 80 empresas porque acreditamos no futuro dos projetos, não por indicação de governo.

O BNDES disse que não se pronunciaria sobre o assunto. Previ, Petros, Funcesp, Camargo Corrêa, Itaú e grupo Jereissati não responderam aos pedidos de entrevista. A Votorantim afirmou em nota que sempre apostou no desenvolvimento do Brasil.

"Os fundos de pensão das estatais foram e provavelmente continuarão sendo instrumentos políticos do governo - qualquer governo", diz Lazzarini.

Conglomerados conquistam influência

SÃO PAULO. O professor Sérgio Lazzarini gosta de chamar, seu livro "Capitalismo de laços" de "Facebook do empresariado brasileiro". O governo, seja através do BNDES e dos fundos de pensão ligados a estatais, é o que mais tem conexões com outras instituições. Mas o setor privado ganha influência, especialmente entre as famílias donas de conglomerados financeiros e industriais tradicionais. De 1996 a 2009, por exemplo, os grupos privados que mais ganharam influência no mapa empresarial nacional foram a Participações Morro Vermelho (do grupo Camargo Corrêa), o Opportunity (Daniel Dantas e família), os grupos Itaú Unibanco (famílias Moreira Salles, Villela e Setúbal) e os Ermírio de Moraes, com a Votorantim.

Na lista, em oitavo lugar aparece o banco JPMorgan Chase, uma exceção à regra, admite o próprio Lazzarini. "Os dados não suportam a ideia de que aumentou a influência relativa do capital internacional com os eventos de reestruturação da economia após a década de 90. Os dados mostram o contrário: os principais atores centrais continuam sendo, com crescente importância, entidades ligadas ao governo e alguns grupos locais", diz o pesquisador. "A realidade é que o poder, muitas vezes, não está na empresa estrangeira que entra, mas na empresa local que é amplamente conectada à economia".

Na lista de empresas que mais controlam outras no país hoje surge um nome relativamente pouco conhecido do jogo de poder empresarial brasileiro: a Fama Investimentos, que controla nove companhias junto a gigantes como Votorantim e grupo Jereissati. O Fama é um fundo de investimentos bastante agressivo, fundado em 1993, que define assim sua estratégia: "Sempre compramos negócios (e não simplesmente papéis) com a postura de acionistas investidores, participando, sempre que possível, das assembleias e dos conselhos fiscais das empresas investidas". Seu diretor, Mauricio Levi, não quis se pronunciar alegando que não havia lido o livro. (Gilberto Scofield Jr.)

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