segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Mesa farta, mas sem lugar para todos:: Cristian Klein

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Difícil ser oposição. No banquete de cargos do governo federal, fica como gato magro do lado de fora do restaurante. Agora, quem diria, até o Partido Social Cristão (PSC), cujo símbolo é um peixe, quer lugar à mesa. Seu pedido é a criação de uma inventiva e azeitada secretaria de segurança de trânsito.

A gordura acumulada nos últimos anos lhe dá pretensões de comensal. O PSC é o partido que, de longe, teve o maior crescimento na Câmara dos Deputados. Aumentou nada menos do que 1.600% nas últimas três eleições. Elegeu apenas um deputado, em 2002; sete, em 2006; e agora fez 17 parlamentares. A próxima bancada terá um nome a mais do que já conta a legenda, que inchou com adesões, mas confirmou nas urnas o novo peso eleitoral.

O PSC ultrapassou, de uma só vez, três agremiações que há anos estão no cenário principal da vida política nacional: o PCdoB (15 deputados), o PV (15) e o PPS (12). O partido reclama de que existem partidos "da base" e "à base" de pão e água, e que não consegue emplacar nem um contínuo. O PCdoB, por exemplo, aliado histórico do PT, ocupa o Ministério dos Esportes. O PSC é candidato a mais uma boca faminta a ser alimentada no ninho governista.

Enquanto isso, outros convidados se dão ao luxo de dispensar convite para assumir ministérios devido a razões no mínimo duvidosas.

É o caso do ex-governador do Amazonas e senador eleito Eduardo Braga (PMDB). Teria dito "não, obrigado" ao ser ofertado com a pasta da Previdência porque o governo não apresentou, durante a campanha presidencial de Dilma Rousseff, programa de reforma para a área. Para ele, as discussões de ministérios são puramente partidárias e não se detêm em métodos e objetivos claros. Seria um ótimo caminho, a negociação em termos de programas. Mas qual é mesmo a proposta do ex-governador para a Previdência? Ficamos sem saber.

A recusa de Braga sugere uma mistura de ingredientes, como o cálculo político, levados à fogueira das vaidades. Seu principal adversário no Estado, Alfredo Nascimento (PR), foi agraciado e voltará à pasta de Transportes - de muito maior orçamento, número de cargos e visibilidade - o que ele próprio cobiçava. Não pegaria bem aceitar um ministério de consolação. Deu-se por insatisfeito e se pôs entre os primeiros da fila para as substituições que, de certo, virão. Ou para outros tipos de recompensas.

Já o senador reeleito Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou motivações nobilíssimas para recusar o novo Ministério das Micro e Pequenas Empresas. Aos olhos da sociedade, argumentou, sua ida para a pasta poderia parecer uma armação para que seu suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, assuma sua vaga no Senado - o que faz parte dos planos da presidente eleita Dilma Rousseff. A convicção do parlamentar, porém, é maleável. Informou que estudaria outra proposta, desde que melhor, como um ministério de orçamento polpudo e já estruturado. Construir do zero dá muito trabalho. Ao contar com a vontade do governo de fazer Dutra senador, Valadares aposta alto. Espera ser cortejado e atendido. Virou a prima dona da transição.

Mas a liga que se tenta alcançar neste caso, diga-se, não deixará de ter o gosto azedo da burla feita com um dos expedientes mais obtusos: a chegada de suplentes sem votos à Câmara Alta. Uma ampla reforma política no país pode ser, ao contrário do que se imagina, altamente contraproducente - pela grande chance de a emenda sair pior que o soneto. Mas uma solução que dê fim aos senadores biônicos é ponto praticamente consensual. Cerca de um terço do Senado tem sido composto por este tipo de representante que não representa nada. Geralmente são financiadores de campanha ou parentes dos candidatos.

Dutra é um quadro importante da política nacional, presidente do PT, mas sua entrada no Senado desta forma diminuiria sua trajetória, em vez de lustrá-la, e também a do partido que preside.

Seja como for, quem ficou menor mesmo foi o PMDB. A má condução de suas demandas no início do processo de negociação do novo ministério é responsável, obviamente, pela sua desidratação. O partido confiou demais em seu poder intimidador. Ensaiou até a criação de um blocão que empurraria contra a parede uma presidente recém-eleita sem o mesmo carisma e simbolismo do atual mandatário. Dilma não é Lula, de fato. Mas pela novidade de ser mulher, literalmente um simbolismo de outro gênero, pôde saltar e dar o seu tom. Menos cordial e mais de inspetora que põe ordem na casa. Foi o momento de se impor à turma do PMDB. Dilma não piscou.

Mas como regra da política, e por que não da vida, determinado comportamento pessoal só tem condições de aflorar dependendo de situações institucionais propícias. A redução do peso do PMDB no próximo governo condiz com os resultados das urnas.

A sigla que elegera 89 deputados federais, há quatro anos, fez dez a menos agora. Encolheu 11,2%. Seus deputados estaduais, que eram 166, passaram para 147. Uma queda de 11,4%. Os sete governadores eleitos em 2006 darão lugar a apenas cinco. O eleitorado governado, que era de 22,8%, passará a ser de 15%,1%. Para os pemedebistas, o ano de 2010 não foi realmente uma boa safra eleitoral, ainda que tenha emplacado o vice de uma chapa presidencial vitoriosa.

Mesmo assim, a fome é de anteontem. Caciques como Renan Calheiros já deram o recado de que mais pressão virá pela frente. "Treino é treino, jogo é jogo", disse o senador de Alagoas, insinuando que a maior presença do PMDB no governo será fundamental quando o time de Dilma entrar em campo e passar por dificuldades. E de onde viria o sufoco? Da esquálida oposição, que assiste a tudo lembrando dos tempos em que se servia nas mesas fartas de poder? Improvável. Na nova fase da política brasileira, talvez pela primeira vez na história recente, os conflitos virão mais de dentro do que de fora do governo.


Cristian Klein é repórter de Política. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente

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