sábado, 11 de dezembro de 2010

O Brasil na beira? :: Thomas E. Skidmore e James N. Green

DEU EM O GLOBO

Há quarenta e quatro anos, alguns generais ansiosos em colaboração com uns políticos inquietos derrubaram o governo de João Goulart. No momento, eles gozavam o apoio dos defensores da Guerra Fria e do embaixador americano Lincoln Gordon no seu empenho exitoso.

Proclamaram que o Brasil estava à beira de um golpe comunista. Mas, o seu nêmese verdadeiro era o fantasma de Getúlio Vargas, que ainda assombrava os generais e certos civis uma década depois da sua partida do Brasil (e deste mundo) do seu dormitório no Palácio de Catete.

Por que membros das Forças Armadas e seus apoiadores ficaram tão perturbados com Vargas e os seus herdeiros?

Porque Goulart e companhia favoreciam um plano de desenvolvimento para expandir a produção da industria nacional? Porque ocasionalmente eles se desviavam da política de Washington? Porque eles ofereceram benefícios concretos, mesmo sendo modestos, para os trabalhadores urbanos e outros setores do povo?

Os militares disseram que o seu plano original era de fazer uma rápida intervenção na vida política nacional. Procuraram comunistas e a corrupção. Quando não os encontravam, perseguiam estudantes. Eram mais eficientes em encontrar e eliminar pequenas bandas de guerrilheiros, que supostamente ameaçavam a segurança nacional. No processo estabeleceram o padrão internacional para o uso de tortura na América Latina.

Os presidentes de cinco estrelas insistiram em ficar no poder e demoraram demais para devolver o país.

Entre os vários motivos que incentivaram os generais a voltar aos quartéis nos meados dos anos 80 estava um dirigente sindical, que encabeçava uma onda de greves contra o arrocho salarial. Ele alcançou uma proeminência nacional e, depois de quatro tentativas, a Presidência da República, com um programa que não era muito longe daquele defendido por Vargas e seus herdeiros, mesmo que poucos hoje em dia reconheçam este fato.

E ele vai sair do Palácio do Planalto com uma popularidade que chega a 83 por cento. Menos que cinco por cento dos cidadãos brasileiros consideram que os seus oito anos no poder têm sido ruins. É difícil um político gozar deste tipo de apoio popular.

Indicando sua sucessora, que aparentemente é uma administradora eficiente, a popularidade de Lula e o desejo do eleitorado de seguir o rumo dele solidificaram uma vitória no segundo turno.

No entanto, observando a eleição de fora, parece que a campanha recente quis conjurar espíritos dos tempos passados.

Políticos da direita insistem em evocar antigos medos das classes médias. Não é somente o fato que um pobre nordestino assumiu a presidência, mas agora os nordestinos, eles dizem, têm o poder de escolher o presidente sozinhos. (Esta noção, que se tornou senso comum, ignora o fato de que Dilma recebeu um apoio substancial em São Paulo e no Sul).

Mais de quatro décadas atrás, a Tradição, Família e Propriedade mobilizou os fiéis para deter os comunistas, alegando que estes destruiriam o país. Hoje em dia, forças conservadoras de uma maneira parecida tentam causar ansiedade a respeito da nova presidente.

Em 1964, o Partido Comunista estava muito longe de tomar o poder. Quase meio século depois, os remanescentes no Partido Popular Socialista apoiaram José Serra, que também não logrou conquistar o palácio presidencial depois de duas nobres tentativas mal-sucedidas. Parecia que os seguidores de Luís Carlos Prestes finamente tinham encontrado uma burguesia nacional disposta a abraçá-los.

Quem poderia imaginar que um ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, que veementemente defendia as reformas de base em 1964, na véspera do golpe, poderia aliar-se com os descendentes tanto da União Democrática Nacional de Carlos Lacerda quanto da Aliança Libertadora Nacional?

Quem poderia adivinhar que um ex-guerrilheiro, hoje em dia um determinado defensor do Partido Verde, apoiaria os sucessores da Arena?

Quem poderia imaginar que um ex-membro de Política Operária (Polop), a alternativa radical ao moderado Partido Comunista nos anos 60, se tornaria a presidente do Brasil e ofereceria um programa amenizado, mais parecido com os princípios da social democracia alemã do que as ideais de Rosa Luxemburgo?

Quem poderia pensar que uma mulher com uma ficha no Dops e uma sentença de três anos na prisão por ter violando a Lei de Segurança Nacional ganharia o apoio da maioria da população brasileira?

Agora as Cassandras e os Jeremias estão prevendo que o Brasil, mais uma vez, está à beira da sua destruição. A perspectiva histórica e a opinião de alguns historiadores levam a outras conclusões.

É pouco provável que a nova maioria de 60 por cento no Congresso aprove uma lei para limitar as remessas de lucros para o exterior como a legislação proposta pelo governo de Goulart no começo dos anos 60. Os bancos estrangeiros e as grandes empresas prosperaram durante o governo de Lula e têm poucas razões para se preocuparem com a nova administração de Dilma.

É verdade que talvez seja mais difícil encontrar uma boa empregada ou um porteiro honesto quando as classes pobres têm outras opções para melhorar as suas vidas. Mas talvez isto seja o preço a pagar para ser um pais desenvolvido.

Se a economia mundial não der uma reviravolta catastrófica, é possível que o Brasil realmente assuma o seu lugar no palco internacional, como os seus torcedores sonham há tantos anos.

Parece que o governo brasileiro está à beira de responder seriamente à desigualdade social que ainda divide o país entre os ricos e os pobres. Mas quem sabe? A historia do Brasil é sempre cheia de surpresas.


THOMAS E. SKIDMORE é professor emérito de história da América Latina da Universidade Brown (EUA). JAMES N. GREEN é professor de história da América Latina e estudos brasileiros na Universidade Brown.

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