sábado, 4 de dezembro de 2010

O futuro do PSDB na oposição ao governo Dilma :: Bolivar Lamounier - segunda parte

Modelo de organização – muito cacique pra pouco índio

Outra percepção negativa dos eleitores em relação ao PSDB é a de um partido de “caciques”.

Absorvidos numa perpétua disputa de egos e projetos individuais, todos deixam em segundo plano a construção do partido enquanto tal.

A disputa entre José Serra e Aécio Neves pela candidatura presidencial e a frustração por Aécio não aceitar a posição de vice com certeza agravaram essa percepção.

Trata-se também aqui de uma questão complicada, com vários componentes. Há, em primeiro lugar, certa tendência a medir o PSDB pela régua do PT. Assim, o que deveria ser visto como sinal de vitalidade – um partido com dois ou mais aspirantes viáveis à presidência - passa a ser visto como sinal de fraqueza.

No sentido inverso, o PT passa a ser “admirado” por sua agilidade (ou verticalidade) decisória, que só existe em razão do domínio da organização pela figura individual de Lula.

A eleição deste ano está bem viva na memória de todos. O “dedazo” de Lula não se limitou à invenção de Dilma como candidata. Em vários estados – Minas Gerais e Maranhão, por exemplo -, os petistas foram obrigados a digerir sapos assaz indigestos .

O que essa verticalidade decisória expressa é evidentemente a total dependência do PT em relação a Lula – um grande líder, quanto a isso não há dúvida -, o primeiro e único aspirante viável à presidência que o partido produziu em seus trinta anos de história.

Em partidos democráticos, sobretudo nos que tenham produzido uma segunda geração de líderes, a cúpula dirigente tende a ser plural. Isto é praticamente inevitável e quase sempre saudável, contanto que haja um mecanismo coletivo reconhecido e legítimo para a tomada das decisões mais importantes.

Juridicamente, o mecanismo existe: é a convenção partidária. Mas o mecanismo a que me refiro é anterior a ela. Não havendo consenso, bater chapa na convenção é o caminho mais curto para agravar os dissensos.

O que prejudicou o PSDB no período recente foi a falta de tal mecanismo. O método de tomar de decisões por meio de um pequeno grupo de “notáveis” foi posto em questão a partir de 2006, após sua primeira grande falha e na esteira da derrota de Alckmin para Lula na eleição presidencial.

O problema é portanto o mecanismo. Se, como parece, o colégio de notáveis deixou de ser adequado, o partido terá de inventar outro.

Outro problema, não menos importante, é o modelo de organização. Num eleitorado de grandes dimensões, como o brasileiro, a maioria não atina com este assunto. Mas ele é relevante para os eleitores mais politizados e ideológicos, que tendem a projetar no partido os ideais e anseios que nutrem a respeito da própria democracia.

Para muitos adeptos do PSDB, o problema é o partido não ser “ainda” um PT. Consciente ou inconscientemente, tais eleitores parecem desejar um partido que seja uma antítese ideológica do PT, mas que se pareça com ele em tudo o que se refere à organização: verticalidade, disciplina, militância, penetração nos mais variados grupos sociais, base sindical e corporativa etc.

Dessa forma, eles olham para o PT não como algo diferente, um indivíduo de outra espécie, mas como um exemplar mais desenvolvido da mesma espécie: um modelo (no que tange a organização) a ser atingido.

Esse raciocínio envolve um sério equívoco. Construir uma organização semelhante à do PT é uma empreitada fadada ao fracasso, mas esse nem é o ponto mais importante. A questão é que isso não é desejável.

Sim, o PSDB precisa de uma organização permanente, maior, mais ágil; precisa se capacitar para exercer de fato o papel de oposição e se preparar para as próximas disputas eleitorais. Mas entre fazer isto e emular a estrutura petista, vai uma grande distância.

Como organização e até certo ponto como ideologia, o petismo conserva traços incomodamente semelhantes aos de certos partidos não democráticos – de esquerda e de direita.

Um desses traços é o culto da personalidade. Outro, quiçá pior, é o simplismo (pobres versus elite, por exemplo) ao que tudo indica deliberado que o PT estimula, transformando questões sérias num catecismo ideológico que ele possa levar a todos os nichos da sociedade. E não preciso me estender sobre práticas de aparelhamento, violação de dados sigilosos e outras que já chegaram abundantemente ao conhecimento público.

Resumindo, a disjuntiva que o PSDB cedo ou tarde precisará enfrentar não é entre um partido de notáveis como os de um século atrás, de um lado, e um modelo de penetração e arregimentação como o do PT, do outro. Entre esses dois extremos, há opções eficazes e mais consentâneas com a democracia.

Lições da eleição presidencial

A título de conclusão, mencionarei brevemente dois pontos que não posso desenvolver a contento neste artigo.

Do ponto de vista do PSDB, um dado importante da eleição presidencial foi a presença de uma base (pena não termos uma tradução adequada para o inglês “constituency”) tucana facilmente reconhecível como tal ; os 44% dos votos dados a Serra são clara evidência disso.

Com todas as restrições que a referida base pudesse ter ao partido ou ao candidato, o fato é que ela compareceu, votou, renovou seu apoio. Não veio por gravitação, veio por querer o robustecimento do partido em função de seu programa e como antítese ao lulo-petismo.

Em termos programáticos, o ponto-chave é incorporar de maneira efetiva o legado do governo Fernando Henrique. Em regiões e áreas específicas de atuação, numerosos prefeitos, governadores e parlamentares tucanos têm muito a mostrar.

Mas em nível nacional, o PSDB se confunde praticamente com o governo Fernando Henrique.

A estabilização, as reformas, a renovação das políticas sociais e – não menos importante, a postura de seriedade e probidade daquele período – são a memória, a identidade, o capital político, enfim, do PSDB. No plano nacional, não há outro.

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