sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O pemedebismo na Esplanada de Dilma:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A montagem ainda está no meio do caminho, mas define-se, até aqui, pelo que não é. O ministério da presidente eleita, Dilma Rousseff¸ não tem empresário e banqueiro bem-sucedidos, jurista de renome, cantor popular ou ambientalista de trânsito internacional.

O fato de ter sido eleita por um dos brasileiros mais populares da história talvez tenha respaldado a decisão de não buscar fora da política tradicional nomes que dessem verniz ao seu governo.

Oito anos atrás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreenderia petistas ao convidar um banqueiro tucano (Henrique Meirelles) e duas lideranças empresariais (Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan) para a Esplanada.

Enquanto o presidente operário buscava ampliar sua legitimidade eleitoral, sua sucessora, igualmente eleita em segundo turno, optaria por um funcionário de carreira para o Banco Central (Alexandre Tombini), manteria um deputado pemedebista (Wagner Rossi) na Agricultura e seu amigo petista de mais longa data para o Desenvolvimento (Fernando Pimentel).

A relação de confiança também parece ter sido o mote na Justiça. O deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT) não tem uma fração do trânsito de Márcio Thomaz Bastos junto à toga ou aos escritórios de advocacia, mas conquistou, ao longo da campanha, relação de cumplicidade com Dilma.

Ainda não há definição para a Cultura ou o Meio Ambiente, mas as cogitações não vão pela rota da fama que levou Lula a Gilberto Gil e Marina Silva.

Os novatos da Esplanada de Dilma ainda precisarão mostrar serviço para que se possa julgar se ofendem a meritocracia, mas certamente não foi este o critério que presidiu a escolha do deputado pemedebista Pedro Novais para o Turismo ou Moreira Franco para a Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Das 37 pastas com status ministerial, 23 estão escolhidas. Onze delas estão com o PT, outras seis com o PMDB, uma com o PR, mais uma com o PDT e quatro com titulares sem partido.

Ao levar personalidades com trânsito na oposição para seu governo e adotar as políticas respaldadas pelo mercado desde o Real, Lula começava a operação desmonte da polarização entre PT e PSDB. Essa operação foi completada com o ingresso em bloco do PMDB no segundo mandato.

Em ensaio publicado no último número da revista "Piauí", Marcos Nobre mostrou como a genealogia do pemedebismo minou as bases dessa polarização. Foi pela atração do centro pemedebista que Lula deu base política a uma ordem econômica que não desafia o mercado, controla a dívida pública e mantém o juro alto.

O pemedebismo, chave com que Nobre explica a era Lula, permitiu que o país se arranjasse ao que chamou de novo pacto de desigualdade do Real - com políticas distributivas incrementais e o adiamento de soluções definitivas.

Seu motor é um partido que se move pela lógica do veto a tudo que ameace seus postos de poder. São interesses espraiados por Estados cuja autonomia foi comprometida pelo acordo das dívidas e a Lei de Responsabilidade fiscal. Das urnas de 2010 saiu em terceiro lugar com cinco Estados periféricos à exceção do Rio.

Os seis ministérios que terá servirão de contrapeso à presença desidratada na Federação. Perdeu a Integração Nacional e as Comunicações, mas ganhou o Turismo, cuja rubrica de investimentos, além de ter sido uma das que mais cresceram sob Lula também abriga pontes, praças e centros culturais e esportivos que fazem a festa das emendas parlamentares.

Na Agricultura, o PMDB mais ligado ao vice-presidente Michel Temer também estará aparelhado para acomodar seus interesses encastelados nas fronteiras agrícolas. Com uma Previdência arrumada mais pela administração do que pela numeralha atuarial, pode dar lustre à imagem de um partido disposto a encarar o bônus e o ônus de ser governo.

Mas nenhum ministério é tão representativo do eixo ocupado pelo PMDB na era Lula quanto o de Energia. Dilma só virou ministra quando o acordo com o partido no início do primeiro mandato fracassou. Ao deixar a Pasta rumo à escalada que a levaria à Presidência, o partido dela se assenhorou para não mais largá-la. Ao gerir o setor em sintonia com Dilma, a banda sarneysista do PMDB assegura sua reprodução no poder.

É com base nessas sentinelas da Esplanada que devem ser acomodados os irrequietos interesses das bancadas parlamentares pemedebistas.

O PMDB vai ser decisivo à disputa que já se inicia tumultuada pela presidência da Câmara e que reflete, mais uma vez, falta de sintonia entre o crescimento do PT e seu amadurecimento parlamentar. É dessa disputa que o PMDB deve tirar, mais uma vez, o combustível dos próximos quatro anos - temporada, diz Marcos Nobre, que será de bonança, desigualdade e pequena política.

O mandato de Dilma se inicia sob delicada injunção militar. Ao imbróglio dos caças, que se arrasta desde FHC, soma-se a presença por tempo indeterminado das Forças Armadas nos morros do Rio e a decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que confronta o entendimento do Supremo sobre a Lei da Anistia.

Ao condenar o Brasil pelas mortes no Araguaia, a OEA deixará Dilma numa encruzilhada: se negar o cumprimento da decisão, pode levar o país a sofrer sanções; se acatá-la, pode ser vista na caserna como revanchista.

Esse embate ocorrerá no momento em que Dilma terá que decidir sobre o futuro dos militares nos morros antes que a corrupção do tráfico os dizime.

Professor da Universidade Federal de São Carlos e diretor da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, João Roberto Martins Filho diz que a situação desrespeita a Constituição pelo tempo indeterminado e pela subordinação de militares a civis.

A entidade que também é composta por militares reformados da Marinha e da Aeronáutica, divulgou nota em que contesta a atuação no Haiti como inspiração à presença das Forças Armadas nas favelas cariocas e alerta para o risco à democracia. "O governo Lula cedeu à pressão da opinião pública e termina com um erro muito grave", diz Martins.


Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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