segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A vantagem da política no atacado:: Cristian Klein

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Poucos momentos são tão desfavoráveis aos céticos do peso dos partidos na política brasileira do que o atual. Na discussão sobre os escolhidos que formarão o próximo governo, é curioso como essas organizações desacreditadas prevalecem como balanças para a distribuição de cargos e ministérios. Fala-se de partido o tempo todo. A cota do PMDB é de cinco ou seis; a do PSB é de dois ou três; o PR, que quase dobrou o tamanho de sua bancada na Câmara, manterá sem problema sua parte no latifúndio. Depois, dão-se nomes aos bois, aos indicados pelas legendas.

A bem da verdade, antes do anúncio final, tome relatos indiscretos sobre detalhes palpitantes da vida interna de entidades geralmente tidas como vazias, amorfas, meras siglas sem sentido. Mostra-se a correlação de força intestina, como atender à miríade de tendências do PT, como saciar o apetite das duas bandas do PMDB (a da Câmara e a do Senado) etc. Enfim, contradiz-se cotidianamente a percepção arraigada de que a política brasileira é dominada pelo personalismo, pela influência de grupos de interesse, de financiadores de campanha, tudo, menos pelos partidos.

O imbróglio em torno da escolha do ministro da Saúde, na última semana, é exemplar. Achando-se no direito de indicar seu secretário da área para a pasta federal, o governador do Rio, Sérgio Cabral, meteu os pés pelas mãos ao anunciar precipitadamente a ida de Sérgio Côrtes para o ministério. Seu partido, o PMDB, reivindica até cinco pastas. Ninguém tem mais cacife eleitoral do que Cabral na legenda - foi reeleito com 5,2 milhões de votos. Ninguém na sigla ostenta interlocução tão direta com o presidente da República e sua sucessora. Mas Cabral, que não fala em nome do partido, foi desautorizado por Dilma Rousseff. A negociação deveria passar primeiro pela direção do PMDB, por Michel Temer, vice de Dilma, um deputado federal que, em 2006, teve apenas 99.046 votos, mas preside a maior máquina eleitoral do país.

Como explicar, então, o descompasso entre a visão disseminada - a de que os partidos não importam - e essa estranha realidade?

A primeira resposta, mais direta, é que, apesar do descrédito que despertam, ainda não foi encontrado um substituto à altura dos partidos para exercer suas funções numa democracia. Difícil imaginar a transferência periódica de poder, de modo pacífico, de um grupo para outro, sem seu intermédio. Ou até mesmo dentro do grupo, como é o caso da atual coalizão governista. O apoio eleitoral conquistado mede o tamanho do partido e serve de critério para o espaço a ser ocupado.

Em segundo lugar, boa parte do rebaixamento que as agremiações políticas sofreram tem a ver com apenas uma de suas faces. Partidos costumam ser divididos em três dimensões: partido como organização, partido no eleitorado e partido no governo.

De fato, enquanto organizações burocráticas, com extenso número de filiados, os partidos já não têm a exuberância de antigamente. O fenômeno, longe de ser particular, é mundial e tem como uma de suas origens a concorrência do rádio e da TV como fonte de formação e informação política.

Mas nas outras duas frentes - como atalhos para agregar as preferências dos eleitores e como atores para formar e sustentar governos - os partidos ainda têm importância indiscutível. Ou pelo menos quase. Como no Brasil.

Aos poucos, o papel dos partidos brasileiros como eixos fundamentais para a governabilidade vai sendo reconhecido. A ideia de que o presidente da República seria refém de um amontoado desconexo de parlamentares que fariam barganhas individuais já está ultrapassada. Negociar no atacado, com o partido - ou com mais de um, como é o caso das composições em moda, de bloquinhos e blocões - já se mostrou estratégia muito mais eficiente do que trocar apoio no varejo.

O que é mais arriscado dizer é que os partidos brasileiros têm relevância também na arena eleitoral. Devido às regras de votação, o sistema proporcional de lista aberta, pelo qual os eleitores votam em candidatos, o âmbito da escolha de representantes é tido como o reino do individualismo. Para obter votos, os políticos precisam acima de tudo cultivar uma reputação pessoal e muitas vezes em concorrência com colegas de legenda. Num ambiente do cada um por si, os partidos seriam meros cartórios de registro de candidatura.

Essa é a visão mais imediata, que não leva em conta, no entanto, outros mecanismos que estruturam e fazem dos partidos atores não desprezíveis também na busca pelo voto. É o caso do tempo de rádio e TV a que os candidatos têm direito. Seu critério de distribuição é o tamanho das bancadas dos partidos na Câmara, o que influencia todos os cálculos das alianças eleitorais e, logo, o jogo de força no tabuleiro.

É o caso da fórmula que transforma votos em poder, ou seja, em cadeiras parlamentares, nas eleições proporcionais. O primeiro critério é a distribuição aos partidos. Cada vaga obtida no Parlamento corresponde a um quociente eleitoral, que funciona como o "preço" da cadeira legislativa (resultado da divisão do total de votos válidos pelas vagas em disputa). Pois apenas 6% dos candidatos, em média, conseguem pagar esse preço sozinhos. Os demais 94% dependem dos votos dados ao bolo do partido ou da coligação. Michel Temer, em 2006, foi um deles. Seu mandato, aliás, só foi alcançado pelas sobras de votos, ou seja, uma espécie de repescagem na divisão das vagas.

Temer pode ter tido poucos votos. Sempre foi fraco no campo eleitoral, mas cresceu com desenvoltura na arena governamental.

Seu apelo, agora, no momento crítico do cabo de guerra pelos ministérios, em que pede a unidade de ação do PMDB, faz parte, obviamente, de seu esforço de exercer comando numa legenda habituada a ser uma federação de líderes regionais. Mas também é a aplicação prática de quem entende como o sistema funciona.

A história do PT serve de lição. O partido que a partir de 1º de janeiro terá sido o que por mais tempo esteve à frente da Presidência da República sempre preferiu agir em grupo. O custo de organização é alto. Mas a recompensa também.


Cristian Klein é repórter de Política. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente

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