sábado, 2 de janeiro de 2010

Mauro Chaves :: Acreditar

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Neste comecinho de ano, muitos arrastam seu caminhão repleto de esperanças por uma estrada esburacada de decepções. Decepção quanto à demolição de valores a que se assiste na vida pública brasileira, na qual as ambições e os interesses individuais sufocam qualquer perspectiva de engajamento em benefício real da sociedade. Decepção quanto ao desprezo ao esforço do aprendizado e ao reconhecimento do mérito, já que o que mais vale, para crescer e ter as melhores oportunidades, é ligar-se às panelas de apaniguados e manipular o tráfico de influência.
Decepção quanto à facilidade com que se diz e desdiz, se condena e se absolve, se repudia e se bajula, como se os que ouvem afirmações - ou as assistem ao vivo e em cores - não tivessem capacidade alguma de retenção, de memória e muito menos de juízo moral. Mas, apesar de tudo, o negócio é acreditar.

Acreditar que ainda existem pessoas públicas decentes neste país - e que nem tudo o que existe se vê. Acreditar que há quem se preocupe, de fato, em diminuir a dor dos que sofrem, tanto quanto em deixar o caminho, livre de inveja, para os que vencem. Acreditar que o meio político brasileiro não é apenas o espaço das ambições individuais descontroladas, o campo de caça das vantagens escusas ou o depósito de acumulação de prebendas. Acreditar que o cenário político é também um espaço de beneficio coletivo - desde que os cidadãos exijam que o seja. Que é uma alavanca de crescimento, de desenvolvimento, de enriquecimento comum - desde que os cidadãos exijam que o seja. Então, acreditar no poder de exigência da sociedade.

Acreditar que os que passaram mais de duas décadas fingindo ser o que nunca foram e, depois, usurparam a paternidade do que pretendiam destruir finalmente se mostrarão por inteiro, sem disfarces, assumindo ao menos parte da culpa pelo que deixou de ser feito. Acreditar que a responsabilidade do poder, que experimentaram, os fará recuperar alguns pedaços de sua antiga integridade, que o exercício do poder, que praticaram, poderá gerar-lhes algo que os entusiasme acima do simples desfrute - ou seja, o verdadeiro prazer de se colocar a serviço dos necessitados cidadãos contribuintes. Acreditar que cessará a cultura do despreparo, a arrogância da ignorância e o orgulho da insuficiência. Acreditar que o estrago ético que causaram não é irreversível e que os bons padrões de comportamento haverão de retornar ao espaço público. Acreditar que o Executivo recuperará a majestade da imagem de chefia de Estado e governo, que o Legislativo se desfará de suas quadrilhas e o Judiciário acabará encontrando a arca perdida de sua credibilidade. Acreditar, então - por mais difícil que isso seja - que acabará a impunidade.

Acreditar no efeito multiplicador dos pequenos ânimos que restam: de luta, de sobrevivência, de recuperação, de cura. Acreditar no impulso impossível, no salto que se dá do fundo do poço quando se pensa que nem dá mais para pular. Acreditar nas reservas vitais esquecidas, no pequeno estoque de energia espiritual que sobrou, mas que ainda é suficiente para provocar a maior das viradas. Acreditar naquela misteriosa capacidade de resistir, que nos faz rezar para que não nos testem, pois, se nos testarem, aguentamos. Acreditar contra a evidência de que não tem mais jeito, a descambada é irrefreável, o mergulho é abissal, o plano inclinado é mais liso do que pau de sebo e não segura nada - acreditar, então, que o plano é móvel, que antes do fim ele pode erguer-se, reverter o curso da queda, reequilibrar-se. Acreditar na possibilidade de inverter o curso da guerra, mesmo sentindo-se as defesas desbaratadas - mas ainda contando com um último baluarte. Acreditar na teimosia dos resistentes, dos não desistentes, dos que não desertam. Acreditar até no acaso, se a expectativa deste é o fator único de esperança de vitória.

Acreditar neste sistema chamado democracia, assentado em arraigadas convicções, de liberdades civis, de direitos humanos inalienáveis, de consciência de cidadania, de representatividade política, social e regional, de escolha eleitoral, de respeito ao pensamento plural, à divergência, à legitimidade de voto e voz das minorias e, sobretudo, de acato à livre expressão e ao sagrado direito à informação. Acreditar que a excrescência da censura não sobreviverá, apesar de tanto se nutrir da adiposa covardia cívica. Acreditar que a democracia é capaz de produzir instituições duradouras, à prova de sobas e tiranetes, destinadas a atravessar séculos e forjar civilizações, com já faz em algumas partes do mundo.

Acreditar que um certo arqueólogo interplanetário, em alguma remota era futura, descobrirá, num ponto do universo, um grande monumento: a imagem desta criatura chamada ser humano, tão dolorosamente frágil e finita quanto imensamente forte e extensa. Acreditar que nossa espécie não terá sonhado em vão com a transcendência e a imortalidade, pois esta já existe no esforço de permanência das sucessivas gerações. Acreditar, então, que, apesar da devastação que temos causado, do consumo predatório e alucinado, do irresponsável desperdício, das agressões incontroláveis que temos praticado ao planeta, ainda temos condições de nos disciplinarmos para o mantermos, mesmo meio capenga, girando em algum ponto do universo. Acreditar que nos manteremos nele - pelo menos até podermos nos transferir para algum outro, por perto.

Sim. Acima de tudo, acreditar no recomeço.

Feliz ano-novo.

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor.

Leandro Konder::O enigma da modernidade

DEU EM IDEIAS & LIVROS / JORNAL DO BRASIL

Livro que reabilita Marx discute a política como atividade própria do homem

Na área das ciências sociais, uma das novidades mais surpreendentes é o livro “o enigma do político”, com o subtítulo “Marx contra a política moderna”, de autoria de Thamy Pogrebinschi.

A autora mergulha fundo no texto de Karl Marx e, remando sempre contra a corrente, acentua os extraordinários méritos do pensador alemão. Na nossa época atual, não é pouca coisa alguém se dedicar a explorar as qualidades do filósofo socialista.

A idéia central exposta por Pogrebinschi é a de que em Marx se desenvolve uma crítica implicável à economia, tal como ela funciona a partir do modo de produção capitalista. Mas Marx não é hostil a um reconhecimento efetivo e radicalmente crítico dos valores políticos, no plano ontológico.

Segundo a interpretação de Pogrebinschi, há uma questão que nos desafia, a qual Marx teve a lucidez de abordar, porém não resolveu completamente em que consiste o político, como dimensão da atividade própria do gênero humano.

Quando a lógica do seu pensamento o conduz a enfrentar a questão da eliminação do Estado, fica no ar a dúvida: o que ocupará o lugar do Estado? Marx está consciente de que, extinto o Estado, os seres humanos continuarão a buscar elementos institucionais necessários à existência dos indivíduos nas sociedades.

Nas condições da modernidade, a sociedade civil opõe resistência tanto ao poder do Estado como à dinâmica perversa da associação que lhes é imposta. A divergência entre Marx e os anarquistas tem sido reconhecida como um debate que se prolonga em torno do tempo histórico da revolução: a sociedade será transformada do dia para a noite ou necessitará de todo um processo para transformá-la.

A autora empreende uma minuciosa pesquisa em torno das divergências de Marx com Bakunin. Mas seu trabalho ganha maior densidade quando se ocupa das formas de organização coletiva que os seres humanos vêm adotando em seus esforços para promover as modificações necessárias.

Para chegarem ao imprescindível comunismo, os estudos de Pogrebinschi mostra que o movimento da história surge como associação (Vereinigung) e não como união (Verein).

Por meio dessas categorias, a autora sustenta que Marx, pensando a simultaneidade da permanência e da mudança, momentos, dernidadeidade.nque Marx realizou no plano te.
anca de professores que a julgou. resgatou a categoria de superação/conservação do velho Hegel e foi capaz de esclarecer alguns aspectos significativos da concepção das transformações históricas – ao que tudo indica, um tanto graduais - promovidas de acordo com uma categoria proposta pela própria autora do livro: o desvanecimento do Estado.

Em sua origem, o livro foi uma tese de doutorado, elogiada merecidamente pela banca de professores que a julgou. Houve, porém, críticas que devem ser lembradas. È difícil enfrentar o desafio de analisar a teoria marxista do Estado, mantendo-se sistematicamente à margem dos escritos de Antonio Gramsci (e isso numa banca da qual participava o filósofo Carlos Nelson Coutinho, grande conhecedor da obra do marxista italiano).

Os leitores mais experientes também sentirão falta de uma contextualização das idéias de Marx que foram sendo, em alguns momentos, retrabalhadas pelo próprio Marx. A autora brasileira teve a perspicácia de aproveitar a contribuição do jovem Marx, mas não teve a precaução de assinalar pontos importantes das mudanças que Marx realizou no plano teórico.

Há certos aspectos de nossa realidade que, na análise crítica de Pogrebinschi, são um tanto enigmáticas. Marx não os resolve, porém nos ajuda a encarar o enigma da modernidade.

* Filósofo, colunista mensal deste Ideia.
O enigma do político
Thamy Pogrebischi
Civilização Brasileira
392 páginas
R$ 44,90

Dora Vianna Vasconcellos :: Rui Facó e os pobres do campo

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Rui Facó. Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, 347p.

Nascido em 1913 em Beberibe, no Ceará, Facó ainda era jovem quando se filiou ao Partido Comunista Brasileiro. Formou-se em direito em Salvador, mas exerceu o jornalismo durante a sua breve vida. Facó faleceu em março de 1963 num desastre de avião. Cangaceiros e fanáticos foi publicado em 1963. É, portanto, uma obra póstuma escrita em meio ao debate que se fazia sobre as potencialidades revolucionárias do campesinato brasileiro. É um livro de leitura fácil e prazerosa, que apresenta uma análise histórico-descritiva do “fanatismo” e do cangaço fortemente marcada pela teoria marxista.

Em nova edição, lançada recentemente pela Editora UFRJ, Cangaceiros e fanáticos possui uma apresentação de Leonilde Servolo de Medeiros. Nela, Medeiros frisa que a leitura de Facó sobre as rebeliões do interior do país foi um forte questionamento às concepções teóricas de então. Ela considera a interpretação de Facó como um “lento processo de reconstrução de imagens socialmente instituídas sobre os trabalhadores do campo, tais como as de sujeição absoluta ao mando dos grandes proprietários, passividade, preguiça, atraso, dificuldade de organização” (Facó, 2009; p.10). Segundo ela, Facó se oporia a essa caracterização, erigindo uma imagem do homem pobre do campo como insubmisso, trabalhador e ciente das injustiças.

Já no prólogo do livro, ao advertir que “fanatismo” e “banditismo” — termos utilizados na época para classificar os movimentos de Canudos, Contestado e Juazeiro, principalmente — possuíam um teor pejorativo que retirava o conteúdo progressista e revolucionário dessas rebeliões, Facó deixa clara a posição defendida ao longo de Cangaceiros e fanáticos. A partir de uma leitura marxista, ele considera que esses movimentos foram verdadeiras tomadas de consciência das populações pobres rurais, e que o misticismo religioso expressava a rebeldia, a capacidade de organização e a insubmissão das populações sertanejas.

De modo semelhante, Facó também interpreta o cangaceirismo como movimento contestador da ordem social. Para sustentar tal posição, ele defende que o cangaceiro era diferente do capanga, espécie de matadores profissionais que dependiam econômica e socialmente dos fazendeiros e, por isso, tinham que obedecer à ordem do patrão. Os cangaceiros, ao contrário, comporiam um bando que conquistara a autonomia, ainda que relativa, do fazendeiro e do latifúndio. Portanto, o cangaceiro não seria, para ele, um assalariado, um semisservo praticante de crimes sob encomenda do patrão. Tratava-se de um homem livre que praticava crimes por conta própria; um rebelde que lutava contra a ordem dominante imposta pelo latifúndio semifeudal. O cangaceirismo, para ele, seria um meio de vida que proliferava no Nordeste, sobretudo, nas épocas de seca e de fome.

O livro divide-se em três capítulos, sendo o primeiro “O despertar dos pobres do campo”, o segundo “Canudos e conselheiros” e o último “Juazeiro e Padre Cícero”. Nesses capítulos, Rui Facó, a partir de uma leitura marxista, faz uma análise histórica dos fenômenos que ficaram conhecidos como “fanatismo” e “banditismo”, ocorridos do último cartel do século XIX e início do século XX no interior brasileiro. O autor analisa principalmente os acontecimentos de Canudos (1896-1897) e Juazeiro, duas rebeliões que, segundo ele, teriam um forte cunho religioso, mas não podem ser explicadas e entendidas somente por esse traço característico.

Para o autor, foi a luta de classes entre os homens pobres do campo e os fazendeiros a maior motivação desses movimentos; era, segundo ele, “uma luta aguerrida contra o latifúndio, contra a miséria e contra a exploração” (Facó, 2009; p. 32). Ele caracteriza Contestado (1912-1916), Caldeirão (1936-1938), Pau de Colher, Pedra Bonita e o cangaceirismo — fenômeno que se prolongou até a década de 1930 — também como expressões de conflitos no interior do país. Para Facó, o latifúndio geraria lutas de classe desde sua origem. De início, com fazendeiros tentando salvaguardar suas propriedades de ataques de índios; depois contra as incursões de posseiros; mais tarde contra cangaceiros e fanáticos; e naquele momento contra o proletário rural sem terra.

Rui Facó, em Cangaceiros e fanáticos, faz uma análise da conjuntura que propiciou os acontecimentos de Canudos e Juazeiro. Para ele, esses movimentos aconteceram num período de crise de ordem econômica, ideológica e de autoridade. Era época em que findava o Império e a escravidão era abolida. Esses acontecimentos teriam abalado os critérios de mando da sociedade brasileira, principalmente no Nordeste. Contudo, nada disso permitiu que relações de produção de tipo superior, à base do trabalho livre, surgissem. As relações no campo, principalmente no Nordeste, continuavam a ser majoritariamente servis.

Além da crise do instituto escravista, o Brasil vivia também a crise do latifúndio pré-capitalista e o arruinamento dos antigos engenhos banguês do Nordeste. Os antigos engenhos de açúcar ruíam e eram substituídos pelas usinas de açúcar, sem que acontecesse, segundo Facó, uma revolução na Zona Canavieira. Uma nova estrutura mecânica foi implantada com as usinas de açúcar, mas os arcabouços do velho latifúndio permaneceram intactos. A usina intensificou, segundo ele, o processo de monopolização da terra. A renovação técnica preservou a situação de miséria das massas sem terra e agravou a concentração de terras no Nordeste.

Deste modo, Rui Facó considera que os “cangaceiros” e “fanáticos” eram o fruto da decadência de um sistema socioeconômico que tinha o latifúndio semifeudal como nexo fundamental. Essa situação de crise teria se agravado sobremaneira quando o centro da gravidade econômica se transferiu do Nordeste para o Sul, por conta do café. O latifúndio continuaria a entravar brutalmente o crescimento das forças produtivas, a mecanização da agricultura e o crescimento das indústrias. O monopólio da terra continuava a promover uma divisão de classes sumária: o senhor de grandes extensões de terras e o homem sem terra, o semisservo.

O Nordeste, do final do século XIX e início do século XX, é caracterizado pelo autor como uma sociedade em estágio econômico seminatural, na qual o capitalismo e as cidades tinham pouca influência e repercussão sobre o latifúndio semifeudal. As relações entre usineiro e homens pobres eram semisservis, pré-capitalistas [1].

Para Facó, o latifúndio reduzia as populações do interior ao mais brutal isolamento, ao analfabetismo quase generalizado, e deixava como única forma de consciência do mundo exterior a religião ou as seitas nascidas nas próprias comunidades rurais — vertentes do catolicismo. Os homens sem terra, ao formarem grupos de cangaceiros e seitas de “fanáticos”, como ficaram conhecidos Juazeiro e Canudos, organizaram-se e rebelaram-se por uma melhor condição de vida. Esses movimentos teriam sido rebeliões inconscientes contra a servidão da gleba, contra o latifúndio. Tiveram boa dosagem de misticismo religioso — o autor não nega —, mas eram mobilizados fundamentalmente pela dinâmica da luta de classes.

Com esse argumento, Rui Facó contrariava os historiadores que exageraram o misticismo religioso dos habitantes de Canudos e Juazeiro. Atribuindo-lhes a classificação de “fanáticos”, esses estudiosos retiravam o conteúdo progressista e reformador desses fenômenos, dando-lhes um sentido pejorativo.

O autor enumera ainda como uma das causas para o “banditismo” e do “fanatismo” o fato de o latifúndio criar em seu entorno um excedente de mão de obra capaz de assegurar a quase gratuidade da força de trabalho. Isso possibilitava a imposição de relações semisservis aos pobres do campo. Deste modo, criava-se no Nordeste dos fins do século XIX e início do XX um contingente de pessoas pobres, sem bens e sem terra, nômade, que fugia da seca e não era absorvida pelo latifúndio, mas tinha algo a reivindicar, ainda que não soubesse formular claramente essa reivindicação. Segundo Facó, a reação à miséria e à fome teria vindo com a formação de grupos de cangaceiros e de seitas místicas.

Facó aponta ainda que a ruptura da estagnação no campo se iniciou com o êxodo em massa de nordestinos para a Amazônia e para o Sul, por causa do surto da borracha e do cultivo do café, respectivamente. A fuga teria sido ocasionada também pelas constantes secas do Nordeste. Para ele, a emigração era o primeiro passo na busca de outras condições de vida e permitia que os homens pobres do campo se evadissem da imobilidade multissecular em que viviam. Graças ao contato com outras formas de vida social, estes migrantes, quando retornavam ao Nordeste, voltavam diferentes, menos conformados com a vida de miséria e de fome que levavam.

Não só o monopólio da terra explicaria o cangaço e o “fanatismo”. O atraso econômico, o isolamento do interior, o imobilismo social também seriam fatores geradores do cangaço e do “fanatismo”. Por essa razão, para o autor, a penetração do capitalismo no meio rural seria de suma importância, já que possibilitaria a existência de novas relações de produção e de troca, permitindo que o semisservo saísse da estagnação do meio rural e abrindo novos caminhos para os bandos de cangaceiros e para os místicos itinerários dos beatos e conselheiros.

Deste modo, com essa argumentação, Rui Facó contrariava as explicações, como as formuladas por Euclides da Cunha, que viam o cangaço com o resultado da má eugenia, de atavismos étnicos. Contrariava também aquelas que afirmavam que as condições biológicas geravam o fenômeno do cangaço. Assim, Rui Facó explicava o cangaceirismo e o fanatismo pelas circunstâncias sociais e econômicas, pela extrema desigualdade social provocada pela grande concentração de terras, acentuada pelo débil desenvolvimento do capitalismo no interior do país, local onde se constituiriam, de acordo com a sua leitura marxista, relações de produção pré-capitalistas, semifeudais, e que era marcado pelo pouco incremento das forças produtivas.

Longe de considerá-los como criminosos, como fez a historiografia do início do século XX, Rui Facó considerou os pobres do campo envolvidos nessas rebeliões como o resultado do atraso econômico. O “banditismo” e o “fanatismo” seriam movimentos subversivos, “elementos ativos geradores de mudança social” e “contestadores da pasmaceira imposta pelo latifúndio”. Esses homens eram consequência dos choques de classe e das lutas armadas.

Seriam, assim, o prólogo de uma revolução social que estaria por vir. Segundo ele, “banditismo” e “fanatismo” eram “elementos regeneradores de uma sociedade estagnada”, preparadores de uma nova época, representando um “primeiro passo para a emancipação dos pobres do campo”.

A opinião que marca a singularidade da interpretação de Facó é a de que Canudos e Contestado foram movimentos de cunho religiosos que revelavam uma drástica separação entre religiosidade popular e a religião oficial da Igreja Católica [2]. Na sua interpretação, o “fanatismo” constituía uma ideologia de cunho místico, condizente com a condição de vida das populações rurais do final do século XIX e início do século XX, que era contrária à ideologia das classes dominantes e das camadas médias urbanas.

Assim, ao longo do livro Cangaceiros e Fanáticos, Facó defende que a seita abraçada pelos homens pobres do campo, como toda ideologia, tinha um conjunto de conceitos morais, religiosos, artísticos que traduziam suas condições materiais de vida e eram antagônicos às ideologias das classes dominantes. Ele considera que em todos os casos analisados — principalmente em Juazeiro, Canudos e em Contestado — as massas espoliadas teriam criado uma religião própria, uma espécie de consciência primária, no sentido marxista do termo, que lhes serviu de instrumento na luta por sua libertação social contra o latifúndio e contra as relações semifeudais de produção. O “fanatismo” teria sido o elemento de solidariedade grupal impulsionador de uma reação contra a ordem dominante [3]. Deste modo, a tônica da interpretação marxista do autor é dada pela crença de que essas aglomerações seriam movimentos de tipo primário que traduziam, contudo, as aspirações da população rural empobrecida em luta pela libertação do jugo do latifúndio.

Dora Vianna Vasconcellos é socióloga, mestre em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura (CPDA-UFRRJ)/ Rio de Janeiro.

Notas

[1] “Nas terras dos grandes proprietários, eles (os agregados, a gente pobre, os foreiros) não gozam de direito político algum, porque não têm opinião livre; para eles o grande proprietário é a polícia, os tribunais, a administração, numa palavra tudo; e, afora o direito e a possibilidade de os deixarem, a sorte desses infelizes em nada difere da dos servos da Idade Média”. Facó, apud Freyre, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937.

[2] Outro ponto de vista controverso defendido por Rui Facó é o de que a Igreja Católica desempenharia o papel de polícia ideológica no meio rural, antecipando as forças repressivas da Polícia, do governo e dos potentados rurais. Era a força que convertia, pela repressão, o protesto inconsciente e até então passivo dos “crentes” em um movimento contra a ordem das coisas existentes.

[3] Facó argumenta que, em todos os lugares onde esse fenômeno se desenvolveu, as populações rurais não só ocuparam uma determinada área de terra, mas também organizaram formas de trabalho cooperativo que contrariavam as relações servis. Esse fato comprovaria, segundo o autor, o teor revolucionário de manifestações populares como Canudos e Juazeiro.

Vannuchi: comissão favorece Forças Armadas

DEU EM O GLOBO

Secretário de Direitos Humanos volta a defender punição para militares e afirma que não há revanchismo BRASÍLIA. O secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ministro Paulo Vannuchi, disse ontem que a criação da Comissão da Verdade não é um ato contra as Forças Armadas. Em entrevista a Agência Brasil, Vannuchi defendeu a apuração de fatos ocorridos no período da ditadura militar e disse não ver motivos para divergências entre a área de direitos humanos do governo e os militares.

- Criar a Comissão da Verdade é a favor das Forças Armadas, que são formadas por oficiais militares das três armas, pessoas dedicadas à pátria, ao serviço público, com sacrifícios pessoais, das suas famílias. Esses oficiais não podem ser misturados com meia dúzia, uma dúzia ou duas dúzias de pessoas que prendiam as opositoras políticas, despiam-nas e praticavam torturas sexuais, que ocultaram cadáveres - disse Vannuchi. - É um grande equívoco e eu tenho certeza de que o ministro da Defesa (Nelson Jobim) sabe disso.

Para Vannuchi, a criação da Comissão da Verdade é uma forma de não permitir o uso das Forças Armadas para acobertar crimes contra os direitos humanos. O ministro disse ainda que os contrários à criação da comissão não leram a proposta:

- O programa não é contra a Lei da Anistia. Não se trata nem de revisão e nem de anular a lei. Está lá, no item que propõe a ação programática 23, que propõe a elaboração de um projeto de lei, até abril, instituindo uma Comissão Nacional da Verdade, nos termos definidos pela Lei da Anistia. Não há nenhum sentido revanchista.

A criação de uma comissão especial para investigar casos de tortura e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985) está prevista em decreto que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada.

Reunião no dia 11 decidirá sobre comissão

A ideia desagradou os militares e provocou uma crise, com Jobim e os três comandantes militares entregando ao presidente Lula cartas de demissão. Para os militares, a comissão teria o objetivo de revogar a Lei de Anistia de 1979, que extinguiu crimes políticos cometidos durante a ditadura. Lula rejeitou os pedidos de demissão, alegando que não conhecia o completo teor do programa, e prometeu rever a parte do decreto que gerou o descontentamento. Ontem, Vannuchi insistiu que não se pode defender os que praticaram crime de tortura:

- É necessário terminar um processo sem revanchismo, sem retorno ao passado e de mãos estendidas para a reconciliação nacional. Mas essa reconciliação não pode representar acobertar, jogar milhares de bons cidadãos brasileiros, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, na defesa de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade.

O ministro disse que tudo será resolvido em reunião, quando o presidente Lula retornar ao trabalho, em 11 de janeiro.

- Nesse dia estaremos juntos ouvindo as orientações do presidente - acrescentou o ministro.

Clóvis Rossi:: Sobre verdades e venenos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Episódio de envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet no Chile tem pista brasileira revelada

A Comissão da Verdade, proposta pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, bem que poderia começar procurando a verdade nos argumentos contra ela esgrimidos pelos comandantes militares. Não vai encontrar.

O argumento mais popular, a julgar pelo Painel do Leitor de ontem desta Folha, é o de que a proposta quer investigar os abusos de um lado (o dos militares) e ignorar os do outro (os militantes da esquerda armada). Ou é desinformação ou má-fé.

Todos os abusos da esquerda armada foram punidos. Alguns, na forma da lei. Outros, muitos, à margem da lei, por meio de assassinatos, torturas, exílio, banimento, desaparecimentos.

Já os abusos praticados pelo aparato repressivo não foram nem investigados, com pouquíssimas exceções.

Para ficar apenas no âmbito mais próprio para este espaço, o internacional, está mais do que na hora de buscar a verdade sobre a Operação Condor, o mecanismo repressivo multinacional armado pelas ditaduras militares do Cone Sul, nos anos 70/80.

Deve haver, escondido em algum arquivo bem protegido, um documento assinado por chefes militares da época anulando a soberania de cada país para que militantes da oposição às ditaduras pudessem ser caçados livremente.

Eu mesmo andei atrás desse papel, quando estava para cair a ditadura boliviana da época (começo dos 80), a primeira brecha que se abriria para ter acesso a arquivos oficiais. Um coronel, que fazia a ligação entre o candidato presidencial Hernán Siles Zuazo e as Forças Armadas, me disse que teria, sim, que haver um documento oficializando, digamos assim, a Operação Condor.

Pena que um novo golpe adiou a vitória de Siles, e perdi a pista.

Ainda nesse terreno de repressão internacional, a nova comissão poderia procurar a verdade sobre o envenenamento de opositores à ditadura de Augusto Pinochet. No domingo, o jornal espanhol "El País" fez um belo levantamento sobre a morte, por aparente envenenamento, do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, pai de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, também ex-presidente e hoje candidato de novo.

A investigação indica que Frei foi assassinado com três doses de mostarda sulfúrica, tálio e um fármaco não identificado.

No percurso para chegar a essa suspeita surgiu o caso de quatro militantes políticos presos em uma cadeia de segurança máxima em Santiago. Todos foram também envenenados, juntamente com quatro presos comuns, mas Ricardo Aguilera, então com 28 anos, sobreviveu.

Para encurtar a história, descobriu-se que o agente venenoso era a bactéria "clorstridium botulinum", que provoca botulismo, e chegara ao Chile "em um pacote letal enviado do Brasil por valise diplomática", segundo "El País".

Em vez de incomodar-se com uma "Comissão da Verdade" não seria mais lógico que os comandantes militares brasileiros se preocupassem com o uso do território nacional, pelo qual têm a obrigação de zelar, para um crime político?

Villas-Bôas Corrêa:: As férias de Lula e dos convidados

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Contra fatos não há argumentos: o presidente Lula é uma das mais poderosas vocações de líder popular da história deste país. E não é provável que este século produza rival que lhe faça sombra. Nada a estranhar nas merecidas férias, com numerosos convidados nas praias paradisíacas da Base Militar de Aratu, da Bahia dos balangandãs, de Dorival Caymmi e do Senhor do Bonfim.

Os planos de descanso em local reservado, com pouca gente, não resistiram à amistosa pressão de parentes, amigos mais chegados e convidados especiais. O governador da Bahia, Jaques Wagner, é um dos penetras oficiais. Lurian, a filha de Lula, não podia faltar. A praia é imensa, espaço é o que não falta, e Lula e Marisa Letícia terão os seus momentos de privacidade. Afinal, no próximo Natal e Ano-Novo o presidente Lula será um ex-presidente sonhando com mais dois mandatos.

A ausência da candidata, ministra Dilma Rousseff, que não desgruda do presidente nas viagens domésticas da pré-campanha para os comícios nas visitas às obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida é explicada pela cautela com a saúde.

Claro que nem tudo são flores em dois mandatos, com a agenda entupida de compromissos internacionais, pois Lula não recusa convite nem para missa de sétimo dia ou para visita a qualquer país dos cafundós da África. Mas os sinais de fadiga são desculpa mais conveniente para os escorregões presidenciais, cada vez mais frequentes, comentados em surdina por assessores, parlamentares e raros ministros.

Na véspera da viagem, na solenidade da sanção do projeto de lei que beneficia os taifeiros da Aeronáutica, Lula não apenas escolheu o mais inadequado momento como o pior tema para criticar a imprensa. E o presidente com o maior, mais sofisticado e competente sistema de publicidade no mundo, para criticar os repórteres que suportam a humilhação de cobrir o pior, mais escandaloso e desmoralizado Congresso da história deste país, virou as costas à evidência e apelou para o sofisma: “Se a gente for analisar o conjunto do trabalho produzido pelo Congresso durante o ano, vai perceber que tem muito mais coisa positiva do que negativa”.

Ora, com todo o respeito, será que o presidente não lê as manchetes dos jornais? Nem folheia as revistas? Ou não passa os olhos pelos resumos da sua competente equipe de excelentes profissionais? Será que não viu nos noticiários das redes de TV a degradante sequência do governador de Brasília, José Roberto Arruda, derreado na poltrona do seu gabinete e distribuindo pacotes de notas com as propinas milionárias de R$ 100 mil, R$ 200 mil que cada um escondia nas meias, na cueca, nos bolsos, nos sapatos e uma senhora na bolsa de confiança para o transporte dos maços de notas?

Mas este é um episódio do big boss de araque, um governador que não devia existir na cidade construída para ser a capital do Brasil. Mas, e a roubalheira com as verbas do Senado? E se remexer no lixo da Câmara, teremos um bis de arromba para o início do próximo ano parlamentar.

E que tal a sutileza da lógica presidencial: “Não fazemos distinção de que partido é o governador ou o prefeito. Você não pode deixar de dar comida a um porco porque não gosta do dono do porco”. A degringolada do governador do DF, Roberto Arruda, tocou na corda sensível do coração presidencial, inspirando esta frouxa desculpa: “A imagem não fala por si. O que fala por si é todo o processo de investigação e de apuração”.

Lula também encaixa observações sutis e generosas. No acaso de uma visita ao quartel de comando do II Exército, no Ibirapuera, onde Dilma Rousseff esteve presa e foi torturada, quando o helicóptero parou, a ministra-candidata olhou para o presidente e comentou:

“Engraçado, eu não tenho raiva. Eu vim para cá quando fui presa”.

Na cerimônia recente, em 21 de dezembro, do lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, a ministra Dilma Rousseff, estreando o novo cabelo ainda curto, emocionou-se às lágrimas ao lembrar os dias de prisioneira: “Muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas pelo regime militar”.

Testemunho de uma possível presidenta da República.

Cesar Maia:: Indivíduo e política

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Curiosa convergência entre populismo, liberalismo tradicional e marketing político. Para eles, quem faz a história é o indivíduo, de acordo com a sua vontade. Assim se acha o líder populista, que se considera o próprio movimento. Já na lógica da análise liberal, tradicional, a história se confunde com os indivíduos que lideram os processos. As circunstâncias ou são eles mesmos ou são aleatórias.

Sempre é bom lembrar um repetido trecho de Marx no início do "18 de Brumário" (1851): "Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; nem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas legadas e transmitidas pelo passado".

Se não bastasse esse binário simplificador da história, nas últimas décadas, a tecnologia publicitária aplicada às campanhas eleitorais maximizou a função do indivíduo.

Por vezes potencializando uma de suas características e, não poucas vezes, criando um personagem ao fantasiar o candidato com esse figurino. A cada dia é maior o destaque do indivíduo como a razão da politica. Por isso a obsessão em controlar a imprensa, na medida em que a individualização da liderança só consegue ver a imprensa como competidor. O método marxista, que reduzia o papel do indivíduo a mero fantoche das classes sociais abstratas, se esvai, mas não no caminho da assertiva do "18 de Brumário". Quando aquelas "se foram", ficaram os líderes e o culto à personalidade.

A mercadologia política norte-americana, ao dar à publicidade a razão do sucesso eleitoral, minimizou as circunstâncias e maquiou os personagens. A tecnologia audiovisual exacerbou o papel do indivíduo e presidencializou as eleições no parlamentarismo. São os governos de líderes populistas os que mais tendem a intervir na imprensa. São os líderes produzidos por marketing os que são atraídos pelo populismo e pela intervenção na mídia. Ou que, alternativamente, gastam milhões com publicidade, convencidos de que esse é o caminho da popularidade. Quando isso não ocorre, a culpa é da imprensa.

Esse foco na pessoa dos chefes de governo tirou visibilidade de seus assessores, possíveis sucessores.

Lula é exemplo disso. Por um lado, sente cócegas para intervir na mídia. Não podendo, gasta bilhões. E, naturalmente, sua candidata o é por decisão pessoal. Ela nunca disputou eleição, não tem currículo no partido. É levada como andores da romaria de N.Sra. da Pena, em Vila Real, para que seja percebida.

As campanhas eleitorais se resolvem em si mesmas. Por isso o candidato da oposição não tem pressa. A imprevisibilidade aumenta, a politica se torna inorgânica, representantes se descolam de representados e os riscos relativos ao governo eleito se multiplicam.

Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.

Vaga para Senado abre crise no PT

DEU EM O GLOBO

Berzoini defende Benedita e diz que candidatura de Lindberg não está garantida

Camila Nobrega, Flávio Tabak e Aloysio Balbi

Diante da tensão instaurada entre o presidente eleito do PT no Rio, Luiz Sérgio, e o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias - devido a um acordo eleitoral feito entre o prefeito e o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) - o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, disse que pode ter havido uma conversa paralela, mas não uma combinação entre o PMDB e o PT para assegurar a candidatura de Lindberg ao Senado. O petista tem como concorrente a ex-governadora Benedita da Silva, que também quer disputar o Senado pela legenda. Berzoini classificou de "pretensão" a declaração de Lindberg de que o pacto com o PMDB garantiria sua candidatura a senador pelo PT:

- Se a conversa existiu, foi entre duas pessoas. Mas é pretensão acreditar que uma combinação assim se torne um acordo do partido. Nenhum filiado do PT está acima das instâncias estadual e nacional. Os agentes políticos têm que conversar, mas o teor precisa ser submetido à direção nacional. O Luiz Sérgio é o presidente, mas também não depende só dele, e sim de toda a executiva nacional - disse Berzoini, ressaltando que desconhecia qualquer pacto entre Lindberg e Cabral. - Esse tipo de conversa acontece frequentemente. Vamos lidar como sempre fazemos, discutindo dentro do PT.

Sobre a possibilidade de o partido priorizar a candidatura de Lindberg ao Senado, tirando da corrida Benedita da Silva, Berzoini disse que não há nada definido. O presidente, que fica no cargo até fevereiro, quando será sucedido por José Eduardo Dutra, deu razão à Benedita, que defendeu uma disputa interna no PT para escolher os candidatos:

- Benedita tem razão. Ela anunciou há algum tempo sua intenção de concorrer ao Senado e tem todo o direito de pleitear uma vaga. O Lindberg é prefeito do PT, temos muito respeito por ele, mas é preciso se submeter às regras do partido.

"Ele é lindinho e eu não posso ficar feia"

Já Benedita voltou a afirmar que é candidata ao Senado nas eleições deste ano. Ela elogiou a decisão de Lindberg de apoiar a reeleição de Cabral ao governo do Rio, retirando seu nome da disputa, mas acha cedo para comentar a possibilidade de o PT ter dois postulantes a uma vaga no Senado pelo Rio. A ex-governadora espera que o assunto seja decidido nas prévias do partido.

- É tradição do PT discutir esse assunto nas prévias. Minha candidatura foi colocada há muito tempo, é bem aceita no partido e todos sabem que é para valer - disse ela.

Em Campos, onde faz um tratamento de para perder peso, Benedita brincou sobre a possível candidatura de Lindberg ao Senado:

- Ele é lindinho e eu não posso ficar feia. Mas é cedo para discutir a questão, pois a nova executiva do PT vai tomar posse em fevereiro. Não posso assinar embaixo de coisas que só li pelo jornal. E li inclusive que Lindberg completaria o mandato em Nova Iguaçu, onde faz boa administração. Decidi emagrecer na passagem do ano para ter disposição física e encarar essa campanha. Aos 67 anos, tenho um problema em um joelho, e tenho que perder peso para poder andar muito - disse ela, que também fez um tratamento para retirar gorduras localizadas.

Como Berzoini, o atual presidente do diretório do PT no Rio, Alberto Cantalice, que será sucedido por Luiz Sérgio em fevereiro, também negou a existência de um acordo entre a legenda e o PMDB para ceder uma vaga de candidato ao Senado a Lindberg.

- Acordo é feito no partido. Sabíamos sobre essas conversas entre o Lindberg e o Pezão, mas o PT não participou. A Benedita tem legitimidade para colocar o nome dentro do PT. O partido vai decidir na convenção de março - disse Cantalice.

Há uma possibilidade, segundo Cantalice, de o PT indicar dois nomes para o Senado, e o PMDB concorrer com outros dois. Tudo depende do que for decidido para a vaga de candidato a vice-governador na chapa de Cabral.

Gabeira perto da candidatura

DEU EM O GLOBO

Lista tem ainda Cesar e Picciani

Flávio Tabak

O cenário para as candidaturas ao Senado no Rio começa a tomar contornos mais definidos. Os principais nomes que disputarão duas vagas na Casa já estão costurando alianças para tornar suas campanhas mais robustas. O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), antes cotado para concorrer ao governo do estado por causa do bom resultado nas eleições de 2008 para prefeito do Rio, disse ontem que "é praticamente certa" sua candidatura ao Senado.

De acordo com o deputado, o anúncio oficial deve ser feito na semana que vem. O que mais pesou para a decisão, segundo ele, foi a pré-candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC) à Presidência da República. Com ela na disputa, Gabeira não poderia ser apoiado pelo PSDB, do governador e presidenciável José Serra, para disputar o governo do estado.

- Estão faltando algumas conversas para completar a decisão, que deve ser tomada na primeira semana deste mês. Tenho uma experiência parlamentar bastante longa e posso usar o mandato para realizar muitas coisas. O Rio, com a Copa do Mundo e as Olimpíadas, precisa de uma conexão em Brasília e no mundo. Consigo cumprir bem esse papel - disse o deputado.

O deputado criticou os atuais senadores do Rio e disse que ainda pode conquistar o apoio do PPS:

- Considero que a representação do Rio não expressa o avanço do estado no Brasil e no mundo. Os senadores não têm uma boa visão. Toda vez que se pronunciaram durante crises políticas, estiveram contra a opinião pública. Vou tentar o apoio de todos e creio que o PPS e até o PSDB podem estar comigo neste ano.

Os atuais senadores do Rio são Francisco Dornelles (PP), Paulo Duque (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB), que tentará se reeleger. Ainda estão no páreo o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), que tem investido em agendas no interior do estado; Benedita da Silva e o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, ambos do PT; o pastor Manoel Ferreira (PTB) e o ex-prefeito Cesar Maia (DEM).

Por e-mail, Cesar diz que, se preciso, vai registrar em cartório sua candidatura a uma vaga na Casa. "O Democratas já decidiu que sou candidato ao Senado. Isso foi explicado, já que eles insistiam em minha candidatura ao governo do estado. (...) O partido foi categórico e eu expliquei as razões que foram entendidas e aplaudidas, de meu nome para o Senado. Senado certissimamente. E se necessário com registro do compromisso em cartório".

Auxiliares de Serra preparam saída do governo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Além do próprio governador tucano, pelo menos três secretários devem se afastar para disputar a eleição

Silvia Amorim

O desfalque no governo paulista provocado pelas eleições de 2010 deve ir além da saída do governador José Serra (PSDB). Titulares do secretariado do tucano estão de olho nas urnas e devem se afastar do cargo. Por enquanto, ao menos, três baixas são consideradas certas.

Uma delas, diretamente ligada à sucessão estadual, tem sido bastante discutida. Ou o secretário do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, ou o titular da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, deixará o posto para ser o candidato do PSDB ao governo de São Paulo. Por enquanto, as pesquisas de intenção de voto dão larga vantagem a Alckmin, mas Aloysio tem se movimentado bastante no partido e conta com a simpatia do principal aliado dos tucanos no Estado, o DEM do prefeito Gilberto Kassab.

O imbróglio terá de ser resolvido até 3 de abril, data limite em todo o País para as desincompatibilizações - afastamento obrigatório do cargo nos casos previstos pela legislação eleitoral. O prazo vale para Serra, caso ele entre na disputa pela Presidência da República, e para seus secretários. É o caso também da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), pré-candidata à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já deputados e senadores podem disputar a eleição sem se licenciar do mandato.

No governo paulista, os chefes das pastas de Gestão, Sidney Beraldo, e de Assistência e Desenvolvimento Social, Rita Passos, são os outros dois desfalques praticamente assegurados. Ambos foram eleitos deputados estaduais em 2006 e querem renovar a cadeira no Legislativo. A dúvida é se tentarão um voo mais alto à Câmara ou optarão pela reeleição.

"Devo me afastar. É mais provável para que venha a disputar algum outro cargo", diz Rita. Beraldo é cotado para reforçar a chapa do PSDB para a Câmara. O secretário, entretanto, diz que é cedo para tratar do tema.

Outro nome sempre lembrado é o de Guilherme Afif Domingos, secretário de Emprego e Relações do Trabalho. Ele é cotado para ser o candidato a vice ao governo paulista. Filiado ao DEM, Afif surpreendeu na eleição de 2006, quando quase derrotou o senador Eduardo Suplicy (PT) na disputa ao Senado. Num cenário mais remoto, é opção para uma nova disputa para senador. Afif tem se mostrado disposto a entrar na corrida em qualquer posição. Mas também tem dito que a decisão caberá ao DEM e ao PSDB. "É o partido quem escala o candidato."

Outras duas secretarias-chave que têm titulares que podem sair do governo são as de Educação e Meio Ambiente. Na primeira, o secretário Paulo Renato é um dos nomes do PSDB para o Senado. Seu colega, Xico Graziano também é citado para a vaga. A briga pelo posto está acirrada no tucanato. Até Alckmin está cotado, se não sair candidato a governador.

Ex-ministro da Educação, Paulo Renato deixou a cadeira de deputado para assumir o posto de auxiliar de Serra. Ele adianta que não cogita voltar à Câmara. Mas está aberto à disputa ao Senado. "Se o governador entender que eu ajudo disputando a eleição, eu vou."

Celso Ming :: Casa emperrada

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando lançou seu programa de habitação popular, o presidente Lula garantiu que não havia data para a entrega do 1 milhão de casas para famílias com renda de até 10 salários mínimos.

Mas deu a entender que a construção teria prioridade nos dois últimos anos do seu governo.

Quase nove meses depois, a percepção que se tem é de que o "Minha Casa, Minha Vida" está emperrado e que tão cedo não se desemperrará.

As estatísticas da Caixa Econômica Federal, encarregada de gerir a concessão de empréstimos e subsídios para financiar a compra de moradias, mostram que, de 14 de abril (início do programa) até 10 de dezembro, foram contratadas 220 mil das 596 mil unidades propostas pelas empresas de construção civil, que somam um total de R$ 11,2 bilhões.

"O programa vai bem para as circunstâncias do setor", diz, com certo inconformismo, o presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), João Crestana.

Como quem não pode deixar de comemorar fatos positivos, ele aponta para o salto dos investimentos em habitação com o uso dos recursos do Fundo de Garantia e da caderneta de poupança: "Em 2003, não passavam de R$ 5 bilhões. Neste ano, podem ter chegado a R$ 50 bilhões."

Mas não dá para disfarçar os problemas. Crestana lamenta a excessiva lentidão com que os projetos vêm saindo do papel: "Há um descompasso entre a estrutura das equipes encarregadas de aprovar os projetos e o crescimento da demanda gerada por habitações."

Como acontece com praticamente todos os que querem resultados, Crestana se queixa, também, do baixo sentido de urgência das autoridades do Meio Ambiente, responsáveis pela liberação de licenciamentos das áreas destinadas aos projetos de grande porte.

O coordenador do Núcleo de Real Estate da Poli/USP, João da Rocha Lima Júnior, aponta outros fatores inibidores. Um deles são as divergências entre as avaliações dos projetos feitas pelos técnicos da Caixa e as feitas pelo mercado. E há o nunca resolvido problema da falta de infraestrutura necessária para abrigar grandes conjuntos habitacionais. "Não há disponibilidade de terrenos a preços adequados nos grandes centros urbanos", reconhece.

Para o presidente do Secovi, que aponta para o mesmo problema, uma solução estaria no melhor aproveitamento dos vazios urbanos, onde já existe infraestrutura, como áreas deterioradas nos centros das cidades de São Paulo e Belo Horizonte.

É preciso ainda que o setor se adapte às novas demandas. Não há no Brasil número suficiente de empresas de grande porte especializadas na construção de moradias populares. "Uma coisa é a engenharia de construção para baixa renda e outra, a engenharia de construção para a média e a alta", avisa Lima Júnior. Ele explica que o mercado de moradias populares depende quase exclusivamente de escala de produção e de custos mais baixos, enquanto o segmento de luxo está mais focado na publicidade.

Assim, enquanto as peças desse jogo não se encaixarem, a realização do sonho da casa própria de tantos e tantos brasileiros vai sendo adiada.

Colaborou Nívea Terumi

Miriam Leitão :: Flores no verde

DEU EM O GLOBO

Você não tem vontade de falar de flores? A pergunta veio pelo twitter e eu respondi, econômica, que sim, sempre que posso. Hoje, dia dois de janeiro, o ano já começou, mas ainda descansa à espera do primeiro dia útil, quem sabe posso falar de flores? Vou andar hoje por campos preparados para receber cinco mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, algumas darão flores como os ipês.

Refazer é difícil e insuficiente.

Nos campos em que andarei hoje, num pedacinho de terra em Minas Gerais, a luta contra o braquiária é desigual. O capim, uma vez plantado, vira praga.

Mesmo arrancado, renasce; capinado, cresce mais perigoso. É preciso fazer a coroa e abrir o espaço que vai receber as mudas das espécies próprias para essa região da Mantiqueira.

Como todos os biomas brasileiros, a Mata Atlântica não é uma só, ela assume várias caras, dependendo da parte do Brasil onde está.

Na Mantiqueira, área mais fria, a mata tem até araucária. Não sei se vocês já contemplaram a araucária quando a lua nasce. Os braços abertos parecem chamar a lua para mais perto, mais perto.

Ao longo do ano, será preciso vigiar as mudas para evitar que o inimigo, o capim braquiária, cresça e sufoque a recém-nascida.

As formigas precisam ser contidas porque também podem ameaçá-las.

Há a chuva excessiva, o sol demais, a pouca chuva, tudo que estiver fora do ponto certo ameaça a espécie que acabou de ser devolvida ao solo ao qual sempre pertenceu.

A Mata Atlântica foi a primeira a enfrentar o colonizador, o crescimento da população brasileira, todos os ciclos econômicos. Foi morrendo um pouco a cada encontro. Foi posta abaixo a ferro e fogo. Alimentou os fornos dos usineiros e os altos-fornos das siderúrgicas.

Caiu para a formação dos pastos e plantações. Virou móveis, casas, lenha.

Continua sendo derrubada.

Quem tiver que replantar um metro que seja dessa mata, há de desistir da destruição, por três motivos.

Primeiro, o trabalhão que dá plantar e garantir que as mudas cresçam. Depois, a alegria que dá vê-las crescendo.

Por fim, a calma que transmitem quando já se transformam em pequenos bosques. É inevitável pensar nos que virão e verão o verde diverso se espalhando, sombreando e florindo.

No meio de cada pedacinho de mata há flores. Já viram as quaresmeiras do mato? Vários tipos e cores do roxo à púrpura. Melhor nem falar das paineiras que se cobrem inteiras uma vez por ano.

As patas de vacas brancas são minhas favoritas.

Tenho uma na minha casa no Rio. Um dia chegou uma paisagista e sugeriu cortá-la porque sua sombra impedia o crescimento da grama. A dona da ideia foi dispensada, a pata de vaca ficou e agradeceu florindo em seguida, como nunca antes.

O Brasil tem muitos biomas e eles são, além de tudo, um passaporte para o século XXI que valorizará cada vez mais a biodiversidade perdida. Em Copenhague, o primeiro-ministro Wen Jiabao disse que a China tem a maior floresta plantada do mundo. Como se sabe, as plantadas, por mais que se esforcem, não chegam aos pés das naturais em biodiversidade. O Cerrado garante as águas de boa parte do Brasil e tem espécies resistentes aos tempos extremos que se aproximam. E por falar nisso, nada mais extremo do que a área da Caatinga, que nasce de teimosa. A Amazônia é ela só: soberana, inigualável, preciosa. Onde se ouve falar de clima do planeta, das ameaças ao meio ambiente, dos "tipping points" da mudança climática lá estará a Amazônia no centro da conversa.

Famosa. O pantanal é belo, frágil, exuberante; parece berço de vida. Os Campos gaúchos de horizonte longo são ainda pouco entendidos como bioma. Mas de tudo o que floresce por aqui, a Mata Atlântica tem esse quê de aconchego, da mata lá da infância, de verde conhecido, das ervas dos bochechos, gargarejos e infusões, do erro que cometemos e queremos reparar.

A Mata é a mata. Merece tantos cuidados porque está quase no fim, porque está onde moram mais brasileiros e porque tem sido refeita arduamente por milhares de proprietários de pequenas e médias propriedades, nas RPPNs, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

Já contei as histórias de alguns heróis da Mata Atlântica: Lélia e Sebastião Salgado que em Aymorés, em Minas, no caminho para o Espírito Santo, replantaram um milhão e meio de árvores para refazer a cobertura da fazenda onde o fotógrafo brasileiro, mundialmente famoso, passou a infância. De lá o projeto se estende produzindo um milhão de mudas para refazer a mata ciliar do Rio Doce.

Eles querem aumentar a produção ainda mais a cada ano. Um dia, se tiverem sucesso, poderemos voltar a dizer: como é verde o nosso vale. O outro herói, também contei aqui neste espaço, é Feliciano Miguel Abdala, que protegeu persistentemente e sozinho mil hectares de mata na cidade em que nasci, Caratinga. E, assim, preservou a maior população de muriquis. Ao estudar esses macacos, a primatóloga Karen Strier provou, na sua tese de doutorado de Harvard, que era mito a ideia de que todos os primatas têm o mesmo comportamento. Os muriquis são diferentes: pacíficos, cooperativos, sem macho dominante. Vivem de comer frutos e flores da Mata Atlântica.

E assim termino esse artigo que me pediram, nos poucos toques que cabem no twitter. Os outros temas de sempre — os excessivos gastos públicos, as atas do Copom, a valorização do yuan, o desemprego, a oscilação do dólar — que esperem.

Porque hoje é sábado e o ano mal começou, falo das flores que, quando se espalham no verde da mata, são ainda mais belas.

Com Bruno Villas Bôas