terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Merval Pereira :: Estratégias

DEU EM O GLOBO

A grande discussão política que domina os debates sobre a próxima eleição presidencial de outubro é se o presidente Lula terá a capacidade de transferir sua popularidade para a candidata que tirou do bolso de seu colete, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. E se a eleição será plebiscitária.

A centralidade da figura de Lula na sua sucessão é a confirmação de que ele encerra seus oito anos de Presidência em situação singular na história política brasileira recente.

Não bastassem os 83% de popularidade interna, o reconhecimento internacional consolidou-se no final de 2009 com diferentes homenagens à sua liderança, vindas de órgãos da grande imprensa europeia, como os jornais “El País”, da Espanha (considerado hoje o mais importante jornal europeu), “Le Monde”, da França, e o “Financial Times”, de Londres, que colocou Lula entre os 50 personagens que mais influenciaram a década que se encerra.

Mas querer, como Lula quer, transformar a próxima eleição em um plebiscito onde ele estará em jogo, não é meramente um movimento político esperto, mas uma redução do momento que o país vive, uma tentativa de evitar que a população escolha o melhor candidato para restringir a escolha a uma questão quase pessoal.

Dentro das circunstâncias, a estratégia do governador de São Paulo, José Serra, virtual candidato do PSDB à sucessão de Lula, está se mostrando adequada. Muitos o criticaram, inclusive eu, por ter evitado críticas diretas ao presidente Lula e, ao contrário, até mesmo querer mostrarse em público como um político próximo a Lula.

Mesmo correndo o risco de criar a impressão de que não se coloca como uma alternativa de mudança em outubro, Serra está na verdade empenhado em não deixar que a eleição se torne plebiscitária.

Impedir que o eleitorado o identifique como o “anti-Lula”, transferindo para Dilma o papel que foi escolhida para representar de “o mesmo que Lula”, é a decisão certa.

Ao fazer isso, Serra mantém sua possibilidade de ampliar o eleitorado para a direita e para a esquerda, da mesma maneira que o lulismo fez nas eleições de 2006, mudando a geografia eleitoral do candidato Lula.

O professor Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, já havia identificado esse fenômeno a partir da análise da penetração da votação de Lula nos grotões do Norte e Nordeste com base nas políticas assistencialistas como o Bolsa Família e no aumento do salário mínimo.

O cientista político André Singer, que já foi porta-voz do presidente Lula e hoje é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, publicou recentemente um estudo onde mostra que os votos do “subproletariado”, beneficiado pelos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo, foram para Lula, mas dentro da lógica da direita, que identificou no governo um fiador da estabilidade econômica e garantidor de sua nova situação financeira.

Segundo o estudo, em 2006, enquanto os eleitores de escolaridade superior dividiamse por igual entre os campos da esquerda (31%), do centro (32%) e da direita (31%), entre os que frequentaram até a quarta série do ensino fundamental, a direita tinha 44% de preferência, mais do que o triplo de adesão que tinha a esquerda (16%) e o centro (15%).

Segundo Singer, “na ausência de um avanço da esquerda, o primeiro mandato de Lula terminou por encontrar outra via de acesso ao subproletariado, amoldandose a ele, mais do que o modelando, porém, ao mesmo tempo, constituindo-o como ator político”. A isso ele chama de “lulismo”.

O voto em Lula sofre então “uma mudança ideológica”, segundo André Singer, aumentando em direção aos extremos, “tanto esquerdo como direito”, e caindo em direção ao centro. Lula passaria a representar, então, uma opção nova, que “mistura elementos de esquerda e de direita, contra uma alternativa de classe média organizada em torno de uma formulação de centro”.

Permanecendo em posição neutra com relação ao presidente, exercendo suas críticas ao governo em direção a pontos específicos, como a política do Banco Central de juros e câmbio, o governador paulista tenta manterse uma alternativa viável para esse eleitorado de Lula.

Tanto de direita, representado pelo que Singer chama de “subproletariado”, como mostra sua boa penetração no Nordeste, graças, segundo as pesquisas qualitativas, ao seu trabalho como ministro da Saúde, quanto de esquerda, que possam identificálo como uma opção mais consistente do que a ministra Dilma Rousseff.

Essa tendência explicaria também a guinada à esquerda do governo Lula no segundo mandato, e a escolha de uma política ligada aos movimentos de guerrilha na época da ditadura militar, para garantir esse eleitorado, que no primeiro turno de 2006 foi em parte para os candidatos oriundos do PT, Cristovam Buarque e Heloísa Helena, e hoje têm tanto em Serra como na senadora Marina Silva opções ao voto oficial.

O aprofundamento dos programas assistencialistas, como o aumento do valor do pagamento do Bolsa Família e a garantia de aumentos reais para o salário mínimo, garantiriam os votos do subproletariado.

A tentativa de fazer uma eleição plebiscitária esbarra também na percepção por parte do eleitorado de que Dilma não é Lula, e portanto a escolha pode ser outra, até mesmo Ciro Gomes no Nordeste.

Para um eleitorado mais escolarizado, há também o incômodo de querer transformar a eleição em uma espécie de “herança” em vida para uma escolhida, mesmo que não tenha melhores qualificações que os adversários.

Para Dilma, há uma dificuldade adicional, por paradoxal que seja: quanto mais Lula ganha homenagens e se torna um mito para seu povo, mais ela se distancia de seu criador, suas deficiências aparecem e fica mais difícil convencer o eleitorado de que ela é “Lula de novo”.

Dora Kramer :: Déficit de atenção

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A confusão quase-crise entre os ministérios da Justiça e Defesa ? leia-se Forças Armadas ?, que fechou 2009 e reabriu a recorrente questão sobre a punição aos crimes contra a vida cometidos durante a ditadura, exibiu a face contraproducente do modo espetáculo de Luiz Inácio da Silva governar o Brasil.

Isso partindo da premissa de que o presidente da República falou a verdade quando disse que assinou decreto de criação do Programa Nacional de Direitos Humanos sem conhecer seu conteúdo. Grave em si, o fato não é incomum.

O antecessor de Lula mesmo, Fernando Henrique Cardoso, bem mais afeito à leitura e interesse por detalhes, assinou sem ler um decreto que poderia manter documentos oficiais sob sigilo eterno. O ex-presidente justificou que assinou "como rotina" e atribuiu a falha a um descuido burocrático ou a má-fé de "alguém" a quem não denominou. Ou não identificou.

Quem conhece a sistemática do Palácio sabe como as coisas funcionam: "No fim do expediente entra no gabinete presidencial um chefe da Casa Civil com a papelada para o presidente assinar antes de enviar os atos à publicação no Diário Oficial. Em geral, enquanto conversam o presidente assina os documentos não necessariamente mediante exame", descreve o deputado Raul Jungmann, presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional e ministro da Reforma Agrária no governo FH.

Daí não ser de todo inverossímil, desta vez, a versão de que Lula não sabia que o decreto tratava entre outras coisas da possibilidade da revisão da Lei da Anistia e de tolices revanchistas como a retirada dos nomes de presidentes do regime militar de pontes, rodovias, praças, ruas e prédios públicos.

Um contrassenso até em face das repetidas referências elogiosas que o presidente faz às realizações e até ao modelo administrativo desses governos.

Mais difícil de acreditar é que o presidente Lula ignorasse os termos do acordo que, segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi dura e intensamente negociado entre a sua pasta, os comandantes das três Forças, os primeiros escalões do Exército, Marinha e Aeronáutica, e o Ministério da Justiça, na figura do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

Se de fato ignorava, de duas uma: ou o presidente foi induzido ao erro pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ou errou em decorrência de seu déficit de atenção em relação aos assuntos de governo que não se relacionem diretamente com embates de natureza político-eleitoral ou com o culto à sua personalidade.

Não é crível que um assunto que no ano passado havia feito explodir divergências públicas, entre os mesmos personagens e arquivado por ordem de Lula, não estivesse sendo acompanhado pelo presidente.

Em qualquer das duas hipóteses houve quebra de confiança. Ou da ministra para com o presidente ou de Lula em relação às Forças Armadas, uma instituição pautada pelo princípio da disciplina e da hierarquia.

Pelo acerto, a Comissão da Verdade, na expressão do deputado Jungmann, uma espécie de "CPI da ditadura", investigaria os crimes cometidos durante o período autoritário levando em conta não apenas as ações dos militares, mas também os atos dos integrantes da resistência pela vida da luta armada.

O texto apresentado e assinado pelo presidente Lula, no entanto, só fazia referência a investigações aos crimes cometidos pelo "aparelho de Estado", vale dizer, os militares e os civis que serviram como braços auxiliares.

Se a ideia foi criar uma dificuldade para dirimi-las no decorrer de uma negociação posterior, quando o projeto de lei chegasse ao Congresso, por exemplo, foi uma péssima ideia.

Não pela essência, dado que o direito de um país à sua memória é sagrado e que, mais dia menos dia, o Brasil terá de enfrentar a questão. A tortura e o terror universalmente não se submetem a legislações específicas, são atos condenados em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O problema foi a forma. Se já é difícil fazer com que os militares concordem em criar uma instância para o reexame de crimes que podem "tragar" a instituição para um passado com o qual a maioria não guarda a menor relação, impossível é fazê-los aceitar a quebra da palavra empenhada.

Se as coisas se passaram realmente conforme o relato que fez o ministro da Defesa e os comandantes das três Forças protestarem por meio dos pedidos de demissão, houve quebra grave de confiança e não é assim que se conduzem negociações nesse meio. Não foi assim que se conduziu a campanha que resultou na anistia e abriu caminho para a redemocratização.

Se com o Congresso e com a opinião pública a força da popularidade presidencial se sobrepõe ao valor da palavra dita e a reticência é admitida, com as Forças Armadas o "sim" e o "não" são limites intransponíveis de uma linha a ser defendida a qualquer custo.

Não por veleidades antidemocráticas, mas pelo temor da desmoralização.

Eliane Cantanhêde:: Um na mão, dois voando

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O ano de 2009 acabou com uma crise entre a área civil e a área militar do governo. O ano de 2010 começa com uma encrenca de bom tamanho exatamente entre essas duas áreas.

São dois temas bastante diferentes, mas, vindo na mesma hora, sempre um pode contaminar o outro. Um é a questão do Plano Nacional de Direitos Humanos, o outro é a decisão sobre o melhor pacote para renovar a frota da FAB.

O plano é saudado num aspecto por todo mundo que tem bom senso: a verdade histórica tem que prevalecer, doa a quem doer, e insistir na busca dos desaparecidos até a última instância é um direito não apenas político, mas humanitário.

Mas incomoda os militares quando resvala para aquele jeitão stalinista de criar uma comissão nacional e comitês estaduais que podem jogar a opinião pública contra prédios militares e apontar o dedo para oficiais de hoje, que não têm nada a ver com aqueles do passado.

E a renovação dos caças da FAB, o chamado FX-2, que já sobrou do governo FHC, cria um impasse. A análise técnica de quem entende do assunto apontou o caça sueco em primeiro lugar, o norte-americano em segundo e o francês Rafale -preferido e virtualmente escolhido por Lula e pela área diplomática- em terceiro e último.

É uma tremenda saia justa para Lula, que está entre duas opções: ou joga o trabalho da FAB na turbina do Aerolula e anuncia o Rafale, custe o que custar (aliás, literalmente, porque é de longe o mais caro dos três); ou recua na decisão política e segue a orientação de quem entende do assunto e produziu mais de 30 mil páginas de documentos, estudos, análises.

Entre Lula, o plano de Direitos Humanos e os militares, há Jobim. Entre Lula, os caças e os aviadores e a Embraer, também há Jobim. É ele quem tem de tourear as feras.

Nos dois casos, Lula ganha tempo. O plano ficou para abril. Os caças, sabe-se lá para quando. E se.

Raymundo Costa :: Serra quer mudar sem mexer no tripé

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Num país onde a popularidade do presidente é essencialmente atribuída ao êxito da política econômica, o governador José Serra, virtual candidato do PSDB à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma voz dissonante. Não raro é possível ouvir Serra dizer que a situação macroeconômica "está péssima". Ele nunca escondeu sua implicância com juros altos e câmbio sobrevalorizado. Mas nunca deixou claro a saída que pretende adotar sem fazer desmoronar o tripé câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação.

Trata-se de resposta obrigatória de quem lidera as pesquisas de intenção de votos para a Presidência da República. Serra tem sido coerente nas críticas à política econômica, neste e no governo de seu amigo Fernando Henrique Cardoso. Agora dá pistas sobre como pretende encaminhar a solução em entrevista publicada no livro "Retrato de Grupo - 40 anos de Cebrap", publicado pela editora Cosac Naif, como parte das comemorações dos 40 anos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Serra derruba alguns mitos, como o de que fora contrário ao Plano Real, conforme foi difundido pelo próprio FHC na eleição de 2002. O governador paulista e virtual candidato do PSDB a presidente, nas eleições de outubro, conta que não tinha dúvidas em relação ao plano, do "ponto de vista teórico". Sua apreensão, em 1994, era política. Duvidava que o governo, em meio ao processo eleitoral, desse sustentação ao plano. Dúvida procedente, como mostraram os acontecimentos: por mais de uma vez FHC, já fora do Ministério da Fazenda e candidato a presidente, teve de conter o então presidente Itamar Franco na intenção de fazer um congelamento de preços, decisão que contribuíra efetivamente para o fracasso dos nove planos anteriores de estabilização.

Uma outra lenda ronda atualmente a candidatura de José Serra a presidente. Diz que o mercado financeiro é contrário a sua candidatura. É certo que os bancos, talvez nem mesmo no governo de FHC, tenham lucrado tanto quanto nos oito anos de Lula e do PT. Mas é um exagero afirmar que os banqueiros armaram uma barricada para se defender de Serra, quando entre os principais interlocutores do governador de São Paulo, entre outros, estão Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ex-presidente do ex-PFL (atual Democratas) Jorge Bornhausen, que o PT, então na oposição, não cansava de classificar de legítimo representantes dos interesses do setor financeiro no Congresso.

O livro dos 40 anos do Cebrap também é esclarecedor sobre essa questão: Serra não só reza a cartilha do tripé, como acredita ter sido ele o primeiro a formular esse conceito durante o governo de Fernando Henrique. "Não há uma única maneira de se implantar e fazer funcionar esse tripé", afirma José Serra, para deixar claro que não discorda do remédio, mas entende que o receituário poderia ser outro. O atual, segundo acredita o presidenciável, pode lançar o país na desindustrialização e torná-lo refém de um modelo primário exportador. Por causa dos juros altos e da sobrevalorização do câmbio, que condena agora como condenou à época do governo FHC.

"No caso do Brasil, a preocupação com a desindustrialização não é com uma desindustrialização no sentido de que não haverá mais indústrias", disse José Serra aos entrevistadores Álvaro Comin, Cláudio Amitrano, Flávio Moura e Henri Gervaiseau, acadêmicos e integrantes do Cebrap. Ele citou um exemplo: "A Embraer foi bem privatizada, mas até poucos anos atrás ela tinha 60% de componente doméstico no valor gerado", afirmou. "Hoje tem 30%. Ela está ai produzindo avião, mas está perdendo as cadeias produtivas, só por causa dos juros siderais e da sua consequência pior: a taxa de câmbio megavalorizada".

Esse é o problema, diz Serra, e ele nada teria a ver com a suposta divisão entre desenvolvimentistas (entre os quais é classificado) e monetaristas. "Essa análise não tem muito sentido, é até cretina", diz. "O problema é outro. O termo tem sido espertamente utilizado para insinuar que os que se preocupam com o desenvolvimento o querem a qualquer preço, mesmo à custa de mais inflação - não há necessariamente esse dilema, estabilidade x desenvolvimento".

A diferença - opina - "existe em relação a políticas macroeconômicas, e não à estabilidade. Eu só posso dizer o seguinte: em nenhum dos preceitos do Consenso de Washington figura a ideia de que para desenvolver o país você precisa megavalorizar a moeda. Isso é simplesmente um erro, não é ortodoxo nem heterodoxo".

O Brasil tem uma geração qualificada na questão da economia formada sob a superinflação, mas não criou ainda uma outra azeitada em políticas de desenvolvimento. Serra é um candidato. Resta a ele explicitar mais como baixar a taxa de juros e financiar a dívida pública e ajustar a taxa de câmbio de uma maneira que não veja voluntarista.

"O Brasil deve ter hoje 190 milhões de habitantes, perto disso; daqui a dez anos, teremos dezenas de milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho", argumenta. "O modelo primário exportador, para onde o país está caminhando, não é capaz de gerar empregos com o dinamismo que a oferta de trabalho exige. Ele não vai gerar desenvolvimento sustentado (e sustentável) e o país está caminhando para isso". Essa é o desafio a que Serra se propõe: reinventar o desenvolvimento.

Bolas nas costas

A candidatura da ministra Dilma Rousseff (PT) mudou de ano com dificuldades em mais de uma frente estratégica. Uma delas diz respeito à criação do conselho de comunicação e ao incentivo dado a outras formas de quebrar monopólios na área de comunicação. A ministra da Casa Civil inclusive já sinalizou aos interessados que não teria posição tão radical sobre o assunto quanto alguns de seus conselheiros de campanha. Outra refere-se ao relacionamento de Dilma com o jornalista e marqueteiro João Santana, que já foi bem melhor. O publicitário Duda Mendonça ronda o território do antigo afilhado. O PT treme só de ouvir falar.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

“Lula, o filho do Brasil” estreou no país vendendo 220 mil ingressos, número abaixo da expectativa

DEU EM O GLOBO / Segundo Caderno

Longe do desempenho com fôlego de fenômeno da “Avatar” “Lula, o filho do Brasil”, primeiro filme nacional do ano, lançado no dia 1º em 350 cinemas, estreou vendendo cerca de 220 mil ingressos.

Sua média foi de 628 espectadores por sala. Os números não impressionam.

Em 2009, em apenas três dias, “Se eu fosse você 2” somou 570 mil pagantes, com circuito similar ao do filme de Fábio Barreto, que se encontra hospitalizado.



Coluna do Ancelmo Góis (ontem)

DEU EM O GLOBO

Menino do Rio

Fernando Henrique estava ontem nas areias da Praia do Leblon.

Foi aplaudido.

Panorama Político :: Ilimar Franco

DEU EM O GLOBO

O vice do Serra.

Não se fala de outra coisa em Minas Gerais: o ex-presidente Itamar Franco vai ser o vice na chapa presidencial de José Serra. O tucano, que sequer verbaliza sua candidatura, gostaria de um mineiro em sua chapa. O nome preferido do PSDB é o governador Aécio Neves. Mas em Juiz de Fora (MG), nas conversas com os amigos, o próprio Itamar anda confidenciando que será o vice de Serra. Itamar é filiado ao PPS.

Na jugular

O deputado Raul Jugmann (PPS-PE) aplica a primeira lei da dialética de Georges Politzer: “Tudo se relaciona”. Jungmann quer convocar Dilma Rousseff (Casa Civil) para tratar do Plano de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

Tucanos ensaiam ataque

DEU NO ESTADO DE MINAS

Com receio de que Dilma continue crescendo nas pesquisas por influência da alta popularidade de Lula, cúpula do PSDB, reunida no Rio, decide que o partido será mais agressivo contra o governo

Thiago Herdy

Para tentar frear o crescimento da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), nos próximos meses e evitar que ela continue a beber da alta popularidade do presidente Lula, o PSDB promete elevar o tom das críticas ao governo petista, a 10 meses da eleição presidencial. A opção por uma estratégia mais agressiva foi acertada ontem na primeira reunião do ano com representantes da cúpula do partido, no Rio de Janeiro.

O primeiro ato depois do encontro, que simbolizará a nova postura do partido, é o ingresso de uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o PT, pedindo à Justiça Eleitoral que considere propaganda antecipada as inserções de rádio e televisão veiculadas pelo partido governista em dezembro. As mensagens apresentaram a ministra e pré-candidata Dilma como estrela principal das realizações do governo Lula.

O PT promete reagir e devolver o ato com a mesma moeda, provocando o TSE a também declarar propaganda antecipada as inserções do PSDB que apresentaram as realizações dos governadores e então pré-candidatos do PSDB ao governo federal, José Serra e Aécio Neves.

Nos programas, a dupla exaltou suas realizações e o modo tucano de governar, em vez de bater em Dilma Rousseff ou em Lula. O tom do PSDB mudará nos próximos dias, quando o partido cobrará uma atuação mais forte dos seus parlamentares, seja na Câmara, seja no Senado, para que contestem realizações e números divulgados pelo governo federal. Pesquisas internas do partido confirmam a força e a popularidade do presidente Lula, mas mostram também a insatisfação de setores da opinião pública com a atuação do governo em áreas como infraestrutura, saúde e segurança pública.

O PSDB traçará nos próximos dias algumas bandeiras para reforçar o discurso da militância e de seus simpatizantes. Tentará roubar um pouco do espaço conquistado pela comunicação petista nas mídias regionais, aproveitando a facilidade de entrada de vereadores e deputados do partido nesta seara. Os oposicionistas entendem que não é mais possível ficar parado frente ao crescimento de um sentimento nacional que coloca o Brasil como um país com todos os seus problemas resolvidos. Campanhas publicitárias com tom ufanista, veiculadas recentemente por empresas como AmBev e GM, causaram desconforto entre os tucanos.

As tentativas de bater no governo em 2009 não surtiram efeito – episódios como a CPI da Petrobras, CPI do MST e o caso Lina Vieira não chegaram a arranhar a credibilidade do Planalto.
Para o secretário-geral do partido, o deputado federal Rodrigo de Castro (MG), há uma dificuldade natural do PSDB em ser oposição e muita timidez por parte dos aliados. “É da natureza do partido ser mais cuidadoso, já participamos efetivamente de governo, isso nos inibe.
Há também falha na direção nacional na hora de municiar as bases com material. Isso vai mudar”, disse.

Além do presidente nacional do PSDB, o senador Sérgio Guerra (PE), participaram do encontro no Rio de Janeiro o novo líder da legenda na Câmara, o deputado João Almeida (BA), e o vice-líder no Senado, o senador Álvaro Dias (PR). Estiveram presentes ainda outros deputados e representantes da Executiva do partido. No encontro, ficou acertado que a próxima reunião da Executiva Nacional será em Belo Horizonte, na segunda quinzena de janeiro. É uma forma de prestigiar o governador Aécio Neves pelo gesto de abrir mão da disputa interna em nome de José Serra.

Miriam Leitão :: Ritmos diferentes

DEU EM O GLOBO

A venda de carros no mercado interno fechou o ano com um número inesperado: 3.141.000 automóveis.

Para um ano que começou em ponto morto, foi uma arrancada: 11% sobre 2008. Em 2010, as vendas devem crescer 8%. As exportações tiveram queda de 40%. “Nem posso culpar o câmbio porque na verdade o mundo não compra, os mercados lá fora encolheram”, diz Jackson Schneider, da Anfavea.

Os primeiros dados de balanço e previsão dos setores mostram uma economia em recuperação, mas com preocupações à frente. O superávit comercial vai cair de novo, em 2010, para US$ 12 bilhões ou US$ 10 bilhões.

As exportações só se seguram pelo preço das commodities e pela demanda chinesa, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O superávit comercial de US$ 1,8 bi em 2008 com os Estados Unidos caiu para déficit de US$ 4,4 bilhões em 2009.

— Isso é resultado de sete anos sem uma única missão governamental para promover exportação para a maior economia do mundo.

O governo desprezou o mercado americano, que era de 25% das nossas exportações em 2002 e agora absorve apenas 10% — diz José Augusto de Castro, vicepresidente da AEB.

O agronegócio mais uma vez garantirá o saldo positivo.

Para se ter uma ideia, o superávit do setor será de US$ 53 bilhões. O cenário previsto pelo economista Fábio Silveira, da RC Consultores, é de superávit de US$ 10 bilhões em 2010. Isso significa que o agronegócio terá um resultado positivo de US$ 53 bi, enquanto o setor industrial produzirá um resultado negativo de US$ 43 bi.

O câmbio só não preocupa muito porque o principal problema ainda é a falta de compradores.

Por enquanto. Schneider disse que quando a situação na economia internacional melhorar, o Brasil não poderá competir.

— Na hora em que retomar a demanda externa, o Brasil estará em condições piores do que seus competidores por causa do câmbio — disse o presidente da Anfavea.

No agronegócio, o câmbio também não é a preocupação central agora, por um motivo: a escalada dos preços internacionais das commodities agrícolas.

— O café, que exportou US$ 4,4 bilhões em 2009, vai exportar US$ 4,5 bilhões em 2010. O açúcar vai de US$ 8 bilhões para US$ 9 bilhões. A soja em grão sairá de US$ 13 bilhões para US$ 14 bilhões.

Quem não teve preço melhor, aumentará o volume, como a carne, que deve exportar US$ 10,5 bilhões este ano, um pouco mais do que os US$ 9,8 bilhões do ano passado — diz Fábio Silveira, da RC.

José Augusto de Castro, da AEB, acha que o setor exportador se sustenta por causa de uma disparada nos preços, que, na visão dele, é prova de que estão se formando novas bolhas.

— O açúcar teve aumento de preço de 105%, algodão, de 55%, café, 20%, suco de laranja, 90%. O aumento de 14% da soja não parece muito, mas está havendo supersafra nos Estados Unidos, Brasil e Argentina, e os preços sobem. No setor de metálicos também há fatos estranhos: o que justifica o cobre ter subido 153%, o alumínio, 81%, e o zinco, 129%, numa economia que ainda está em crise? As commodities negociadas em bolsa estão virando ativos financeiros pelo excesso de liquidez — diz Castro.

A economia entra assim em 2010. Com alguns bons motivos para comemorar um final feliz em vários setores, mas com preocupações em outras áreas. No setor automobilístico, a diferença é gritante. Em novembro de 2008, as vendas caíram 25%. Entraram fracas no ano e foram se recuperando aos poucos.

— A crise chegou pela ponta do crédito. O consumidor ia até a loja, tinha vontade de comprar o carro, mas não tinha crédito. O Banco Central tomou todas aquelas medidas de liberação de compulsório e de compra de carteira de veículos.

A situação melhorou.

O que trouxe de volta mesmo o consumidor foi a queda do IPI. O movimento foi ajudado pelas promoções e descontos dos fabricantes e do varejo e a gente chegou a um excelente resultado — diz o presidente da Anfavea.

Para 2010, o setor está prevendo que as vendas vão chegar a 3,4 milhões de veículos leves, excluindo tratores e caminhões. Mesmo se a demanda lá fora melhorar, ele não se anima.

Acha que o dólar não ajuda.

O setor de aço tem um quadro de recuperação, mas bem menos colorido. Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil, diz que o setor fechou o ano com queda de 20% de produção em relação a 2008, mas houve um momento em que a ocupação da capacidade instalada mal chegava a 50%. Chegou ao fim do ano em 80%: — Nós precisamos da exportação porque o mercado interno não consome tudo, mas o mundo tem excedentes e a grande interrogação é a China: ela continuará comprando ou vai exportar seus excedentes? Executivos e consultores mostram um cenário com sinais contraditórios. Schneider, da Anfavea, disse que os três maiores anúncios de investimento no mundo, no setor automobilístico, foram feitos no Brasil: da GM, Ford e Volks. Marco Polo, do setor siderúrgico, acha que a demanda por aço só vai crescer quando forem iniciados investimentos para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Os exportadores acham que o Brasil tem perdido oportunidades, o câmbio vai atrapalhar, e o saldo comercial vai encolher.

Com Alvaro Gribel

Exportação brasileira tem maior queda em seis décadas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Desempenho faz com que saldo comercial em 2009 seja o pior em sete anos

O impacto da crise financeira no comércio mundial derrubou as exportações brasileiras em 2009.

As vendas externas mostraram o maior recuo em um único ano desde 1950, início da série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. As exportações recuaram 22,2% em relação a 2008, o que levou a balança comercial a um saldo de US$ 24,61 bilhões, o menor em sete anos. Afetadas pela redução das vendas de produtos manufaturados, as exportações somaram US$152,25 bilhões - abaixados US$160 bilhões projetados pelo governo.

Anteriormente, a maior queda das exportações fora registrada em 1952: 19,8%. O recuado superávit comercial em 2009 só não foi maior porque o País importou menos.

Balança comercial fecha 2009 com o pior saldo em sete anos

Com a crise, as exportações brasileiras sofreram maior queda porcentual desde 1950

Adriana Fernandes


BRASÍLIA - O impacto negativo da crise no comércio mundial derrubou as exportações brasileiras, que mostraram em 2009 o maior recuo em um único ano desde 1950, quando tem início a série histórica do Ministério do Desenvolvimento. As exportações recuaram 22,2% em relação a 2008, o que levou a balança a apresentar o menor saldo em sete anos: US$ 24,61 bilhões. Em dezembro, o superávit foi de US$ 1,43 bilhão.

As exportações somaram US$ 152,25 bilhões, abaixo dos US$ 160 bilhões projetados pelo governo. Até agora, a maior queda das exportações tinha sido registrada em 1952 ? 19,8%. O recuo do superávit comercial em 2009 só não foi maior porque o Brasil também importou menos com a retração da atividade. As compras de produtos fabricados no exterior fecharam o ano em R$ 127,63 bilhões, uma queda de 25,3%.

O resultado dessa combinação de fatores negativos foi a diminuição em 23,6% da corrente de comércio do Brasil, indicador que mostra a soma das exportações com as importações e representa o grau de internacionalização da economia. Em 2008, a corrente de comércio cresceu 31,95%. De 2006 ? ano em que a balança apresentou o maior superávit da história, US$ 46,45 bilhões ? até 2009, o saldo positivo caiu R$ 21,8 bilhões. Um recuo de 47%.

Grande compradora de produtos como soja e minério de ferro, a China assumiu no ano passado o posto de maior mercado de produtos do Brasil no lugar dos Estados Unidos. Com isso, a participação dos manufaturados na pauta de exportações, que já chegou a representar mais de 50%, caiu para 43,7% em 2009. Já a participação dos básicos subiu de 36,9% para 40,7%.

"É preocupante a queda dos manufaturados", salientou o secretário de Comércio Exterior do MDIC, Welber Barral. Os embarques desses produtos em 2009 recuaram 27,3% em relação a 2008, bem mais do que os 14,1% de queda nas vendas dos básicos e de 23,4% de semimanufaturados. Apesar do recuo de preços das principais commodities, a quantidade vendida de básicos aumentou.

Barral avaliou que a queda das exportações de manufaturados é ruim porque esses produtos geram mais renda e emprego. A recuperação, segundo ele, vai depender da retomada da global e do nível de competitividade do Brasil. O secretário estimou que, em 2010, as exportações crescerão 10%, para US$ 168 bilhões.

Nas importações, as compras de bens de capital caíram 16,4% em 2009. Barral destacou como positivo o aumento de 20,8% para 23,3% da fatia desses produtos nas importações, sinal de que, apesar da crise, a economia manteve parte dos investimentos. As compras externas de produtos intermediários caíram 46,1%. Nos bens de consumo, o recuo foi bem menor, de 3,4%. As importações de automóveis, por exemplo, subiram 3,5% em 2009.

Luiz Gonzaga Belluzzo :: Façanhas da finança desregulada

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em discurso na American Economic Association, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, discorreu sobre a necessidade de uma nova regulamentação financeira destinada a impedir a formação de novas bolhas de ativos. Bernanke dá a entender que a política monetária, executada mediante o manejo da taxa de juros, é incapaz de "estabilizar" os mercados financeiros contemporâneos, inclinados às inovações e seus destemperos. "Uma regulamentação mais forte e uma supervisão destinada a disciplinar as práticas de emissão de "securities" e de avaliação do risco teriam sido mais efetivas e cirúrgicas na prevenção da bolha imobiliária do que um aumento generalizado das taxas de juros."

Muita gente desconfia, no entanto, que o presidente do Federal Reserve e suas intenções possam sucumbir diante das resistências e humores dos senhores da finança. É cada vez maior o contingente de analistas céticos em relação à disposição dos mercados em aceitar regras prudenciais e medidas capazes de controlar os impulsos a buscar inovações capazes de satisfazer o apetite feroz por ganhos maiores.

Nos anos 90, os democratas de Clinton patrocinaram a extinção das regras que determinavam a separação das funções entre os bancos comerciais, de investimento e instituições encarregadas do crédito hipotecário, imposta pelo Glass-Steagall Act na crise bancária dos anos 30. Figuras como o assessor econômico do presidente, Lawrence Summers, e o atual secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ocuparam posições importantes na era Clinton. Estão entre aqueles que - nas palavras de um analista conceituado - não só "fracassaram em reconhecer as distorções que levaram à crise, como na verdade, foram responsáveis pela criação de muitas dessas distorções."

Já escrevi em outra ocasião que o rol de equívocos promíscuos cometidos por Geithner e Summers em sua função de autoridades reguladoras é impressionante. Entre tantas proezas, figura com aplomb a afirmação de Geithner em 15 de março de 2007: "As inovações financeiras, como os derivativos, melhoraram a capacidade de avaliar e administrar os riscos". Para Geithner "as maiores instituições estavam em geral mais fortes no que diz respeito aos requerimentos de capital em relação ao risco". O palpite infeliz foi pronunciado em 2007 quando a crise financeira já mostrava os dentes e afiava as garras. Dois dias depois, entrevistas e gravações mostram que Geithner trabalhou nos bastidores para reduzir o capital dos bancos.

O rápido avanço da finança direta e dos mercados de capitais ao promover a securitização dos créditos abriu espaço para as trampolinagens do subprime e estimulou inovações perigosas e mal compreendidas pelos clientes dos bancos ou quase-bancos. Como informa o relatório do especialista inglês Adair Turner, tais práticas determinaram, entre outras mazelas, o crescimento desproporcional das dívidas no interior do sistema financeiro entre bancos comerciais, bancos de investimento e hedge funds. A crescente interdependência entre os balanços das instituições, o leitor há de perceber, foi a receita perfeita para a tragédia sistêmica.

O ímpeto da concorrência levou o sistema bancário internacional à incessante violação de todas as normas e à velha e fatal combinação entre euforia, má avaliação dos créditos, concentração setorial de ativos e superalavancagem. Para juntar infâmia à injúria, num momento em que se estreitavam os spreads entre as taxas de papéis "sem risco" do governo e os rendimentos dos títulos mais arriscados, a "securitização" evoluiu para a criação de produtos sintéticos, ou seja, para a emissão de "securities" derivadas de blocos de "securities".

Na edição de 24 de dezembro, duas jornalistas do "New York Times" (NYT), Gretchen Morgenson e Louise Story, revelaram ao público em geral as façanhas praticadas às vésperas do crash financeiro por um dos bancos de investimento sobreviventes, o Goldman Sachs. A centenária instituição, dizem os detratores, já apercebida do colapso da bolha imobiliária, não economizou munição para lançar ao mercado bilhões de "colateral debt obligations" (CDO) ditos sintéticos. Fundos de pensão, hedge funds e outros bancos, inclusive estrangeiros, "carregaram" os instrumentos de crédito sintéticos, classificados favoravelmente pelas agências de risco.

Enquanto isso, sem conhecimento da clientela, o banco de investimento Goldman Sachs assumia posições "short", ou seja, apostava na queda dos papéis. Quando a pirâmide veio abaixo e os preços despencaram, o banco abiscoitou os ganhos da posição "short" e deixou o prejuízo para os que acreditaram na qualidade dos ativos adquiridos.

"A Securities and Exchange Commission deveria estar interessada em investigar uma instituição financeira que secretamente decide negociar um produto sabidamente "perdedor", sem emitir sua verdadeira opinião para os clientes", diz o professor Laurece Kotlikoff, da Universidade de Boston.

Porta-vozes do Goldman Sachs argumentam que os clientes eram investidores sofisticados e bem informados, dispostos a assumir os riscos da aposta em papéis mais atraentes, num momento de declínio generalizado dos rendimentos.

A crise veio brava. Os desavisados foram pegos no contrapé, superalavancados, com capital e reservas insuficientes para contrabalançar as perdas. Já os atilados do Goldman Sachs trataram de safar a onça quando perceberam que as inovações celebradas por Geithner e Summers estavam azedando. Um tanto tardiamente os sábios concluíram que estavam diante de uma "crise sistêmica", embora nem todos tivessem provado o gosto amargo da gororoba estragada.

Durante as décadas de euforia, os críticos da desregulamentação não se cansaram de deplorar a frouxa supervisão das autoridades americanas incumbidas de fiscalizar os mercados financeiros. A desídia dos reguladores abriu as portas para operações fraudulentas de todo o gênero.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Paul Krugman :: Aquela sensação de 1937 poderá se repetir agora

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

The New York Times

Segundo o noticiário econômico, o próximo relatório sobre o emprego poderá mostrar que, pela primeira vez em dois anos, estão sendo criados empregos nos EUA, e o próximo relatório sobre o Produto Interno Bruto (PIB) provavelmente apontará para um sólido crescimento no final de 2009. Haverá inúmeros comentários otimistas - e os apelos, que já ouvimos antes, para que acabem os estímulos e se suspendam as medidas do governo e do Federal Reserve (Fed, banco central americano) destinadas a amparar a economia, se tornarão ainda mais fortes.

Entretanto, se estes apelos forem atendidos, repetiremos o grande erro de 1937, quando o Fed e o governo Roosevelt decidiram que a Grande Depressão havia acabado, e estava na hora de a economia largar as muletas. Os gastos foram reduzidos, a política monetária sofreu novo aperto - e a economia imediatamente mergulhou na crise.

Isto não deveria acontecer. Ben Bernanke, presidente do Fed, e Christina Romer, chefe do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama, são estudiosos da Grande Depressão. Romer advertiu explicitamente que os eventos de 1937 não podem se repetir.

Mas os que lembram do passado, às vezes o repetem.

Como lemos nos noticiários, é importante ter em mente, em primeiro lugar, que os rápidos lampejos que acendem nossas esperanças - os números positivos ocasionais desprovidos de significado - são comuns mesmo quando, na realidade, a economia está mergulhada numa crise prolongada. Por exemplo, no início de 2002, os primeiros relatórios mostravam que a economia estava crescendo a uma taxa anual de 5,8%. No entanto, a taxa de desemprego continuou subindo por mais um ano.

E no início de 1996, relatórios preliminares mostraram que a economia japonesa se expandia a uma taxa anual superior a 12%, provocando declarações triunfalistas como "a economia finalmente entrou numa fase de recuperação autoalimentada". Na realidade, o Japão estava na metade de sua década perdida.

Ocorre que estes sinais ocasionais muitas vezes são ilusões estatísticas. Mas o que é mais importante ainda é que, em geral, são provocados por um "salto dos estoques". Quando a economia entra em crise, as companhias em geral ficam com grandes estoques de bens não vendidos. Para eliminar estes excedentes, elas reduzem a produção; uma vez eliminado o excesso, elas voltam a aumentar a produção, o que parece um crescimento repentino do PIB.

Infelizmente, este crescimento é apenas momentâneo, a não ser que haja uma recuperação das fontes da demanda, como gastos dos consumidores e investimentos a longo prazo.

O que nos traz de volta à situação ainda sombria dos fundamentos da nossa economia.

Nos bons anos da década passada, o crescimento foi impulsionado por um boom da habitação e por um aumento dos gastos com o consumo. Nada disso deverá acontecer novamente. Não pode haver outro boom da habitação enquanto a nação continua com um estoque extraordinário de casas e apartamentos vagos em consequência do boom passado, e os consumidores - hoje US$ 11 trilhões mais pobres em relação ao que eram antes da crise da habitação - não têm a menor condição de retomar aos hábitos de então, ou seja, "comprar agora e nunca poupar".

O que acontecerá então? Neste momento, um boom dos investimentos das empresas seria muito útil. Mas é difícil imaginar onde poderia se dar: a indústria apresenta um enorme excesso de capacidade, e os alugueis comerciais estão despencando, dada a superoferta.

A ajuda poderia vir das exportações? Durante algum tempo, a queda do déficit comercial americano permitiu atenuar a crise econômica. Mas o déficit voltou a crescer, em parte porque a China e outros países superavitários se recusam a fazer um ajuste das suas moedas.

Portanto, há grande probabilidade de que as eventuais boas notícias econômicas que a gente possa ouvir no futuro próximo sejam falsos sinais, e não uma indicação de que estamos caminhando para uma recuperação sustentada. Mas é possível que os responsáveis pelas decisões políticas interpretem erroneamente as notícias e repitam os erros de 1937? Na realidade, já estão fazendo isto.

O plano de estímulo fiscal de Obama deveria alcançar seu efeito máximo sobre o PIB e sobre o emprego na metade deste ano, e depois começaria a desaparecer. Será muito cedo para fazer isto: para que retirar a ajuda considerando o persistente e maciço desemprego atual? O Congresso deveria ter adotado uma segunda rodada de ajuda meses atrás, quando ficou claro que a crise se agravaria e duraria mais do que o previsto. Mas nada foi feito.

Ao mesmo tempo, no Fed fala-se da necessidade de uma "estratégia de saída" para as suas medidas de apoio da economia. Uma destas medidas, as compras dos títulos da dívida do governo americano de longo prazo, já chegou ao fim. Acredita-se que outra, a das compras de títulos atrelados às hipotecas, será suspensa em alguns meses. A consequência será um aperto monetário, mesmo que o Fed não eleve diretamente as taxas de juros - e há fortes pressões para que Bernanke o faça. O Fed se dará conta de que o combate à crise não acabou? E o Congresso?

Se isto não acontecer, 2010 será um ano que começou com esperança e acabará na aflição.

Janio de Freitas :: Um ato inovador

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A falta de interdição nas cidades favelizadas resultou em uma espécie de urbanismo criminoso

Com o atraso denunciado em uma quantidade inqualificável de mortes, o prefeito de Angra dos Reis adota uma providência administrativa que o põe à frente dos mais de 5.000 prefeitos brasileiros, no que seja respeito ao próprio dever, coragem política e contribuição social. Tal medida de Juca Brandão é a que proíbe construções e ampliações em 15 morros de Angra. Ao menos até que as perícias de geotécnica manifestem-se sobre a segurança das áreas.

A falta de tal interdição nas cidades favelizadas, proveniente apenas da conveniência eleitoreira, resultou em uma espécie de urbanismo criminoso, que tantos administradores públicos têm praticado por tão longo tempo, com a permissão para o crescimento de favelas (formas de degradação da vida urbana) e para a especulação imobiliária (como degradação também da natureza).

Se não era possível conter a debandada rural para cidades grandes, sob auspícios das problemáticas oportunidades de ascensão econômica, um mínimo de orientação e racionalidade todos os administradores públicos de tais cidades e Estados deviam estabelecer, até por obrigação preliminar. Mas os novos conglomerados não foram vistos como acréscimos de gente, de pobreza e da necessidade de ação: aos olhos dos políticos, o que chegava e se instalava eram votos disponíveis.

A atitude das administrações não foi e não é, por acaso, uma tolerância por compreensão social, como pretendem tantos argumentos atenuadores dos problemas implícitos na favelização, pelo país todo? As condições deprimentes das favelas ("onde o Estado não entra", admitem os mesmos argumentos) têm as assinaturas daqueles todos que permitiram, ou permitem ainda, o seu surgimento indiscriminado e crescimento alucinado.

Perversidade que segue, por si mesma, um processo de evolução sob as mesmas responsabilidades: favelas hoje são áreas também de especulação imobiliária, com a criação da indústria das lajes e da expansão sorrateira.

O "choque de ordem", que o recém-prefeito carioca Eduardo Paes tenta aplicar no Rio, demoliu como exemplo um vasto prédio que se alastrava em uma favela. O exemplo ficou para quem não mora em favela, lê jornal e assiste à TV: sobreposição de quatro, cinco andares, sobre bases precárias, e muitas delas expulsando ou sufocando vizinhos a poder de violências, continuam a subir. A indústria da laje é o enriquecimento, relativo, mas enriquecimento, à custa da subcondição favelada. Sempre sob o patrocínio da conveniência eleitoreira.

As vidas que correm risco ou se perdem com as ocupações sem critério, permitidas porque ricas ou porque pobres, não jamais foram as dos administradores públicos.

De volta

O professor Alfredo Bosi atribui a Marco Antônio Coelho a iniciativa de demitir-se da publicação "Estudos Avançados", assunto que foi pequena parte de nota aqui publicada. Sem discutir versões, registro também, a propósito, o final da cópia que o professor me mandou de carta sua ao afastado: "Enquanto esses juízos não forem retirados, não vejo condições morais para restabelecer o trabalho comum".

Refere-se ao que considerou "juízos arbitrários e injustos" de Marco Antônio Coelho a propósito da recusa, pelo editor Alfredo Bosi, de artigo do presidente do PPS, Roberto Freire, para um dossiê sobre a "Crise do Congresso". O que explica por Roberto Freire não ser congressista, como os outros políticos publicados, daí resultando a "decisão de afastar-se" tomada por seu editor-executivo, "desgostoso por não ver publicado (...) um artigo do seu líder partidário". Não fiz referência a esses aspectos, até por não ter proximidade com os dados como líder e liderado.

O professor Alfredo Bosi considerou "infamante" o termo fascistoide "lançado ao (seu) rosto".

Mas a palavra não se dirigiu ao professor Alfredo Bosi: serviu de título ao episódio de uma tríplice censura (cortes também em dois artigos de congressistas), razão de ser da nota.