domingo, 24 de janeiro de 2010

Reflexão do dia - Roberto Freire

“Em 2010 comemoramos os 25 anos do fim da ditadura militar. Sintomático e relevante é o silêncio abissal do PMDB e o total alheamento do PT, talvez o partido que mais se beneficiou com a redemocratização.

É compreensível a não-comemoração de tão importante fato na vida política do país por parte do PT, que se recusou a fazer parte da aliança democrática que elegeu Tancredo Neves em 1985, depois de derrotada a emenda das Diretas Já - e ai da democracia brasileira se dependesse do PT: a ditadura teria se reproduzido com a escolha de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Já o silêncio do PMDB e de outras forcas democráticas nos parece constrangedor.”


(Roberto Freire, em artigo, no jornal Brasil Econômico)

Merval Pereira:: A nova classe

DEU EM O GLOBO

A forte participação do PT e de sindicalistas, especialmente os ligados à CUT, na máquina pública federal, analisada no livro “A elite dirigente do governo Lula”, da cientista política Maria Celina D’Araujo, com a colaboração de Camila Lameirão, não está limitada apenas aos cargos de confiança do serviço público, mas se espalha até a direção dos maiores fundos de pensão do país.

A análise da composição da diretoria executiva e do conselho fiscal dos três maiores fundos de pensão — Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal) no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso e nos dois de Lula — mostra uma presença constante e, praticamente na mesma intensidade, de petistas nos cargos de comando desses fundos.

O que confirma que o PT e os sindicatos passaram a lidar com o tema de forma mais profissional a partir dos anos 1990, para ocupar parte significativa desse campo de direção.

A Previ, o maior fundo de pensão do Brasil, tinha, em dezembro de 2008, 175.995 participantes, e seus investimentos eram da ordem de R$ 116,7 bilhões.

A Petros, o segundo maior fundo de pensão brasileiro, em novembro de 2008 tinha 128 mil participantes e patrimônio em torno de R$ 39,2 bilhões.

A Fundação dos Economiários Federais, a Funcef, no fim de 2008 tinha patrimônio ativo superior a R$ 34 bilhões, e o número de participantes chegava a mais de 100 mil.

Entre 1999-2008, o trabalho catalogou 39 dos 51 dirigentes da Previ, 23 de um total de 28 da Petros, e 24 para um conjunto de 34 da Funcef, num total de 86 dirigentes, sendo que apenas dez eram mulheres.

Analisando a presença de filiados a partidos entre os nomeados em cada um dos três governos, o estudo constatou que, no segundo mandato de Fernando Henrique, 20,6% (7 das 34 pessoas) eram filiados a partidos, enquanto nos dois governos de Lula os percentuais são de 24,3% (9 das 37 pessoas) e 20% (3 das 15 pessoas), respectivamente. Todos do PT.

O estudo mostra que a filiação a partidos, embora significativa, não é tão expressiva quanto a vinculação com sindicatos. Durante o segundo mandato de FHC, das 34 pessoas identificadas como ocupantes de cargos na diretoria executiva e no conselho fiscal dos três fundos, 14 eram sindicalizadas, ou seja, 41,2%.

No primeiro governo Lula temos 37 pessoas nomeadas, e o percentual sobe para 51,3%. No segundo há 15 pessoas indicadas e, delas, 66,6% são sindicalizadas. A presença sindical cresce expressivamente com a posse de Lula, e aumenta no seu segundo governo.

Através de diferentes fontes de informação, os pesquisadores conseguiram apurar dados sobre filiação partidária e sindical do grupo de 86 pessoas entre os 113 nomeados a partir de 1999.

Quanto a partidos, as taxas de filiação são semelhantes às encontradas entre os 505 ocupantes de DAS, cargos de confiança no serviço público. Para estes foi encontrado um índice de 24,7% de filiados, enquanto entre os 86 dirigentes de fundo de pensão chegouse a 22,1%.

O percentual de dirigentes filiados a partidos em cada um desses fundos varia de 17% a 21%, e todos são filiados ao PT. Entre eles, a maior parte (oito) cabe à Previ. Os dados sobre filiação a sindicatos mostram números um pouco superiores aos da amostra de 505 DAS dos dois governos Lula.

Nessa amostra, a filiação era de 40,8%, e entre os dirigentes dos fundos de pensão é maior que 50% nos casos da Previ e da Petros. A Funcef apresenta o menor índice de sindicalizados, ou seja, apenas dez das 24 pessoas ali identificadas, cerca de 40%.

Comparando-se a sindicalização e a filiação a partidos, a superposição não é tão marcante quanto a verificada na amostra de DAS, que é de 39,3%. Embora metade desses dirigentes tenha filiação sindical, apenas 15 pertencem ao mesmo tempo a um sindicato e ao PT, o que significa que, entre os 86 dirigentes em questão, cerca de 17,5% são sindicalizados e filiados ao PT.

O trabalho de Maria Celina D’Araujo, realizado quando ela era pesquisadora do Cpdoc da Fundação Getulio Vargas, no Rio, mostra que o PT e os sindicatos brasileiros, de início arredios em participar dessa atividade, caracterizada como engrenagem do “capitalismo financeiro global”, começaram a pregar a necessidade de uma mudança de postura.

O próprio Lula, no início do primeiro governo, afirmava que o movimento operário precisava compreender o papel dos fundos de pensão.

Segundo a cientista política Maria Aparecida Jardim, já em 1996, a Abrapp (Associação Brasileira das Entidades de Previdência Privada) aproximou-se de importantes lideranças do PT por meio dos sindicatos dos Metalúrgicos e dos Bancários de São Paulo.

O livro não trata disso, mas os sindicalistas que passaram a controlar esses fundos de pensão foram chamados de “a nova classe” pelo sociólogo Chico Oliveira, fundador do PT e hoje um dissidente.

Sob a teorização de que o controle dos fundos de pensão era necessário para criar “uma nova solidariedade” e o “capitalismo popular”, o que se vê é uma briga de foice entre grupos sindicalistas para controlar os grandes negócios em que os fundos estão metidos.

Entre os maiores, se destaca o Previ do Banco do Brasil, que tem participação em 70 empresas e direito a indicar nada menos que 285 conselheiros.

Quem o preside desde o início do governo Lula é o ex-trotskista Sérgio Rosa, oriundo da Confederação Nacional dos Bancários.

Membros do governo Lula oriundos do sindicalismo bancário e do movimento trotskista, como os ex-ministros Luiz Gushiken e Ricardo Berzoini, presidente do PT, têm grande influência.

Um exemplo dos grandes negócios dos fundos de pensão dominados pelos sindicalistas é a fusão das telefônicas Brasil Telecom e Telemar na nova Oi, que colocou em posições contrárias o então todo poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, contra Luiz Gushiken, com o banqueiro Daniel Dantas no meio da disputa.

Dora Kramer :: Comitê central

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se a realização de uma reunião entre o presidente da República e seu ministério em uma das residências oficiais da Presidência, a Granja do Torto, em que dos 14 pontos abordados 12 são de caráter político-eleitoral, não é uso da máquina pública, difícil definir o que seja abuso de poder.

Decisões de governo propriamente ditas foram anunciadas duas: a alteração da previsão de crescimento do PIB de 5% para 5,2% e o anúncio lançamento do PAC 2 para fim de março. Nada que precisasse da moldura de uma reunião ministerial para ser dito.

Mas o cenário imponente foi usado ao molde da necessidade do presidente Luiz Inácio da Silva em exibir todo o seu peso como cabo eleitoral da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Deu o recado: é o governo em ação.

E explicitou tarefas, uma a uma, à vontade como se estivesse no comitê central da campanha à própria sucessão.

No centro da mesa, rodeado de ministros, Lula avisou que quer mesmo uma eleição plebiscitária. Ponto um.

Ponto dois: afirmou que o lema será "quem sou eu contra quem és tu". Por "eu e tu" entenda-se Lula e Fernando Henrique Cardoso. Uma maneira de o presidente não apenas se aproveitar da situação desfavorável a FH nas pesquisas, mas principalmente de conferir ao governador José Serra o status de pupilo, procurando igualá-lo a Dilma.

Ponto três: insultou o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, porque ele teve a ousadia de dizer que se seu partido ganhar a eleição vai acabar com essa história de chamar cronograma de obras de governo de PAC.

Ponto quatro: pediu a Dilma que faça uma campanha de alto nível.

Ponto cinco: orientou os ministros para que fiquem longe do tiroteio eleitoral.

Ponto seis: determinou a todos que tenham na ponta da língua dados para rebater os ataques da oposição.

Ponto sete: informou que Dilma fica no governo até 3 de abril e determinou aos demais ministros candidatos que façam o mesmo.

Ponto oito: informou que em breve vai conversar com Ciro Gomes sobre a candidatura dele a presidente.

Ponto nove: lembrou que o governo perdeu a eleição no Chile porque se dividiu.

Ponto 10: ordenou ao ministro da Fazenda e ao presidente do Banco Central que falem sobre dados que afetam a vida das pessoas e evitem a macroeconomia, tema de difícil entendimento para o eleitor médio.

Ponto 11: lançou o vice-presidente José Alencar candidato ao Senado por Minas.

Ponto 12: comunicou que Dilma continua estrela do PAC, mesmo no palanque.

Ponto final: se isso não é uso da máquina pública em prol de interesse particular, Deus nos livre do momento em que a coisa apertar e o abuso começar.

Voto obrigatório

Os males da burocracia e do sistema de voto obrigatório no Brasil se expressam com clareza no relato de um leitor que pede anonimato. Português, casado com brasileira, residente em uma capital nordestina e dependente de decisão judicial para assumir a vaga de professor de filosofia na rede estadual da Paraíba.

Ele passou no concurso público, foi chamado para assumir, mas perdeu a data da posse porque o Ministério da Justiça não emitiu a tempo ? no prazo de três meses ? a concessão de igualdade de direitos políticos, alegando problemas no sistema informatizado de emissão de portarias.

O cidadão deixou de votar em Portugal, e passou a ser eleitor no Brasil. Nem por isso conseguiu assumir a vaga conquistada. Sendo o voto obrigatório, o documento de condição eleitoral é determinante.

O professor recorreu à Justiça, ganhou, mas o Estado recorreu e agora aguarda a decisão em segunda instância.

Atualidade

Em setembro de 2008, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico falando sobre a capacidade de transferência de votos que, na opinião dele, é relativa. Para qualquer político.

O governador partia do princípio de que as pesquisas não são lidas de maneira correta pela maioria. Segundo ele, quando elas dizem que para 60% das pessoas o apoio do presidente Lula é benéfico, isso quer dizer que o candidato dele tem sua vantagem aumentada naquele porcentual e não que seja potencialmente dono dos 60% das intenções de voto.

"Se o cara tem 1%, com o apoio de Lula terá 1,6%. Mas as pessoas querem ler assim: se o presidente Lula botar a mão eu saio de zero para 60%, o que não é verdade."

Segundo Jaques Wagner, o apoio conta, mas não define. Se o eleitor não gostar do candidato ele dirá: "Vai me desculpar, Lula, mas nesse aí eu não voto." Então, concluía o governador, "não funciona aquela ideia do "eu elejo um poste", não existe isso".

Não falava de Dilma nem de ninguém em particular. Era apenas a defesa de uma tese geral.

Férias

Cuidem direito da República. Até março.

Ferreira Gullar:: Uns mentem, outros deliram

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Lula está convencido do papel que a História lhe teria destinado; parece personagem de Gogol

Seria simplificação excessiva dividir os políticos em duas categorias distintas: a dos honestos, sinceros, imbuídos de espírito público, e a dos desonestos, mentirosos e voltados apenas para seus próprios interesses: enfim, anjos de um lado e demônios, do outro.

Sabemos que não é assim, e alguns escândalos ocorridos há pouco, no Congresso e fora dele, deixaram isso bem claro. Daí sermos levados a considerar que, queiramos ou não, o mundo político tem características peculiares que, se não nos devem levar a abrir mão das exigências éticas no comportamento de qualquer cidadão, ensinam-nos a admitir uma margem de tolerância que permita ao transviado arrepender-se e corrigir-se, mesmo porque todos nós estamos sujeitos, vez por outra, a pisar na bola.

É certo que há erros e erros e, como se sabe, se errar é humano, persistir no erro é indesculpável. E, infelizmente, em nosso universo político, há muitos que não apenas erram e persistem, como abusam da tolerância alheia.

Os valores éticos não podem ser relativizados, é claro, mas o desvio será tanto mais grave quanto mais importante for o lugar que ocupe o infrator no âmbito da sociedade. Por exemplo, o suborno é inaceitável, seja praticado por quem for, mas será certamente mais grave se quem o praticar for o governador do Distrito Federal ou um senador da República.

Não será menos grave se se tratar de um ministro de Estado e, mais grave ainda, se for o presidente da República. Este, então, por sua condição de chefe de Estado, está obrigado a seguir com rigor e transparência todas as normas éticas e constitucionais.

Pois bem, mentir não é pecado apenas perante Deus, mas igualmente perante os cidadãos.

Há um tipo de político para quem isso não tem importância, desde que contribua para manter seu prestígio ou a governabilidade. Há mesmo aqueles que garantem serem mentirosas as acusações verdadeiras que lhes são feitas, atribuindo-as aos adversários políticos ou à imprensa. Eles têm consciência de que a maioria da opinião pública sabe que mentem, mas estão se lixando para ela, já que os seus currais eleitorais só acreditam no que eles dizem e sempre votarão neles. O resultado é que importa, o pragmatismo está acima da ética.

E não é isso que fazem tantos políticos e, entre eles, Lula e seu partido? Todo mundo sabe que eles se opuseram ferozmente à política econômica do governo anterior, chegando Lula a afirmar que o Plano Real era um golpe eleitoral que não duraria seis meses; que a Lei de Responsabilidade Fiscal era uma farsa e o Proer, um pretexto para dar dinheiro a banqueiros.

No entanto, desde o primeiro dia de seu governo, Lula aplica essas medidas que combateu, sem jamais dizer que as herdou do governo passado. Pelo contrário, sua turma afirma que FHC lhes deixou uma herança maldita, quando, na verdade, a inflação de 2002 foi provocada pela possível vitória de Lula, que assustava os investidores. E, como se não bastasse, não hesitam em dizer que a oposição não tem programa de governo, sabendo que se apropriaram dele, uma vez que ostentam, como seu, o programa que era do governo anterior.

Deve-se reconhecer que ter seguido a política econômica que dera certo foi uma decisão correta do governo Lula, mas como admitir que governa apoiado nas medidas que, se dependesse dele e seu partido, jamais teriam sido adotadas? Não o admite porque seria aceitar que deve grande parte de seu êxito ao adversário, o que desarmaria a tese segundo a qual ele, Lula, não é apenas mais um presidente que o povo elegeu, e, sim, o único, até hoje eleito, que efetivamente o representa.

Essa convicção não se baseia em argumentos lógicos e, sim, numa visão mistificada, segundo a qual, depois de séculos, um filho do povo, nascido na pobreza, derrotou os ricos e tomou-lhes o poder. Por essa razão, o próprio Lula considera-se um predestinado. Não por acaso, em seus discursos, ele sempre afirma: "Nunca antes na história deste país...". E quer anular tanto o TCU quanto a imprensa, já que um predestinado não pode ser nem fiscalizado nem criticado.

Por isso mesmo, não diria que ele é um mentiroso nem um farsante, já que está convencido do papel que a História lhe teria destinado. Lembra-me aquele personagem de Gogol que, chegando à província, foi tomado equivocadamente como o inspetor geral a serviço do czar e passou então a agir como tal, certo de que era o que não era. Lula, como aquele personagem, pode acordar dessa ilusão, em 2010, quando o verdadeiro inspetor chegar à cidade. Ou não.

Gabeira: “Temos que ter competência”

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Embora seja um político experiente – candidato à Presidência em 1989 e ex-senador –, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) foi a grande sensação das eleições municipais de 2008, quando perdeu a disputa no município do Rio de Janeiro por menos de 1% dos votos para Eduardo Paes (PMDB). Aproveitando o apoio recebido pelo PSDB, topou ser candidato ao governo do Rio agora, decisão que causou certa polêmica, pelo fato de os dois partidos terem candidatos à Presidência. Por telefone, Gabeira conversou com a reportagem do JC.

JORNAL DO COMMERCIO – Como o senhor vê o momento atual do PV no Brasil?

FERNANDO GABEIRA – Enxergo como um momento diferenciado. Primeiro em nível planetário, com o crescimento muito grande da consciência ecológica. E nacionalmente conseguimos também uma grande militante ecológica que é a Marina Silva.

JC – O partido tem chance de colher frutos e crescer de verdade no Brasil a partir desse momento?

GABEIRA – A chance existe, mas temos que ter competência para aproveitar o momento, atualizar o programa, escolher bem os candidatos.

JC – O que precisa ser mudado no programa do partido?

GABEIRA – Muita coisa precisa ser revista no programa, que foi escrito quando ainda nem se tocava no assunto do aquecimento global. Nós, antes, denunciávamos questões ambientais e hoje precisamos também apresentar soluções. Para isso será muito importante também a aproximação com a ciência. A política internacional, com destaque para a América Latina, também precisa ser enfocada.

JC – O programa do PV coloca o partido à frente de questionamentos ideológicos de esquerda e direita. Recentemente, existia uma aproximação com o PSOL e agora com o PSDB. Será fácil fazer o eleitorado entender essa postura?

GABEIRA – Acho que sim. Estamos fazendo uma aliança com o PSDB no Rio de Janeiro, mas no Acre, terra de Marina Silva, estaremos com o PT. Na Bahia também estamos aliados com o PT. Então estaremos fazendo coligações dentro da realidade de cada Estado.

JC –
No que se refere ao Rio, o senhor acha viável essa divisão de palanques – Gabeira com Marina e o candidato a vice, do PSDB, com José Serra?

GABEIRA – A ideia é tranquila. Hoje os palanques, em sua maioria, são eletrônicos. Na TV, quando eu estiver falando, vai aparecer a minha candidata a presidente, que é Marina Silva.
Quando o candidato a vice estiver falando, aparece o candidato dele, que é o Serra.

JC – E nos eventos de rua, nos comícios?

GABEIRA – Nas manifestações de ruas, nas caminhadas, será a mesma coisa. Eu defenderei Marina e o vice defenderá Serra. Agora, isso não impede de haver cartazes de um ou de outro candidato. Isso não será proibido.

PT resgata seus mensaleiros em novo Diretório Nacional

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dirceu, Genoino e João Paulo voltam a ter direito de voto na sigla em ano eleitoral

Controle das finanças da campanha de Dilma ficará nas mãos de grupo egresso do sindicalismo bancário, que originou os "aloprados"


José Alberto Bombig
Enviado Especial a São Roque (Sp)
Leonardo Souza
Maria Clara Cabral
Da Sucursal de Brasília


O PT oficializou ontem a volta de nomes envolvidos no escândalo do mensalão à direção do partido. Conforme indicação da corrente majoritária da legenda, a CNB (Construindo um Novo Brasil), José Dirceu, João Paulo Cunha e José Genoino irão compor o novo Diretório Nacional, que tomará posse no mês que vem.

A campanha da candidata do partido à Presidência, ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), promoverá outra reedição: a do grupo de sindicalistas bancários que originou os "aloprados" e desempenhará funções estratégicas, como a centralização da captação de recursos.

"Não tem sentido prescindir da experiência desses companheiros num momento tão importante como este [pré-campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência]", disse o presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra (SE), à frente da CNB. As indicações foram aclamadas em plenário no congresso da chapa que venceu as eleições em novembro de 2009.

Outras duas correntes, Novo Rumo e PT de Lutas e de Massas, participaram do evento, em São Roque (SP), e apoiaram as indicações da CNB. Dirceu, Genoino e João Paulo foram afastados das instâncias partidárias no final de 2005, ano em que o caso do mensalão veio à tona.

Dirceu, ex-ministro da Casa Civil que deixou o cargo no ápice do escândalo, e os deputados federais Genoino e João Paulo são réus no processo do Supremo Tribunal Federal que julgará o mensalão -transferência de verbas supostamente públicas para congressistas da base aliada ao presidente Lula no Congresso. Eles negam a participação no esquema.

"Primeiro, para mim, não existe esse termo, mensaleiros. Depois, é um orgulho fazer parte da chapa ao lado de Dirceu, Genoino e João Paulo", disse Dutra. Na próxima terça, as três correntes, que formaram uma só chapa, apresentarão ao atual comando do partido seus 45 indicados ao Diretório Nacional.

Nem as demais correntes nem o atual comando têm direito de vetar as indicações se os militantes estiverem em dia com suas obrigações estatutárias. Assim, é praticamente certo que Dirceu, Genoino e João Paulo terão direito a voto entre os 81 membros do Diretório. Serão apresentados também os nomes do deputado federal José Nobre Guimarães (CE), que teve um ex-assessor detido com US$ 100 mil na cueca em 2005, e de Mônica Valente, mulher do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, pivô do mensalão e hoje afastado do partido.

Dilma

Já na campanha de Dilma, o núcleo responsável pela arrecadação e gestão dos recursos será formado por petistas egressos do sindicalismo bancário. Foi esse o grupo que comandou a reeleição de Lula em 2006 e originou os chamados "aloprados" -encarregados da compra de um dossiê contra José Serra, então postulante ao governo paulista e provável adversário da ministra agora.

Saíram do sindicalismo bancário os ministros Paulo Bernardo (Planejamento) e José Pimentel (Previdência), os presidentes dos dois maiores fundos de pensão do país, Sérgio Rosa (Previ) e Wagner Oliveira (Petros), o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, e o provável tesoureiro da sigla, João Vaccari Neto, entre outros.

Berzoini coordenou a reeleição de Lula até ser afastado, após o escândalo dos "aloprados". Jorge Lorenzetti, o "centralizador" da negociação do material em favor da campanha do então candidato Aloizio Mercadante, reportava-se ao atual presidente do PT.

Berzoini e Vaccari, também investigado pela Polícia Federal no inquérito dos "aloprados", terão papel fundamental na campanha de Dilma.

No mês que vem, Berzoini será substituído por Dutra na presidência do PT. Não deve integrar a coordenação central da campanha, mas será um dos articuladores em São Paulo, por onde tentará se reeleger deputado federal. Além disso, deve conseguir emplacar Vaccari como novo tesoureiro do PT.

Dutra e Berzoini ressaltam que Vaccari não necessariamente será o responsável pelas finanças da campanha. "Ele vai administrar o dinheiro do partido e aplicá-lo de acordo com as orientações. E estará em contato com o comitê financeiro de campanha", disse Dutra.

Hoje, é quase impossível separar a conta eleitoral dos recursos do partido, pois os empresários priorizam as contribuições às siglas, o que impede a identificação de beneficiários.

Serra busca suavizar imagem com mercado

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pré-candidato, tucano tem colaboradores com trânsito em variados setores da economia para aproximação com empresariado

Aliados ajudam a combater a ideia recorrente de que, se eleito presidente, tucano estaria fechado a diálogo com grupos de empresários

Catia Seabra

Da Reportagem Local

Potencial candidato do PSDB à Presidência, o governador de São Paulo, José Serra, investe em pontes para suavizar sua imagem diante de empresários.

Em sua equipe, Serra não conta só com colaboradores com trânsito em diferentes setores da economia. Mas busca parcerias, seja com a escalação de empresários para o conselho do recém-criado Investe São Paulo (agência paulista de investimento), ou com a cooperação do Movimento Brasil Competitivo na área de gestão.

Além de sensibilizar o empresariado para ações administrativas, a colaboração ajuda a demolir ideia recorrente em setores da economia de que, eleito presidente, Serra estaria fechado ao diálogo.

Hoje, o conselho da Investe São Paulo inclui, por exemplo, nomes como o de Paulo Cunha (Grupo Ultra), Ivan Zurita (Nestlé) e Paulo Godoy (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base).

Grupos privados

Com a contratação da assessoria do INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial), Serra atraiu a colaboração do Movimento Brasil Competitivo -liderado por Jorge Gerdau (Grupo Gerdau) e Beto Sicupira (InBev). Apoiadores dos INDG, representantes de grupos privados participam de reuniões periódicas no Palácio dos Bandeirantes, como a de outubro do ano passado, quando Serra fez um balanço de seu trabalho aos empresários.

"Fico imaginando a margem de manobra que existiria na esfera federal", disse Serra, após anunciar economia de R$ 518 milhões como produto do programa de melhoria da qualidade de gastos.

Em reuniões, o governador enaltece a capacidade de atrair investimentos. "O Estado tem sido o que mostra mais agilidade na captação de financiamentos. No caso do Banco Mundial, somos o maior parceiro", disse.

Com um capital autorizado de R$ 1 bilhão, a criação da Nossa Caixa Desenvolvimento acabou por adensar a relação do governo com o empresariado.

Sem estrutura física no Estado, a agência recorreu a parcerias com associações como a Abimaq (Associação Brasileira da Industria de Máquinas e Equipamentos) para oferecer financiamento a empresas de médio porte. Em outubro, em inauguração do escritório da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a agência foi apresentada por Serra como um instrumento de desenvolvimento criado em sua gestão.

"Os chineses não são mais competitivos do que nós porque têm o olhinho puxado. É porque eles têm outra política monetária e outra política cambial. Vamos ter isso muito claro. Isso não é uma fatalidade da natureza nem preguiça. Os trabalhadores são muito bons e temos uma excelente classe empresarial", discursou.

Além das reuniões, Serra participa de almoços informais com empresários, como os oferecidos pelo ex-secretário municipal Andrea Matarazzo.

Assim como Matarazzo, aliados reforçam a interlocução com o empresariado. O secretário estadual de Agricultura, João Sampaio, por exemplo, tem influência no agronegócio e o presidente da SPTuris, Caio Carvalho, na área do turismo.

Os presidentes da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa), Celso Lafer, e da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano), Márcio Fortes, também terão o papel de ampliar esse diálogo.

"Serra considera importante saber o que o mercado pensa. Mas sabe que o mercado, por si só, não faz o bem público", afirma Lafer.

Fortes, por sua vez, minimiza resistências ao nome de Serra. Mas tucanos reconhecem que sua personalidade forte, aliada à crítica à política monetária, alimenta restrições em alguns setores, como os bancos. Recente entrevista do presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), prometendo mudanças nas metas de inflação, acabou por fomentar uma insegurança.Interlocutor de Serra, o economista Roberto Gianetti da Fonseca afirma que a entrevista não retrata o pensamento do governador. "Ninguém tem condição de fazer uma política detalhada para 2011, diante das incertezas sobre o exercício de 2010. É muito cedo para dizer isso", justifica Gianetti, acrescentando, porém, que Serra não esconde seu ponto de vista sobre política cambial.

"O Serra sempre deixou claro que acha a taxa de câmbio bastante apreciada, que seria importante reduzir a taxa de juros, mudar a política econômica no sentido de gerar maior crescimento com estabilidade."

Tendo já se declarado à esquerda do PT, Serra se apresenta, em discursos, como defensor do desenvolvimento com estabilidade. Em seu portfólio, exibe ações dos tempos de Legislativo, como a instituição do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), ou a recente redução de ICMS para bens de capital. Mas isso não basta para aplacar resistência.

Eleitor pobre quer corte de tributos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pesquisas indicam que 7 em cada 10 brasileiros defendem redução de impostos, e não de juro, para gerar emprego

Julia Duailibi


A elevada carga tributária é apontada pelo eleitor de baixa renda como o maior empecilho para a geração de emprego e o aumento do consumo no País. Sete em cada dez brasileiros defendem a redução dos impostos, e não dos juros, como forma de gerar empregos - 65% aceitam menos programas sociais, como o Bolsa-Família, se a contrapartida for reduzir tributos para derrubar os preços.

Pesquisas do Instituto Análise mostram que 67% das pessoas com renda familiar de até R$ 465 dizem preferir um presidente que reduza os impostos dos alimentos para que se compre comida mais barata a um que aumente o Bolsa-Família - opção de 32% dos entrevistados.

"As pessoas sabem que poderiam consumir mais, mas não conseguem por causa dos impostos", afirmou o cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise. Realizadas em 2009, as pesquisas ouviram mil pessoas por mês. "São 70 cidades no País, incluindo as nove regiões metropolitanas e locais do interior", disse ele.

A diminuição da carga tributária, portanto, teria reflexos em outro tema caro ao eleitor: o aumento do consumo. Puxado pelo crescimento real do salário mínimo e do crédito, o consumo das famílias cresceu nos últimos anos - e o governo estima que aumentará 6,1% em 2010.

Nas pesquisa, 67% concordam que o "melhor para a população pobre é que o governo reduza impostos e tenha menos funcionários, com isso o preço dos produtos cai". Já 28% preferem "mais impostos e que com o dinheiro dos impostos o governo faça mais programas sociais".

Corte de impostos é apontada como principal medida contra desemprego - mais até que educação. "A população sente no bolso. A alta carga afeta mais os de renda baixa, que gastam parcela maior do orçamento com alimentação", disse o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

Estudo elaborado por Maria Helena Zockun, pesquisadora da Fipe, mostra que, em 1996, famílias que ganhavam até dois salários mínimos gastavam 28% da renda com impostos. Em 2004, 49% da renda foi para o Fisco. As famílias com renda superior a 30 mínimos gastavam 18% da renda com impostos em 96. Em 2004, gastaram 26%.

"Como os mais pobres gastam mais parte da renda com consumo, ficam vulneráveis", diz Maria Helena. "A pessoa pode não ter ideia do quanto há de imposto no produto. Mas vê o preço menor na informalidade. Sabe que com carga menor teria mais acesso a bens." Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, uma caixa de sabão em pó, que custa R$ 3,98, sairia por R$ 2,30 sem os impostos. Um saco de açúcar fica 68% mais caro, com a tributação, e o de cimento, 65%.

Na eleição, a oposição acusará o apetite arrecadatório do governo, que, por sua vez, dirá que promoveu desonerações como a do IPI. "O caso do IPI mostrou que com menos imposto compra-se mais", disse Almeida.

Eleitorado (de todas as classes sociais) apoia redução de imposto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Alberto Carlos Almeida*

Nas eleições presidenciais os candidatos tratam de todos os temas. Isso é resultado de nossa estadolatria. Adoramos o Estado e ele é capaz, ou deveria ser, de resolver tudo: desde as coisas mais óbvias, como saúde e educação, até a prevenção de acidentes naturais como enchentes, organizar festas de réveillon e financiar cachorros guias de cegos.

Nos países desenvolvidos os governantes admitem que há limites, por exemplo, para lidar com os transtornos causados por nevascas. Simplesmente há o aviso da nevasca e a solicitação para que as pessoas não saiam de casa. No Brasil, por enquanto, e pensando somente nos transtornos e não nas tragédias, essa admissão de não-onipotência de nossos governantes é inviável. Assim todos os candidatos a todos os cargos no Brasil tratam de todos os assuntos e prometem resolver tudo, desde que, é claro, controlem os recursos necessários para isso.

Apesar da profusão de temas o eleitorado tem um grande motivo para escolher o presidente que o governará. O eleitor vê no presidente o facilitador de seu consumo. Na campanha de 1994 poucos de nós se recordam dos cinco temas representados por cada dedo da mão símbolo da campanha de Fernando Henrique. Mas todos se lembram que o Plano Real e a redução abrupta da inflação foi o principal tema da campanha. O motivo é simples: a redução da inflação aumentou a capacidade de consumo da maioria do eleitorado.

Em 1998 um pouco de esforço trará de volta para a nossa memória o desejo do eleitorado de, em meio a uma grave crise econômica mundial que atingia especificamente os países emergentes, não perder o que conquistara com a estabilização da moeda. O tema, portanto, foi: qual dos candidatos será o mais capaz de assegurar que não iremos andar para trás em nossa capacidade de compra, de consumo.

Em 2002 o tema foi outro, desemprego, e ele levava a outro resultado final, completamente oposto àquele experimentado nos últimos seis ou sete anos. O desemprego resultava na redução da capacidade de compra da população. Se em 1994 e em 1998 o eleitor chamou Fernando Henrique para lidar com a inflação, e ele fez isso com grande sucesso, em 2002 o problema era diferente e, por isso, a pessoa a ser chamada também seria diferente. Seria alguém que sempre lidou com emprego e salários e que sempre tratou da questão social. Cada pessoa é talhada, em função de sua imagem pública, para resolver problemas diferentes.

Quatro anos depois Lula foi reeleito. Aqueles que em 2005 pensavam que o tema seria o mensalão enganaram-se redondamente. Corrupção não tem impacto direto sobre a capacidade de consumo da população. O seu impacto é extremamente mediado por diversas circunstâncias e inúmeros fatores. Ao contrário, o Bolsa-Família tem impacto direto e imediato na capacidade de compra de quem o recebe e serve de sinalização, para quem não é beneficiário do programa, de que o governo cuida das pessoas e se preocupa com a população.

O grande tema de 2006 foram os programas sociais, com a sua vedete no carro abre-alas, o Bolsa-Família, e a consequência que tais programas têm: aumentam enormemente a capacidade de compra da população, ao menos na percepção da própria população.

Duvido que em 2010 quem prometer reduzir a inflação terá chance de ser eleito. A inflação de 2009, 4,3% foi a terceira menor desde 1980. Quem prometer reduzir o desemprego também não será eleito. A taxa média de desemprego de 2002, quando ele foi a principal questão da campanha, foi de 11,7%. A taxa média de desemprego de 2009 foi aproximadamente 30% menor do que em 2002: 8,1%.

Igualmente , o Bolsa-Família não será o tema de 2010. Creio que pelas mesmas razões que colocam a inflação fora do time de candidata a principal tema da campanha. O Bolsa-Família, na cabeça do eleitor, está consolidado. Para o eleitor o próximo presidente não ameaçará o Bolsa-Família porque isso seria contra ele próprio, presidente.

Há, para 2010, um tema latente junto ao eleitorado, um tema que já está presente, com muita força e que é ignorado pela elite brasileira. A população de todas as classes sociais, isso inclui os mais pobres, sabe que paga impostos, acha que os pobres é que realmente pagam impostos, considera-os elevados e gostaria que fossem reduzidos para poder comprar mais. No último ano e meio o governo contribuiu para reforçar essa percepção. Ele inadvertidamente e contra seu interesse educou a população ao reduzir o IPI de bens muito desejados.

Aliás, enganam-se os que acham que o povo não sabe que paga impostos, especificamente aqueles sobre os bens e serviços que compram. Com o passar dos anos a informação circulou e chegou a todos os brasileiros. Não se trata de uma informação neutra, a de que ele paga impostos, é algo que tem impacto em seu interesse imediato, em seu dia a dia, em sua capacidade de compra.

Essa informação chegou por meio da campanha contra a MP 232, da campanha contra a CPMF, do Impostômetro, das demissões de trabalhadores que acontecem todos os dias quando o patrão diz que está demitindo porque os impostos são altos, por meio da conta de luz, em função de propostas de trabalho sem carteira assinada com um salário mais elevado, etc. As pessoas sabem que pagam impostos. Pergunte a sua empregada se ela paga impostos ao comprar alimentos e bebidas, na conta de luz, ao comprar roupas, ao pagar a passagem de ônibus. Ela vai dizer que paga impostos e que compraria mais alimentos se os impostos fossem menores.

Em todos os países do mundo desenvolvido, clube para o qual o Brasil se sente cada vez mais preparado e autoconfiante para tomar parte, há pelo menos um grande partido político, um grande grupo político com seus respectivos líderes, que defende a redução de impostos com um discurso popular.

Fala-se de impostos publicamente no Brasil, mas os argumentos são para os empresários e para os políticos, tratam de competitividade mundial do Brasil, custos de produção, custo Brasil, etc. Não falam de alimentos, consumo e empregos. Estas sim questões que, devidamente conectadas aos impostos, mobilizam a grande maioria da população brasileira. Por que, afinal, ninguém fala de impostos elevados com um discurso popular? Cabe aos leitores a resposta.

*Alberto Carlos Almeida é cientista político e diretor do Instituto Análise

Confiança do consumidor se confunde com prestígio de Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Roberto de Toledo*

"É o consumo, estúpido!" Essa parece ser a tradução, para o Brasil de 2010, da famosa frase do estrategista de campanha de Bill Clinton sobre o que define uma eleição: "The economy, stupid." Naquele ano de 1992, o candidato democrata foi eleito presidente graças à recessão em que os republicanos haviam metido os EUA. E James Carville entrou para a história como o marqueteiro que enxergou o ponto fraco do governo Bush (pai) e soube explorá-lo.

A frase virou moda no Brasil porque a economia definiu todas as eleições presidenciais desde então. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se por ser identificado como o pai do Plano Real e do fim da inflação. Em 1998, reelegeu-se na esteira da crise econômica mundial e da "ameaça" que a vitória de Lula representaria à estabilização da economia. Em 2002, desemprego e inflação em alta atrapalharam os tucanos e ajudaram o petista. Em 2006, a inclusão de milhões de pessoas no universo do consumo, graças a programas como Bolsa-Família, asseguraram o segundo mandato de Lula. E em 2010?

O ano da sucessão começa com a aprovação recorde do governo federal (72% de ótimo/bom) e pode terminar, se as previsões se confirmarem, com um crescimento entre 5,5% e 6,1% da economia do País. Mais: o consumo do setor privado, que vem aumentando a uma taxa anual média próxima a 5% desde 2004, deve se elevar ainda mais, e crescer 6,6%, segundo a MCM Consultores.

Popularidade e consumo em alta estão diretamente ligados. A comparação das séries históricas da taxa de aprovação do governo com a do Índice Nacional de Confiança (do consumidor) mostra um alto coeficiente de correlação entre eles: quando os consumidores estão confiantes, a popularidade de Lula cresce, e vice-versa.

Uma hipótese para explicar a oscilação combinada dessas duas variáveis é a ascensão social de nada menos do que 13% da população brasileira às classes econômicas A, B e C durante os seis primeiros anos do governo Lula. São 30 milhões de novos remediados. Essa história começa antes, na gestão tucana, mas quem faturou o resultado foi o petista.

Quando virou ministro da Fazenda, FHC encontrou uma sociedade em que apenas 37% dos brasileiros pertenciam às classes média e alta. Nos dois anos seguintes, o controle da inflação sozinho fez esse porcentual crescer para 45%. O problema é que, nos sete anos que vieram depois, a ascensão social perdeu impulso. Fernando Henrique entregou o governo com 47% de brasileiros nas classes A, B e C.

Após ratear no primeiro ano do governo Lula, a inclusão de mais pessoas ao rol dos consumidores não parou mais de crescer, batendo em 60% em 2008, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (com dados da PNAD, do IBGE). E, nos pisos inferiores da pirâmide, o elevador também funcionou: a classe E foi reduzida quase à metade, de 27% em 2002, para 16% em 2008. Isto é: muitos daqueles que não chegaram à classe média ao menos conseguiram recuar uma letra no alfabeto do consumo e pular da E para a D (que oscilou de 26% para 24% da população). São os pobres que ficaram menos pobres.

É bom que se diga: classe econômica, no caso, é sinônimo de classe de consumo. Nada a ver com nível educacional, por exemplo. Ou seja, a ascensão descrita acima se deve à maior capacidade de compra, seja pelo aumento real do salário mínimo, seja pelos programas de distribuição de renda, seja pelo acesso ao crédito, seja pela redução temporária de impostos sobre bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos.

Na imagem criada pelo filósofo Marcos Nobre, o governo Lula ampliou o diâmetro do círculo da inclusão traçado no governo FHC, mas ainda deixou muita gente de fora, 4 em cada 10 brasileiros. Como explicar então a adesão de tantos excluídos ao lulismo? Pela perspectiva, real ou não, de passar para dentro do círculo. Quando apenas um vizinho seu melhora de vida, você pode sentir admiração ou inveja. Mas quando se dá conta que muitos vizinhos estão melhorando, você passa a sentir esperança de ser o próximo a se dar bem.

A perspectiva de mobilidade pode explicar por que tantas pessoas que ainda estão nas classes D e E apoiem o governo Lula. Otimistas, estão consumindo mais, sem se preocupar com a prestação que terão de pagar depois, pois o futuro promete ser melhor do que o presente. Entre janeiro e setembro de 2009, as compras de bens não-duráveis da classe D/E foram 17% maiores do que em 2008. Pães, iogurte, desodorante, água sanitária, detergente, entre outros produtos, lotaram suas cestas.

Esse otimismo é persistente, como demonstram os vários índices de confiança do consumidor divulgados em dezembro. O INC, um índice nacional elaborado mensalmente pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, fechou 2009 com 146 pontos, numa escala que varia de 0 a 200. Acima de 100, é sinal de confiança. A marca de dezembro é recorde, superando em um ponto a de dezembro de 2008, antes da crise financeira mundial.

É sintomático que os consumidores mais confiantes sejam os emergentes da classe C. Entre eles o índice chegou a 156 pontos, mantendo-se à frente dos das classes A/B (142 pontos) e D/E (136 pontos). Muitos deles trocaram de geladeira e compraram um carro novo. Todas as classes de consumo demonstram desejo de consumir ainda mais em 2010 do que já consumiram em 2009.

Somem-se a esse otimismo os dados frios da economia: população ocupada aumentando, taxa de desemprego caindo, renda subindo, juros em queda e inflação sob controle. Todos são fatores que, aliados à popularização do crédito, estimulam o consumo e, com ele, a inadimplência: ela já atinge 20% dos consumidores paulistanos. Mas não há sinais de que haja uma bolha prestes a estourar antes das eleições.

O mais provável é que a febre consumista continue mantendo aquecida a popularidade do presidente. Não seria surpresa se ela aumentasse ainda mais ao longo de 2010. A disputa será, então, pelo imaginário desse eleitor-consumidor. O presidenciável que demonstrar maior capacidade de manter os carrinhos de supermercado cheios, os impostos sobre bens duráveis reduzidos e a perspectiva de mover mais gente para dentro do círculo de inclusão deverá ser eleito o sucessor de Lula.

*José Roberto de Toledo é jornalista especializado em reportagens com uso de estatísticas e coordenador da Abraji

Oposição descarta propor 'invenções'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ideia é fazer o básico, mas mirando alvos onde avalia que petistas deixam a desejar, como capacidade de gestão

Christiane Samarco, Marcelo de Moraes

BRASÍLIA - Na disputa pela sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a oposição prevê que não haverá espaço para fazer "invenções e experimentos" nas propostas a apresentar ao eleitor. Segundo alguns de seus integrantes, a ideia é fazer o básico, mas mirando alvos onde o atual governo teria deixado a desejar na sua atuação. Esses focos serão infraestrutura, saúde, juventude e segurança, a partir de um projeto articulado de desenvolvimento. Outro ponto básico será também o conceito da capacidade de gestão. Na visão da oposição, o PT aparelhou o Estado e descuidou de sua eficiência.

"O PT inchou a máquina, mas ela não funciona. O problema central não é nem o número de funcionários públicos. O que não pode é ter cada vez mais gente e eles não serem eficientes", diz o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

A primeira transformação imediata que os aliados do governador e candidato tucano à Presidência, José Serra, se propõem a fazer é a "reforma de hábitos e costumes" na relação com o Legislativo e o Judiciário.

"Nosso governo vai primeiro reformar os hábitos, a começar do tratamento que o Executivo dispensa ao Legislativo. A relação não é republicana e isso tem de acabar", afirma o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), ao destacar que, para isso, não precisa de reforma política. "Precisa é de presidente."

O que a oposição não esperava é que a disputa entre os dois lados se transformasse numa espécie de vale-tudo, depois que o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), fez críticas ao atual governo numa entrevista à revista Veja, afirmando que o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) não existia e tinha cunho eleitoral. O próprio Lula acabou ajudando a subir o tom da discussão, chamando Guerra de "babaca", durante reunião ministerial na quinta-feira.

"O governo atual não é democrático, a relação entre os Poderes está deteriorada e o Congresso extremamente diminuído. A ministra Dilma Rousseff não aponta para nada de construtivo no País", reforça o presidente do PSDB.

"A mediocridade deste governo vai se fazendo com maus hábitos, a começar da corrupção, que não escandaliza mais ninguém", emenda o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Dissidente do PMDB governista, ele espera de Serra que "avance no que Lula não conseguiu fazer", como a infraestrutura "imprescindível a qualquer programa de desenvolvimento".

Na avaliação do ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM), o tipo de discussão aberto entre tucanos e governistas poderá ser uma das tônicas da campanha. Acha que será difícil apresentar aos eleitores temas específicos suficientes para marcar a diferença entre as candidaturas.

"Acho que a eleição não tende a ser temática. Tende a ser decidida num clássico segurança versus insegurança do eleitor em relação ao futuro", diz Cesar Maia. "Vale dizer que as candidaturas tentarão aportar essa dúvida ou insegurança no eleitor. Algo como: "é a chegada do chavismo no Brasil contra a volta do FHC"."

ALVOROÇO

Além de irritar os adversários, Guerra provocou alvoroço no tucanato com sua entrevista, na qual pregou mudanças no câmbio, nos juros e nas metas de inflação. Mas no PSDB e no DEM ninguém tem dúvida de que os pilares da economia - câmbio flutuante, sistema de metas de inflação e rigor fiscal - estão aí para ficar. A "calibragem" é que ficará por conta do presidente, independentemente de quem vencer as eleições.

"Precisamos de alguém com competência comprovada para impedir que o País trilhe esse caminho de risco de desindustrialização, em função do câmbio sobrevalorizado, dos juros altos e das contas externas em desequilíbrio", diz o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA).

Para confrontar o PT de Dilma, que acusou o PSDB de planejar o fim do PAC em caso de vitória, os tucanos dizem que farão um programa diferente. Afirmam que o PAC que vão realizar não é o do governo federal, mas o de São Paulo.

"Queremos o PAC eficiente do Serra, em que obra começa, termina no prazo e a população ganha. Ele cumpriu 100% do que se comprometeu, fazendo o Rodoanel, escolas técnicas e ampliando o metrô e o serviço de saúde", argumenta Jutahy.

Serrista de primeira hora, ele diz que vê no pós-Lula, com Serra, o fortalecimento das instituições democráticas com respeito à lei, às garantias individuais e políticas públicas universais. Já o modelo que se apresenta na campanha da Dilma, analisa, "é de radicalização, para dividir o País na base do nós contra eles".

DIREITOS HUMANOS

Oposicionistas de todos os partidos avaliam que nada é mais representativo dessa radicalização do que o Programa de Direitos Humanos. Argumentam que o texto revela intolerância religiosa, agressão ao direito de propriedade, interferência abusiva nos meios de comunicação e preconceito contra o agronegócio, só para destacar que tudo foi apresentado "com a chancela" da candidata Dilma.

"A candidatura do PT é o caminho que põe em risco as instituições", diz Sérgio Guerra. Para ele, o candidato da oposição é quem "mostrou competência" para fazer o Brasil crescer, gerar empregos e melhorar a qualidade de vida das pessoas. "Essa é a marca de Serra, como secretário de Estado, como ministro, parlamentar, prefeito e governador", completa Jutahy, em defesa da tese de que é fundamental "ter alguém que saiba fazer as coisas e pôr para funcionar".

"Não há espaço para invenção porque a estrada hoje não tem mais acostamento. Quem inventar cai no barranco", afirma Paulo Bornhausen. Ele até admite que o próprio Lula andou "na estrada do possível", mas diz que o governo, agora, está patinando no rigor fiscal. "Resolveu afrouxar no final, em nome da eleição, e isso terá consequências para o próximo governo resolver."

O Verde Pragmático

DEU NA REVISTA ISTOÉ

Para tentar vencer o governo do Rio, Fernando Gabeira abre mão de dogmas históricos e alia-se ao PSDB e ao DEM

Eliane Lobato


Com Gabeira na disputa, José Serra ganha um palanque forte no RJ para a campanha presidencial

Nas últimas três décadas, o mineiro Fernando Gabeira foi o símbolo do espírito carioca na política. Seja na irreverência de uma sunga de crochê, seja nos abraços promovidos ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas, Gabeira sempre esteve à margem de um universo político recheado por personagens que certamente seriam classificados como “atrasados” por uma boa parcela dos eleitores que o elegeram deputado federal por cinco mandatos consecutivos. A carreira política forjada em um estilo personalista calcado em sólidos ideais lhe conferiu o status de um dos parlamentares mais respeitados do País, mas, ao mesmo tempo, nunca lhe permitiu voos mais altos. Agora Gabeira quer voar.

Candidato ao governo do Rio pela segunda vez – a primeira foi em 1986, pelo PT –, decidiu adotar uma tática já usada pelos verdes europeus há alguns anos: abraçar o pragmatismo político em prol da conquista do poder. Gabeira já havia adotado essa estratégia nas eleições municipais do Rio em 2008, quando se aliou ao PSDB e ao PPS, e por pouco não venceu a disputa contra Eduardo Paes (PMDB). Agora, no entanto, Gabeira decidiu ampliar ainda mais o leque de alianças. Além do PSDB e do PPS, a coligação também deve ser composta pelo DEM, partido que foi o símbolo máximo do que Gabeira e seus companheiros costumavam chamar de “forças conservadoras”. “Gabeira assumiu a liderança da direita no Estado”, diz o cientista político Fabiano dos Santos, do Iuperj.

Gabeira titubeou em aceitar ser candidato pelo PV ao governo. Afirmou que não entraria na disputa se não tivesse chances reais de vitória e que seu desejo era concorrer a uma vaga no Senado. Na última semana, no entanto, ele cedeu às pressões tanto de sua legenda quanto do PSDB, que precisa de forma desesperada de um palanque para o governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência, José Serra. “Tive que encarar essa responsabilidade”, afirmou Gabeira, referindo-se ao peso de ser o único nome da coligação a ter um volume de votos expressivos no Estado.

O grande desafio de Gabeira será conseguir ampliar a popularidade que tem na capital para o resto do Estado. Seu eleitorado é, em grande parte, formado por uma elite intelectualizada e liberal concentrada na zona sul da cidade do Rio. As alianças com políticos mais tradicionais podem ajudá-lo a vencer o preconceito e a rejeição contra seu nome em populações de renda e escolaridade menores, entre as quais seus principais adversários e líderes nas pesquisas trafegam bem. Tanto o governador Sérgio Cabral (PMDB) quanto o ex-governador Anthony Garotinho (PR) são populares em todo o Estado. Um dos nomes mais cogitados para ser vice na chapa de Gabeira é o do polêmico prefeito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, José Camilo Zito dos Santos (PSDB), que, entre outras ações, proibiu a realização da Parada do Orgulho Gay na cidade no ano passado. Gabeira, no entanto, garante que essa opção está descartada. “Não será o Zito, com certeza”, diz.

Independentemente das alianças, a candidatura de Gabeira já tem um vencedor: José Serra, embora o deputado assegure que só estará no palanque tucano em um eventual segundo turno.

Até agora o pré-candidato tucano não tinha um palanque no Rio de Janeiro. Serra vinha perdendo espaço de forma contínua no Estado desde o final de 2008. “A candidatura dele ajuda a do governador paulista, que perdeu 15 pontos percentuais nas pesquisas de intenção de voto em 12 meses”, diz o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS).

Serra arma o palanque

Revista ÉPOCA

O governador inicia o ano com acordos fechados em mais de 20 Estados e comemora os sinais da adesão de Aécio Neves a sua campanha presidencial

José Serra faz pouco alarde e negocia nos bastidores alianças até com partidos da base de Lula


Há três meses, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), afirmou ter “nervos de aço em política” ao explicar, durante uma entrevista, por que resiste a se declarar candidato à Presidência da República. Na época, Serra ainda enfrentava as pretensões do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de ser indicado pelos tucanos para disputar a sucessão de Lula. Os últimos dias demonstraram que, pelo menos por enquanto, o mais experiente dos concorrentes ao Palácio do Planalto segue à risca a disposição de manter o controle das emoções na corrida eleitoral.

A tarefa de responder às provocações dos adversários e atacar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ficou para a direção nacional do partido. “Não vou entrar em nenhum bate-boca eleitoral, de baixaria, não há a menor possibilidade”, afirmou Serra na quarta-feira, quando repórteres pediram que ele comentasse um discurso feito no mesmo dia por Dilma.

Mais cedo, no interior de Minas, Dilma dera uma demonstração de que, se depender dela, a campanha transcorrerá em clima de alta tensão. “Em 2006, eles quiseram acabar com o Bolsa Família. Agora, em 2010, o objetivo é acabar com obras como essa”, disse Dilma, referindo-se à barragem de Jenipapo, obra que inaugurava naquele momento ao lado de Lula.

O discurso de Dilma deu início a uma troca de acusações entre tucanos e petistas. Em nota divulgada no mesmo dia, a executiva do PSDB afirmou que Dilma usa a “retórica do medo” contra a oposição. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), retrucou e chamou os adversários de descontrolados. Na quinta-feira o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), distribuiu nova mensagem com um conteúdo ainda mais agressivo. O texto acusa Dilma de “mentirosa” e de ser gerente, não de um governo, mas de uma “embalagem publicitária”.

A reação do dirigente tucano serviu para mostrar que Lula tem os nervos mais flexíveis e a língua mais solta do que Serra. “O Sérgio Guerra é um babaca”, disse Lula durante uma reunião ministerial.

O sangue-frio de Serra foi adquirido em mais de quatro décadas de atividade política e está servindo a uma bem calculada estratégia de campanha. Para não ser acusado de abandonar o governo de São Paulo, ele até hoje não assumiu em público a intenção de se candidatar à Presidência. Esse comportamento causou irritação em muitos tucanos e aliados interessados em amarrar acordos nos Estados.

De um mês para cá, no entanto, o planejamento de Serra começou a dar resultados. Um levantamento feito por ÉPOCA entre dirigentes do PSDB mostra que as negociações nos bastidores avançam. Se a campanha oficial começasse hoje, Serra teria palanques certos em 22 Estados. Nos dez maiores colégios eleitorais, o Ceará é o único onde Serra ainda não tem o apoio confirmado de um candidato a governador.

O objetivo dos tucanos é unificar o apoio a Serra em cada Estado, ao contrário do que ocorreu em 2002 e 2006, quando pulverizaram os palanques e perderam a disputa. Na costura dos acordos, a maior vitória aconteceu em Minas Gerais, onde o governador Aécio Neves deixou de se comportar como um concorrente de Serra.

Em dezembro, Aécio anunciou a desistência da candidatura ao Planalto. O temor dos tucanos paulistas é que ele repita o jogo duplo de 2002 e 2006. Nas duas eleições, ele pouco fez pelas campanhas de Serra e Geraldo Alckmin para não brigar com Lula e facilitar a própria eleição, por duas vezes, para o governo de Minas Gerais.

Na semana passada, os tucanos comemoraram, porém, alguns gestos de Aécio, interpretados como sinais de que, desta vez, ele se empenhará na campanha de Serra. Em visita ao Rio de Janeiro, Aécio se comprometeu em garantir a vitória de Serra em Minas.

“Estou cada vez mais convencido de que vencer em Minas Gerais é muito importante para o nosso candidato à Presidência”, disse Aécio depois de uma reunião com o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ). Também na semana passada, Aécio não quis participar das inaugurações de obras que Lula e Dilma fizeram em Minas – parte do esforço de “mineirização” da ministra, que nasceu no Estado, mas fez carreira pública no Rio Grande do Sul.

Na relação com Aécio, Serra ainda não obteve seu grande prêmio: a aceitação de uma candidatura à Vice-Presidência, o sonho dos tucanos. Aécio continua a dizer que prefere ser candidato a senador, mas, na semana passada, deu uma declaração que infundiu esperança no PSDB. Perguntado se a opção pelo Senado não poderia mudar, Aécio respondeu que “só a morte é irreversível”. A estratégia de Serra na aproximação com Aécio para convencê-lo a ser candidato a vice é não ficar nem tão longe, que pareça desinteresse, nem tão perto, que pareça uma pressão indevida.

Maior partido de oposição a Lula, o PSDB tem 16 candidatos próprios aos governos dos Estados. Entre eles, São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais. Nos próximos dias, Sérgio Guerra retomará as viagens pelo país para tentar confirmar as alianças amarradas até o fim do ano passado. “Começamos este ano em uma situação confortável. O Serra em primeiro lugar em todas as pesquisas e nossas forças organizadas nos principais Estados”, diz Guerra.

No Rio, o acerto com o deputado Fernando Gabeira, que vai concorrer ao governo do Estado pelo PV, prevê um tucano como vice. Formalmente, Gabeira vai apoiar a candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, mas ele vai ajudar Serra. Para evitar problemas legais, Gabeira vai se engajar abertamente na campanha do tucano apenas no segundo turno, se Marina não emplacar.

Para ter palanques em todos os Estados, o PSDB acertou alianças até com partidos da base de Lula. É o caso de Pernambuco, onde o senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, vai concorrer ao governo contra a orientação do partido. Na Paraíba, os tucanos admitem apoiar o prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, ex-sindicalista, fundador do PT e hoje no PSB. Incentivada pelo ex-governador Cássio Cunha Lima, cassado pela Justiça Eleitoral, a aliança anunciada na Paraíba, além dos tucanos, poderá unir DEM, PT, PCdoB, PV, PTB, PPS e PP contra o candidato do PMDB, o governador José Maranhão.

No Maranhão, o PSDB decidiu se aliar ao maior adversário do senador José Sarney (PMDB), o ex-governador Jackson Lago, também cassado por abuso de poder econômico. Na Bahia, para juntar forças, vale até se aliar a antigos desafetos. Lá, os tucanos formarão chapa com os herdeiros do grupo político do ex-senador Antônio Carlos Magalhães.

Serra ainda tem questões a resolver no próprio partido. Em Santa Catarina, o PSDB espera que o vice-governador Leonel Pavan livre-se de denúncias de irregularidades para indicá-lo como candidato. No Rio Grande do Sul, quinto colégio eleitoral, Serra tem a opção de se aliar ao peemedebista José Fogaça, bem colocado nas pesquisas para o governo. Mas a aliança esbarra na disposição da governadora Yeda Crusius de se candidatar à reeleição, apesar do desgaste polítco enfrentado por ela pelas denúncias de caixa dois.

Um dos maiores problemas para Serra está no Ceará. O nome natural do partido para concorrer ao governo seria o do senador Tasso Jereissati. Mas Tasso, que já foi governador por três mandatos, resiste a assumir a empreitada. Prefere disputar a reeleição e apoiar a recondução do atual governador, Cid Gomes, do PSB. Apesar dessa pendência, o início do ano eleitoral revelou que, ao contrário do que parecia, os tucanos avançaram nas montagens dos palanques de Serra.

Pelo menos por enquanto, Serra pode comemorar o acerto da tática do silêncio e de se manter com os nervos de aço.

CHARGE

Diário do Nordeste (CE)
Jornal do Commercio (PE)




Chile: Entrevista Manuel A. Garretón

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Aliás

Reflexões pós-ressaca

Para intelectual chileno, não foi Piñera quem ganhou a presidência, mas a Concertação que a perdeu

Laura Greenhalgh

"Desde 1988, quando partidos se uniram para enfrentar o plebiscito que disse "não" à pretensão de Pinochet manter-se no poder, a Concertação vem liderando um processo que mudou a sociedade. Foi a coalizão mais bem-sucedida da história do país. Ganha todas as eleições desde 1990, deu-lhes estabilidade, fortaleceu a democracia." Ouvi de Michelle Bachelet essa declaração efusiva no elegante salão azul do Palácio de La Moneda, em maio de 2006, quando a primeira mulher a chegar à presidência do Chile concedeu uma longa entrevista ao Aliás. Tal era o espírito da mandatária com o campo político que a sustentava. Se fossem transformadas em previsão, suas palavras desmentiriam o futuro.

Michelle Bachelet passará a faixa presidencial ao direitista Sebastián Piñera, misto de senador, empresário de sucesso e ricaço de hábitos extravagantes, que, naquele distante 2006, não assustaria nem o mais paranoico situacionista. Mas agora ele assustou - e levou. Só para recapitular: no primeiro turno, Piñera cravou 44% dos votos, empurrando ladeira abaixo os três candidatos de esquerda, Eduardo Frei (29%), pela Concertação, Marco Enríquez-Ominami (20%), independente, e Jorge Arrate (6%), pelo Partido Comunista. No segundo, Frei cresceu bem (48,3%), mas Piñera também expandiu seu eleitorado: foi para 51,6%. E assim, depois de 20 anos de uma coalizão que encerrou o mando de Pinochet e mudou a cara do país, eis que o Chile faz derecha, volver. "Não foi Piñera quem ganhou. Foi a Concertação que perdeu", adverte o sociólogo chileno Manuel António Garretón, enfatizando diferença crucial entre as duas premissas.

Esse é o tema central da entrevista que concede. Por que uma coligação que elegeu em sequência quatro presidentes, a bordo de um projeto de redemocratização de longo termo, perde a hegemonia e ainda mergulha numa crise? Por que Bachelet não converteu em votos para Frei a aprovação de seu governo, acima de 80%? Isso serve de advertência para o presidente Lula e sua candidata Dilma? Professor titular da Universidade do Chile e autor, entre outros títulos, de Pós-Pinochetismo na Sociedade Democrática, Garretón analisa a virada chilena. Com algum pesar e rigor com a atual mandatária.

Em 2006, a presidente exibia confiança no futuro da Concertação. Mas já havia sinais de fratura na coalizão de centro-esquerda, não?

O que eu acho é que não devemos falar de fratura em função dos resultados eleitorais de agora, porque se trata de uma situação bem mais complexa. Sim, no governo Bachelet já se identificara uma necessária mudança de ciclo político no interior da Concertação. Ninguém duvida que a coalização de centro-esquerda mudou o país, mas não logrou completar o projeto democratizador a que se propusera por manter intacta a institucionalidade da era Pinochet e por insistir no modelo econômico que trouxe desigualdade.

O que significa manter a institucionalidade da era Pinochet?

Não é apenas sobreviver no mesmo aparato constitucional, mas manter o mesmo tipo de embate entre forças políticas, as que alimentam o conservadorismo e as que propugnam a democracia. Esse embate continuou a se reproduzir em todas as esferas, no Parlamento, no Conselho de Educação, no sistema judiciário. Exemplo: Bachelet nomeou dois ministros para a Suprema Corte. Um deles defende a impunidade da repressão e justifica a violação dos direitos humanos no regime militar. E por que ela o nomeou? Porque não podia negar isso para a direita. É preciso reconhecer: a Concertação deu mais importância aos seus governos do que ao avanço institucional. Agora está pagando a conta.

Talvez no Brasil tenhamos uma visão difusa do quadro político chileno, no sentido de achar que Pinochet, ao morrer, levou consigo o pinochetismo e a linha-dura.

De modo algum. A direita chilena vive em suas duas vertentes clássicas: a autoritária e a oligárquica, ou plutocrata, que representa os ricos. No regime de Pinochet, não só a vertente dura se impulsionou - a oligárquica, também. E assim nasce uma direita civil de feição autoritária, que hoje faz barulho. Piñera, por sua vez, está alojado num campo democrático de centro-direita, mas também representa a plutocracia. Isso gera contradições num país de distintas classes médias e histórico de centro-esquerda. Pois bem, uma dessas classes médias conseguiu sair da pobreza, subiu na vida e sonha ter o sucesso de Piñera. Trata-se de uma franja social pequena, que muda de voto de acordo com seu projeto aspiracional. Isso do ponto de vista sociológico. Do ponto de vista político, a vertente autoritária, herdeira do pinochetismo e alojada na União Democrática Independente, a UDI, saiu-se bem nestas eleições parlamentares. Ao celebrar, havia grupos que gritavam "Pinochet, Pinochet, esta victoria es para usted". São minoritários, mas atuantes.

Piñera tenderá para a direita oligárquica ou para a direita autoritária?

Com os acenos que faz para a Concertação integrar seu governo, sinaliza que não quer, e nem pode, ficar no campo da direita. Se ficar, o risco de ser manipulado pelos autoritários é tremendo.

O senhor diz que o modelo econômico chileno não evoluiu desde os tempos do Pinochet. Mas seu pais é elogiado pelo crescimento expressivo.

No meu entender, o Chile não é tanto herdeiro do thatcherismo como é do neoliberalismo que sai da escola de Chicago, de Milton Friedman. Até porque o tatcherismo não desmantelou o Estado de bem-estar social inglês do mesmo modo como desmantelamos aqui, sob Pinochet. Neste país devastou-se uma economia de corte popular-nacionalista nos anos do regime militar. Tanto que hoje é consensual a avaliação de que o milagre econômico chileno foi feito mesmo pela Concertação, bastando para isso comparar dados de crescimento da era Pinochet com dados de crescimentos posteriores. É irrefutável. O modelo econômico do general foi implantado para "funcionar" numa sociedade de desiguais. A própria OECD apontou isso em relatório, a partir de análise do modelo educacional.

Então por que socialistas e democrata-cristãos, unidos, não operaram mudanças profundas?

Porque a coalizão caiu na armadilha do próprio êxito. Ela foi se saindo bem, ganhando eleição atrás de eleição e não se deu conta de erros que estava cometendo. Não fez uma reflexão crítica sobre as coisas que faltava realizar e nem sobre obstáculos que a impediam de dar um salto.

Mas o senhor não concorda que o governo Bachelet avançou em termos de proteção social e soube fazer o manejo da crise econômica que eclodiu no ano passado?

O governo Bachelet foi muito criticado nos primeiros anos, lembre-se. E ela mesma tinha baixa popularidade. Começou um ciclo ascendente ao implantar políticas de proteção social e subiu ainda mais com o manejo da crise. Esse bom manejo tem uma explicação: reservas, muito dinheiro que não fora investido até por más razões. Tudo bem, foi dinheiro usado em benefício da população e não para capitalizar bancos.

Terá sido um erro escolher Eduardo Frei para suceder Bachelet?

O erro não foi a escolha em si. O erro foi como a escolha se deu. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o gesto de Frei e até homenageá-lo: ofereceu sua candidatura quando tinha 1% de intenção de voto. Foi para a disputa quando já havia candidatos do seu campo político em cena, como o ex-presidente Ricardo Lagos e o secretário-geral da OEA José Miguel Insulza. Só que nenhum dos dois estava postulando verdadeiramente a candidatura. Frei restou firme, com seu 1% inicial. Era o melhor candidato governista.

Por que Lagos e Insulza, que tinham visibilidade interna e internacional inclusive, caíram fora?

Perguntemos a eles (risos). Minha interpretação é meramente técnica: fizeram cálculos e preferiram não correr riscos. Foi um erro não terem se submetido a primárias abertas, como se cogitou. Primárias poderiam ter sido mobilizadoras. Teriam selado a adesão do independente Enríquez-Ominami e de Arrate, do PC, garantindo mais coesão ao campo político. Enríquez-Ominami acabou conseguindo 20% dos votos no primeiro turno, com uma candidatura sem projeto, sem futuro, apenas interessada em ganhar os descontentes. Resultado: não foi Piñera quem ganhou, mas a Concertação que perdeu. Agora o eleito terá que governar sem maioria no Parlamento, pressionado pela UDI, a direita dura que não quer avançar nas políticas de direitos humanos, que foi contra a instalação do Museu da Memória, que responde conservadoramente a temas como aborto, pílula do dia seguinte, união homossexual, etc. Inclusive é uma direita que não engole totalmente Piñera, tanto que lá atrás tentou impedir sua candidatura.

Que papel jogam os militares hoje?

Defendem basicamente as prerrogativas institucionais e vão fazer pressão para que se mantenha a reserva de 10% do cobre para as Forças Armadas, lei que o novo presidente anuncia rever. Seguem dando provas de que abandonaram a política.

Afinal, que segmento da população definiu a vitória da centro-direita?

Nesses 20 anos, tínhamos um padrão eleitoral delineado em dois grandes campos. Porém, emergiram aqueles 10% flutuantes do eleitorado, uma parcela de cidadãos que muda de voto porque deseja mudar de governo. E só. Foi a parcela que acabou dando a vitória à Aliança para o Chile. Há nisso grande responsabilidade de Bachelet.

Por quê?

O chefe de governo, no regime presidencial, tem que exercer papel de liderança no interior da coalizão. Fosse no parlamentarismo, seria diferente. Mas no presidencialismo é assim. Bachelet demonstrou ter essa liderança ao impedir a renúncia do presidente do Partido Socialista, Camilo Escalona, no segundo turno. A pergunta que se faz: por que não demonstrou a mesma presença durante todo o período no poder? Os presidentes eleitos pela Concertação, salvo Patricio Aylwin, que foi o primeiro governo, não deram importância aos partidos.

O senhor está dizendo que Bachelet deu mais importância à performance do seu governo do que a sua capacidade de liderança política?

Isso mesmo. Por mais sucesso que tenha um governo, e por maior que seja o bem que ele tenha promovido, o fato de não conseguir reproduzir esse êxito do ponto de vista eleitoral é um fracasso político. Não estou falando de uma liderança unicamente mensurável em votos, mas de uma liderança que oriente o debate de ideias.

Qual é o peso de Michelle Bachelet dentro da coalizão?

Como presidente, muito peso. Se a desvinculamos do cargo, vemos que é muito influenciada por setores do partido e não se assume como líder. Como estadista deixa a desejar.

No Brasil analistas e imprensa observam o comportamento eleitoral do Chile, pois há a situação de um presidente com alta popularidade, Lula, empenhado em transferir sua aceitação para uma candidata estreante em disputas eleitorais.

Popularidade é capital pessoal, não se transfere. Se assim fosse, 80% dos chilenos teriam votado em Frei. O que define campanhas é liderança, é conduzir o debate. Lula não passará popularidade para Dilma, isso é uma ideia absurda. Ele já transferiu popularidade para si mesmo, de um mandato para outro. Ponto. Agora, num regime como o chileno, onde não existe a reeleição e o voto não é obrigatório, daí o presidente é obrigado a liderar o processo político no interior da coalizão. Bachelet percebeu isso muito tarde, nos últimos momentos da campanha. Apenas jogou abertamente dois ou três dias antes das eleições do segundo turno.

O Chile nunca se inclinou ao populismo. Como será o relacionamento de Piñera com governos latino-americanos que têm esse perfil?

Penso que o Chile, em termos políticos, tem mais afinidades com o Uruguai do que com a Bolívia ou a Venezuela, onde o colapso dos partidos deu lugar às lideranças pessoais. Também se parece mais com Uruguai do que com a Argentina, governada por um partido com inúmeras divisões internas. O Brasil, no cenário regional, ainda é o país que melhor expressa o entrosamento entre Estado, partidos, movimentos sociais, setores populares e a tecnocracia. Isso inclusive ajuda o presidente Lula a ter toda essa exposição mundial. Já a nossa política externa não tem pretendido que o Chile dispute protagonismo com o Brasil. E temos mantido boa relação com os governos de centro-esquerda. Bachelet vinha encaminhando, com muito tato e junto a Evo Morales, o contencioso marítimo entre Chile e Bolívia - avançaram enormemente, mas, talvez agora haja um retrocesso. Em nome de um progressismo tecnocrata, Piñera pode aproximar-se mais de Felipe Calderón, no México, de Álvaro Uribe, na Colômbia, e mesmo dos EUA. Ou praticar uma política externa isolacionista, o que é ruim.

No La Moneda, Bachelet comentou que quatro anos era pouco tempo para governar. Preferiria mandato de cinco anos, sem reeleição.

Isso não foi para a frente, embora haja setores que defendam a ideia. Não creio que tivesse sido um bom caminho. A tradição chilena sempre foi de mandato presidencial de seis anos, sem reeleição. Mas depois do plebiscito do "não", em 1988, houve um câmbio radical para derrubar o modelo implantado por Pinochet - oito anos, sem reeleição - substituindo-o pela metade. É pouco? Não creio. Penso que a renovação a cada quatro anos, em paralelo com as eleições parlamentares, cria uma boa dinâmica. A Concertação mesmo, a partir desta derrota, terá que trabalhar desde já na própria renovação.

Dina Lida Kinoshita* ::A eleição no Chile e sua complexa realidade

DEU NO PORTAL DO PPS

Concluído o processo eleitoral no Chile, vencido pelo megaempresário Sebastián Piñera, com um resultado superapertado sobre o democratacristão Eduardo Frei, da Concertacion, é importante que se entenda melhor o que é a sociedade chilena, dividida ao meio desde a redemocratização, há vinte anos.

Antes de tudo, é bom que se saiba que há na pátria de Pablo Neruda insatisfações políticas de todo lado. Pinochetistas ressentidos com Piñera por não dar aval explícito aos métodos utilizados pela ditadura, e esquerdistas ressentidos com a política da Concertación apesar da grande popularidade da presidente Michelle Bachelet.

Ainda no plano político, há no país um bloco expressivo que vai da centro-esquerda à esquerda e outro que vai da centro-direita à extrema direita. Nem as concepções pinochetistas nem as do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria) estão mortas embora vistam novas roupagens.

Examinemos as duas últimas décadas pós-redemocratização. O processo de derrubada da ditadura de Pinochet não permitiu a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte nem grandes mudanças na Constituição vigente, justamente porque não há maioria absoluta em nenhum dos dois blocos. A herança da ditadura deixou intacta a lei do “um terço de senadores vitalícios” ou o sistema binomial de listas eleitorais que na prática dá uma certa estabilidade ao regime atual mas só permite eleger candidatos das grandes coalizões. Os senadores vitalícios garantem maioria absoluta à direita no Senado da República e obstruem todas as propostas de mudanças sociais, tais como o divórcio ou o aborto, dois problemas que afetam sobremaneira as gerações mais jovens e as feministas.

O sistema binomial afeta setores da esquerda chilena que chegam a obter mais de 5% dos votos e não têm sequer um único representante no parlamento como é o caso do Partido Comunista Chileno.

Apesar destes fatos não há um processo sério de mobilização por uma nova Constituição e muitos setores da esquerda preferem criticar a Concertación por não se empenhar por mudanças como se fosse fácil fabricar maiorias absolutas numa sociedade dividida ao meio. Isto também é um sinal de isolamento da extrema esquerda que ainda sonha com soluções que passam por cima de uma Constituição democrática ou não dão a devida importância à elaboração de uma nova Carta, já que esta não terá a feição que lhes interessa. É o famoso “tudo ou nada” muito comum entre as esquerdas latino-americanas.

Por outro lado, o Chile não escapa à crise internacional da esquerda. O PC chileno já vinha num processo de definhamento devido à repressão no período da ditadura e se debilita ainda mais após a queda do “socialismo real” por seu sectarismo, fechando os olhos para as grandes mudanças que vem ocorrendo no mundo desde os anos 80 do século passado. Mas o grande Partido Socialista Chileno (PS) que deu a ossatura à Frente Popular que elegeu Salvador Allende, o primeiro presidente marxista da América Latina, está em frangalhos. Ricardo Lagos, predecessor de Bachellet na Presidência da República, abandonou o PS e fundou o Partido por la Democracia (PPD).

Outro aspecto a considerar é que tanto Jorge Arrate, candidato do Partido Comunista, como Enrique Ominami, que se colocou como candidato independente no primeiro turno, são egressos do PS e o primeiro deles já foi seu presidente. O deslocamento de Arrate do PS para o PC demonstra o descontentamento de uma ala de esquerda do PS com o governo Bachellet, considerado muito tecnocrata e pouco político, não obstante a ênfase em políticas públicas responsáveis pela popularidade da atual presidente. Já Ominami amealhou votos entre um público jovem cujas críticas são mais difusas e não viam muita diferença entre os dois principais candidatos e, no segundo turno, mesmo com o apoio expresso deste a Frei, dividiram seus votos entre os dois por razões de simpatia pessoal ou outro motivo qualquer.

Não paira nenhuma dúvida que com a ascensão do candidato da direita ao Palácio de la Moneda, a política e a economia chilenas não terão muita diferença. Do ponto de vista econômico, o Chile constitui - desde o tempo da ditadura - um espaço de drenagem de recursos. A economia, essencialmente voltada para a exportação, tem como principais produtos o cobre, as frutas, a madeira e o peixe. O que está ocorrendo é uma superexploração destes recursos naturais que ocasionará um empobrecimento irreversível quando o recurso se esgotar. Contudo, diminuir o ritmo desta exploração significa menor exportação, área considerada vital para o modelo chileno. Parece que este esgotamento começa a ser visível, mas não há grandes investimentos em ciência e alta tecnologia que possam mudar este perfil.

Como se constata, há no Chile sinais da própria crise dos partidos, fenômeno que ocorre em todo o mundo. Piñera é um grande empresário e não um político tradicional vinculado a uma máquina partidária. É um processo parecido com o de Vicente Fox no México (O gerente da Coca-Cola no país de Emiliano Zapata cooptou para o Ministério das Relações Exteriores o conhecido acadêmico de centro-esquerda Jorge Castañeda).

A política externa chilena também não deve mudar muito na medida em que, diferentemente de outros países da região, esta política defende os interesses do país sem utilizar critérios ideológicos em suas decisões. Assim, o Chile manteve boas relações com os Estados Unidos ao longo dos últimos vinte anos, sua economia de livre mercado é a mais aberta da América do Sul, sem as restrições da economia brasileira ou argentina. Além de ser membro do Mercosul, o país andino tem tratados de livre comércio com a União Européia e, desde 2004, com os EEUU. É membro da OCDE e já tem um acordo estratégico com o México aprovado durante o governo Bachellet.

Piñera já vem convidando técnicos competentes da Concertación para o seu governo, procedimento utilizado por Nicolas Sarkozy na França. Isto pode deflagrar uma crise ainda maior entre os socialistas. Mas não deixa de aflorar a crise dos partidos de um modo geral. As velhas bandeiras estão muito difusas e as novas, bem como as formas de luta ainda estão por nascer. Entre os que se aferram ao passado e os que olham para o futuro com bandeiras como a cidadania e o poder local como meio de aprofundar a democracia, um meio ambiente sustentável, uma governança global demcrática com justiça e paz vai se abrindo um fosso e novas formas de organização devem surgir para superar os desafios do século XXI.

Sem deixar de levar em conta o fato de Frei não ter sido um candidato que empolgou os eleitores, este importante pleito sinaliza claramente a crise da esquerda e centro-esquerda que não conseguem visualizar o que é fundamental numa determinada etapa de conquistas para a qual a coalizão deveria ser mais ampla a fim de eleger mais representantes no Parlamento e, lamentavelmente, não é o que vem ocorrendo; ao contrário, os diversos partidos e grupos internos no partido, se digladiam ao longo dos anos.

Por isso, considerar-se o resultado da eleição chilena como um retrocesso talvez não capte a singularidade e a complexidade desse curioso país latinoamericano. Certamente o novo contexto criado poderá propiciar, a médio prazo, um novo realinhamento de forças que possa efetuar as reformas que o país exige e a atual coalizão de centro-esquerda não foi capaz de realizar.

* Dina Lida Kinoshita é física, membro da Cátedra Unesco para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, do Instituto de Estudos Avançados, e coordenadora da Comissão de Relações Internacionais do PPS

Janio de Freitas:: Na hora trágica

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Visão do governo Lula sobre a presença brasileira na tragédia do Haiti é menos humanitária do que política

Nem 24 horas foram necessárias para que o governo Lula se desmentisse e, com fatos claros, confirmasse que sua visão da presença brasileira na tragédia do Haiti é muito menos humanitária do que política, na sua concepção de Brasil potência. Concepção, aliás, bem semelhante à de Brasil Grande criada pela ditadura, há 30 e tal anos atrás (por acaso ou não, também naquela altura foi feito com a fábrica Dassault um negócio caríssimo de compra de aviões de caça).

Por ora, o resultado de tal política é apenas o ridículo. Sem promessa de que o resultado final seja outro, senão pior, caso o governo não perceba que seu "enfrentamento" com os Estados Unidos está fora do lugar, da hora e das possibilidades mais concretas.

Na quinta-feira, por exemplo, Lula tomou a iniciativa de cobrar ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a distribuição de alimentos e água no Haiti seja feita só por civis. Na sexta, os soldados brasileiros montaram um posto de distribuição, no qual entregaram "22 mil garrafas de água e 10 toneladas de alimentos". Nada de mais, só um pequeno vexame de falta de orientação e organização.

Pior foi que, no desejo de impedir que os EUA façam o papel simpático de distribuir gêneros, os nossos estrategistas concentrados na sede provisória do governo (o Planalto está em obras) puseram Lula na contramão. As distribuições, em circunstâncias de desespero como as do Haiti, devem ser feitas por militares ou com forte presença militar, para evitar o tumulto e a violência dos famintos na distribuição civil e desarmada. Espera-se que a proposta de Lula tenha ficado, na ONU, só como um vexame telefônico.

A terceira impropriedade em 24 horas sobe de nível: é a explicitude da disputa com um toque de adesão ao estilo Chávez de política externa. O posto de distribuição foi montado ostensivamente diante do que resta do palácio presidencial, porque a área foi ocupada por soldados dos EUA. O que os responsáveis pela atitude brasileira pensariam estar provando ou provocando? Nada mais inteligente, apropriado e adulto do que o cutucão no colega em fila na escola. A não ser que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ainda que vestido à paisana, tenha explicação mais elevada, não relativa ao nível primário, mas já ao secundário.

Por falar nele, outro exemplo, entre vários possíveis, foi a resposta política brasileira ao envio de 7.000 soldados dos EUA para o Haiti. Lula e Jobim: "o Brasil vai duplicar sua presença". Mais 1.750 soldados, portanto. Deu manchetes, TV, entrevistas. Mas, de fato, a soma dos que vão substituir os recém-retornados e dos acréscimos anunciados é de 900, que são os já treinados para as atividades lá. Previsto recurso a soldados que já estiveram no Haiti. A Casa Branca deve ter-se impressionado com a "duplicação da presença brasileira".

Os EUA estão retirando parte do seu pessoal, mas decidiram mandar mais 10 mil pessoas, com a finalidade declarada de servirem à reconstrução. Aguardemos, ansiosos, a réplica do governo brasileiro. Sem perguntar o que imagina obter da disputa prioritária, que tudo indica ser unilateral, com os norte-americanos nesta hora trágica do Haiti.