terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Cecília Sosa Gómez

“O que se pode dizer é que a Venezuela vive hoje sob o regime de um estado de direito socialista, que não está previsto na Constituição de 1999. Isso equivale a dizer que não há estado de direito. Não há uma Corte Suprema com autonomia para dizer ao Legislativo que esta ou aquela lei é inconstitucional ou ilegal. A independência de poderes inexiste. Quando o presidente se decide pela expropriação ou nacionalização de uma empresa privada, dois ou três dias depois a Assembleia Nacional aprova, em tempo recorde, uma lei que amplia os poderes do Executivo para levar seu plano adiante. O Judiciário é controlado pelo Executivo. Não há debate nem pluralismo. O que se vê é o governo utilizando as ferramentas formais da democracia para acabar com a democracia.”


(Cecilia Sosa Gómez, ex-presidente do Supremo Tribunal da Venezuela, domingo em O Estado de S. Paulo

Merval Pereira::Humanizar o capitalismo

DEU EM O GLOBO

Desde a montagem da programação do 40oFórum Econômico Mundial ficou clara a intenção de seus organizadores de mostrar a face humanizada do capitalismo, ainda envolvido na maior crise desde 1929. A preocupação em mesclar assuntos técnicos com debates sobre felicidade, boa alimentação ou aperfeiçoamento através da arte, que sempre esteve presente na agenda do Fórum, este ano ficou mais evidente ainda.

O próprio mote do encontro — “repensar, redesenhar, reconstruir” — fez com que a tragédia provocada pelo terremoto no Haiti ganhasse relevância no encontro, e um dos motores do Fórum Econômico, que é a troca de informações entre os participantes, em encontros de negócios, ou simples conversas que podem vir a gerar negócios mais adiante, foi usado para estimular não doações, mas investimentos no Haiti.

O anúncio de que a Fundação Melinda e Bill Gates vai investir nada menos de US$ 10 bilhões de dólares nos próximos dez anos para uma ampla campanha internacional de vacinação ganhou o maior destaque nos noticiários internos do Fórum, como a ressaltar o objetivo de “repensar, redesenhar, reconstruir” o mundo a partir de suas mazelas.

Como o próprio comunicado oficial do Fórum destacou, “reconstruir o Haiti vai fazer o mundo mais próspero, vacinação de crianças no mundo em desenvolvimento significa um mundo mais saudável”.

O Fórum destacou também a inter-relação entre a luta contra o desemprego, contra a miséria global e a favor da preservação do meio ambiente como “essencial” para garantir a recuperação da economia a longo prazo e evitar futuras crises.

A escolha do presidente Lula para ser a primeira personalidade a receber o prêmio de “Estadista Global” tem a ver com essa preocupação social do Fórum Econômico, que, desse ponto de vista, tem demonstrado que é mais capaz de propiciar um ambiente de debate em busca de uma redefinição do capitalismo internacional do que o Fórum Social.

Criado em 2001 para se contrapor a Davos e mostrar que “um outro mundo é possível”, nem todos os anos consegue realizar o encontro, e quando o faz se divide não apenas em diversos lugares, mas em diversas linhagens ideológicas.

Essa dispersão de energia e vontades já foi criticada até mesmo pelo presidente Lula, que pediu mais foco nos temas a serem discutidos no Fórum Social, mas sem êxito.

Em Davos, predominou esse ano o sentimento de que a recuperação ainda é frágil, e que a prosperidade tem que ser reconstruída em cima de valores.

Até mesmo decisões técnicas, como a retirada dos subsídios e dos pacotes de estímulo à economia pelos governos, terão que se submeter à percepção dos cidadãos, como observou bem Christine Lagarde, ministra da Economia, Indústria e Emprego da França.

Ao comentar os temores do diretor-geral do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, quanto ao momento certo de retirar tais subsídios — “Se sairmos muito tarde, a dívida dos governos pode ficar insustentável, mas se sairmos muito cedo, a crise pode se revigorar ” —, a ministra francesa acrescentou que os líderes terão também que lidar com “a frustração dos seus cidadãos durante esse processo”.

A situação nos Estados Unidos é exemplar dessa ambiguidade da crise. Mesmo com uma melhoria nos números oficiais da economia, um em cada cinco americanos entre 25 e 54 anos está desempregado e, mesmo com a recuperação, um em sete ou oito desses cidadãos continuará desempregado.

O que fez o diretor do Conselho Nacional de Economia dos Estados Unidos, Larry Summers, definir a situação como sendo de “uma melhora estatística, mas uma recessão humana”.

O fato de que a recuperação econômica está sendo mais rápida no mundo em desenvolvimento, enquanto que nos Estados Unidos e na Europa ela se dá de maneira mais lenta e difícil, é outro fator a desafiar os “senhores do Universo”.

Mostra como a atual crise é distinta das anteriores, e que o mundo necessita abrir espaços para além do G-8 nos organismos internacionais de decisão.

Ao mesmo tempo que a recuperação econômica é o objetivo geral, houve um consenso em torno de como alcançá-la: o novo modelo de crescimento é de baixo carbono, declarou Dominique Strauss-Kahn, diretor-geral do FMI, ao anunciar um plano de US$ 100 bilhões para promover o “crescimento verde”.

O tom moralista das conclusões dos debates pode ser resumido pela declaração de Rowan D. Williams, arcebispo de Canterbury, no Reino Unido, destacada no site oficial do Fórum Econômico Mundial.

Ele exortou os participantes do Fórum a assumirem responsabilidade coletiva para o futuro sendo individualmente responsáveis hoje “Responsabilidade para o futuro significa ser responsável com uma visão de humanidade que nos estimula e engrandece”.

O presidente do Deutsch Bank, Joseph Ackermann, definiu bem a preocupação generalizada com a perda de confiança do cidadão no sistema financeiro: “Se você perde a confiança da sociedade, não pode responder em termos técnicos, mas em termos morais”.

Mesmo assim, Ackermann foi um dos grandes banqueiros presentes ao encontro que se colocaram contra uma nova regulação do sistema financeiro internacional, contrapondo-se à proposta dos líderes políticos, especialmente o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Raymundo Costa:: O marasmo sindical no governo Lula

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se restava alguma dúvida sobre a inércia do movimento sindical no governo Lula, elas caíram por terra com a apresentação ontem dos resultados da 100ª pesquisa CNT/Sensus. Num período de dez anos, sete dos quais governados pelo PT, o número de pessoas sindicalizadas no país diminuiu, em vez de aumentar, como seria de se esperar numa República forjada no chão das fábricas.

Em novembro de 2000, os pesquisadores do Sensus identificaram 5,7% de sindicalizados entre as pessoas entrevistadas. Em janeiro de 2010, apenas 5,3%. Queda de centésimos, é fato, mas que contém significados num governo como o atual e é motivo de discussão na esquerda. A pesquisa mostra que o associativismo perdeu fôlego. A exceção foram as ONGs.

Pergunta feita pelos pesquisadores, nas duas ocasiões: "O Sr(a), pessoalmente, é ligado a alguma associação: sindicato, associação de moradores, partido político, associação de pais, ou alguma outra?" As associações de moradores foram as que mais perderam associados: tinham 5,9% dos entrevistados e agora têm 3% - ou seja, uma perda de quase 50%.

Surpreendem os índices de ontem e de hoje de filiados a partidos políticos, quando o Congresso, nos últimos 12 anos, apenas perdeu confiança dos entrevistados: 2,7%. A velha e boa associação de pais e mestres oscilou de 1,4% para 1%. O crescimento das ONGs foi de 0,7% para 1,3%. Pouco, se for considerado que esse período, em certa medida, pode ser considerado o auge das organizações não governamentais.

No meio sindical há divergências sobre a causa do marasmo que tomou conta do sindicalismo, berço do presidente da República mais popular da história do país, pelo menos até agora. Marcos Verlaine, assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), cuja clientela são as centrais sindicais, diz que a crise do associativismo não é brasileira, é mundial, com a agravante de que no Brasil há um "bombardeio da imprensa neoliberal" ao Congresso que se reflete em instituições como os sindicatos e associações de moradores.

Também do Diap, o diretor de pesquisa Antônio Augusto Queiróz diz que o sindicalismo crescia no Brasil já nos últimos anos do regime militar, "mas contraditoriamente houve uma desmobilização e agora não está formando quadros para o futuro". O que nem Toninho, como Antônio Augusto Queiróz é mais conhecido, nem Verlaine mencionam é o debate sobre a cooptação dos movimentos sociais pelo governo. Discussão essa que já há algum tempo prolonga a reuniões da esquerda.

A perda da clientela, às vezes mais que as questões doutrinárias, é o que na verdade estaria na origem das divergências entre movimentos como o MST e as facções de sem-terra dissidentes e mais fundamentalistas. É o que leva o MST, por exemplo, vez por outra a radicalizar o discurso contra o governo, embora na prática esteja disposto a sair em sua defesa ao primeiro estalar de dedos de Lula. Um contrato cujos termos foram definitivamente estabelecidos no auge da crise do mensalão, em 2005.

À época, quando até ilustres parlamentares petistas se escondiam de Lula, as centrais sindicais atenderam prontamente ao sinal de SOS emitido pelo presidente da República. Algo mais simbólico que a entronização no Ministério do Trabalho de Luiz Marinho, atual prefeito de São Bernardo do Campo e ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na reforma ministerial em que Lula reforçou suas linhas de defesa contra o impeachment no Congresso?

Do ponto de vista de Marcos Verlaine o que há é uma identificação de propósitos entre o governo e os setores de ponta do sindicalismo. No lugar de retrocesso, Verlaine vê avanço quando as seis centrais sindicais reconhecidas negociam com relativo êxito uma agenda com sete proposições ao Congresso.

Agenda que tem desde as atuais regras de aumento do salário mínimo (ainda não transformadas em lei) até a redução da jornada de trabalho, passando pela extinção do "fator previdenciário", um nó que atualmente divide as centrais (três delas são favoráveis a concessões que permitam sua aprovação).

No governo Lula as centrais sindicais também levaram sua fatia do imposto sindical, algo em torno de R$ 50 milhões, no ano passado. Só a CUT levou cerca de R$ 24 milhões.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Para cientista político, petista cresce porque já está com candidatura nas ruas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O cientista político Alberto Almeida, diretor do Instituto Análise, engerga no números da pesquisa CNT/Sensus o resultado da extensa agenda de pré-campanha liderada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Ela está em campanha. Ela cresce em função da campanha eleitoral, em especial no nordeste", aponta o especialista, autor do livro A Cabeça do Eleitor. "É como se você tivesse um só candidato."

Almeida avalia que o governador de S. Paulo, José Serra (PSDB), ainda não se lançou em "campanha aberta". Ele admite, entretanto, que Serra não dispôe da mesma liberdade que Dilma para rodar o País. Sua agenda, por causa do cargo, acaba, mais restrita a São Paulo.

Apesar de o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) Aparecer como elemento capaz de estreitar a distância entre Dilma e Serra, Almeida avalia que já está dada a polarização que guiará a campanha. Segundo ele, Ciro dá sinais cada vez mais claros de que planeja ficar fora da corrida. Já a senadora Marina Silva (PV-AC), diz o especialista, tem potencial de crescimento, mas custará a ultrapassar a faixa de 12%.

Dilma, diz Almeida, começa a se tornar mais conhecida como a “candidata do governo”, o que resulta em “predisposição” de parte do eleitorado em votar nela. “Se essa predisposição vai se cristalizar ou não, aí é uma outra questão.”


Para Sérgio Guerra, crescimento de Dilma confirma campanha

Agência Estado

Para o presidente tucano, a pesquisa revela que o nome do governador de SP, José Serra, continua 'sólido'

Ana Paula Scinocca

BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou que o crescimento da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência da República, na pesquisa CNT/Sensus divulgada nesta segunda-feira, só confirma que a petista já está em campanha. O levantamento mostra que Dilma encosta no governador de São Paulo, José Serra (PSDB), quando o nome de Ciro Gomes (PSB) aparece na disputa. Neste cenário, Serra recebeu 33,2% das intenções de voto, seguido por Dilma, com 27,8%, e por Ciro, com 11,9%. Marina Silva (PV) aparece em quarto lugar, com 6,8% das intenções de votos. Os indecisos, brancos e nulos somam 20,4%.

"Estamos absolutamente tranquilos. É natural que a Dilma cresça pois ela já está em campanha. Só no meu Estado (Pernambuco) ela foi três vezes este ano", afirmou.

Questionado sobre o fato de Serra também ter exposição na mídia, já que governa o maior Estado do País, Guerra disse que não há como comparar. "O Serra só fica em São Paulo, ele governa São Paulo e lá, ainda por cima, está chovendo muito", afirmou.

Para o tucano, a pesquisa revela que o nome de Serra continua "sólido". "O nome do Serra continua firme e houve até um crescimento em relação aos números anteriores", disse. Em novembro, última edição da pesquisa CNT/Sensus, Serra recebeu 31,8% de votos, enquanto Dilma tinha 21,7%. Ciro recebeu em novembro 17,5% dos votos e Marina, 5,9%. Sem Ciro na disputa, a CNT Sensus de hoje registrou 40,7% para Serra e 28,5% para Dilma.

Dilma sobe, mas ainda depende de Ciro para levar disputa ao 2º turno

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

CNT/Sensus mostra Serra com 33,2% das intenções de voto ante 27,8% da ministra, em quadro de empate técnico

Clarissa Oliveira

Alvo de ofensiva do Palácio do Planalto para viabilizar uma eleição plebiscitária em outubro, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ainda tem força para ditar os contornos da disputa entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), na corrida presidencial. Números da última pesquisa do Instituto Sensus, divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), apontam um crescimento de 6,1 pontos para Dilma, colocando-a em situação de empate técnico com Serra. Esse quadro, entretanto, só existe com a permanência de Ciro na corrida presidencial.

O levantamento, que tem margem de erro de três pontos porcentuais para mais ou para menos, mostra Serra com 33,2% das intenções de voto, ante 27,8% de Dilma. Ciro aparece com 11,9%, seguido da pré-candidata do PV, senadora Marina Silva (AC), que tem 6,8%. Em novembro do ano passado, data do último levantamento divulgado pela CNT, Dilma tinha 21,7%. Serra, por sua vez, contabilizava 31,8%, tendo oscilado 1,4 ponto na nova pesquisa.

O efeito da entrada de Ciro na disputa persiste apesar de o deputado ter recuado na comparação com a pesquisa anterior. Afastado da mídia depois de esticar as férias de fim de ano, ele tinha 17,5% das intenções de voto em novembro. Marina, por sua vez, tinha 5,9%.

O empate técnico entre Dilma e Serra desaparece quando o nome de Ciro é retirado da simulação. No cenário traçado sem a candidatura do deputado, a vantagem do tucano sobre a petista passa a ser de 12,2 pontos. Serra vai a 40,7%, enquanto Dilma aparece com 28,5% e Marina com 9,5%.

Apesar da tendência, o Palácio do Planalto trabalha há meses para tirar Ciro da corrida. O governo e o PT apostam na polarização de projetos para impulsionar a candidatura de Dilma e preferem eliminar o risco de Ciro crescer em cima do eleitorado da ministra. Lula, que ainda aguarda uma resposta do deputado, prefere vê-lo como candidato ao governo de São Paulo.

CAMPANHA

Empenhada desde a virada do ano em comandar uma extensa agenda de pré-campanha, Dilma ultrapassou Serra, por exemplo, no Nordeste, reduto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no cenário que contempla quatro candidatos. Teve 38% das intenções de voto, contra 25,4% do tucano. Na pesquisa anterior, a performance da ministra na região era bem diferente - ela tinha 29,5% e o tucano, 30,7%. Dilma cresceu também no Sudeste, que inclui o Estado comandado por Serra. Foi de 17,4% para 22,7%. Mas o tucano mantém-se na dianteira na região, oscilando de 34,4% para 34,7%.

Dilma e Serra também aparecem tecnicamente empatados na pesquisa espontânea. Mas, pela primeira vez, a petista está na frente em números absolutos. Lula ainda lidera, com 18,7%. Dilma tem 9,5% e Serra segue com 9,3%. O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), que já se retirou da corrida, tem 2,1%, Marina tem 1,6% e Ciro, 1,2%.

Serra continua favorito caso a disputa vá ao segundo turno. No primeiro cenário, o tucano vence Dilma por 44% a 37,1%. Em novembro, ele tinha 46,8% e ela registrava 28,2%. Num segundo turno entre Serra e Ciro, o tucano venceria por 47,6% a 26,7%. Um terceiro cenário, prevendo embate entre Dilma e Ciro, dá a vitória à petista, por 43,3% a 31%.


João Bosco Rabello::Pesquisa reflete um só candidato em campanha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma pesquisa reflete necessariamente uma tendência ou um resultado. No contexto eleitoral, o primeiro caso só ocorre com a campanha em estágio mais avançado, com todos os candidatos definidos, alianças regionais seladas, horário gratuito em curso e candidatos expondo, em debates e palanques, suas idéias e propostas para o País.

Não é, decididamente, o cenário em que pesquisas como a divulgada nesta segunda-feira, 1º, pela CNT-Sensus, se desenvolvem. Elas refletem, por enquanto, aquilo que a lógica indicava: a única candidata em campanha ostensiva, ao lado de um presidente com a popularidade na casa dos 80%, cresceu em relação ao seu percentual inicial e ultrapassou a casa dos 20%, meta que se impusera em curto prazo.


Os outros três candidatos não estão em cena – um deles, José Serra, nem mesmo se admite como tal. De Ciro Gomes, até dias atrás em férias no exterior, nem se sabe se manterá a candidatura. Marina Silva, embora assumida, e com o menor índice, ainda não pôs o pé na rua. Portanto, os números não surpreendem e refletem apenas o resultado de uma etapa preliminar em que Dilma não teve concorrentes e contou com o apoio de um cabo eleitoral privilegiado: o presidente Lula.

Mas a pesquisa se presta a reflexões importantes. A primeira delas, a de que a candidatura Ciro Gomes, nesse momento, ajuda mais do que atrapalha Dilma. Sem o seu nome na planilha dos entrevistadores, Serra sai de um empate técnico para um percentual de 40%, que teoricamente indicaria sua vitória no primeiro turno. O que é improvável se confirmar no curso da campanha.

Os votos de Ciro, portanto, migram para o candidato do PSDB, pelo menos nesse momento. O que não deixa de ser curioso, já que declaradamente seu alvo principal é José Serra. Também fica claro que Ciro não se consolida como candidato, pois cai para 11%, o que o aproxima mais de Marina do que de Dilma. Provavelmente ficará a serviço do que for melhor para Lula. Por enquanto, ele se mostra decisivo para levar Dilma ao segundo turno.

Outra reflexão importante, mas também prematura , diz respeito à transferência de votos de Lula para sua candidata. Considerando que a fase atual da campanha é a de construção, pelo Presidente, da candidatura de sua ministra, é razoável dar como seu o percentual de intenções de voto que a pesquisa registra em favor de Dilma. Se os votos prometidos a Dilma são de Lula, resta saber se ele, há um ano em campanha, chegou ao limite dessa capacidade de transferência ou ainda pode mais.

A leitura da pesquisa nos detalhes mostra que a distribuição dos votos de Dilma entre as regiões e os segmentos da população não são uniformes. Ela fica abaixo de Serra em quase todos os segmentos e regiões, exceção para o Nordeste. Isso pode variar para pior ou para melhor para a candidata.

As alianças regionais serão decisivas para dar contornos mais definidos às candidaturas e projetar cenários mais precisos. Há Estados onde Dilma nem precisaria disputar, se os números, nessa pré-campanha, fossem imutáveis. Caso de Pernambuco, por exemplo, onde se beneficia da popularidade de Lula e do governador Eduardo Campos. Mas, e se o senador Jarbas Vasconcelos entrar na disputa estadual e abrir um palanque para Serra?

O quadro em Minas, segundo maior colégio eleitoral não está igualmente definido. O lançamento do ex-presidente Itamar Franco ao Senado, em claro acordo com Aécio Neves, põe em dúvida novamente a anunciada decisão do governador de não ser vice na chapa tucana.

Ainda há muito por acontecer. Deve se esperar mais das primeiras pesquisas feitas após a desincompatibilização de Dilma, quando estará por sua conta e risco, e a entrada em campo de seu principal oponente, o governador José Serra.

Pesquisa pode dar problema para Ciro e ao governo, diz Freire

Estadão.com.br

Para presidente do PPS, 'sem Ciro, o eleitorado tende a dar o voto a Serra. A questão é se vai ter 2º turno'


Rodrigo Álvares

SÃO PAULO - O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (PE), afirmou nesta segunda-feira, 1º, que a pesquisa do Instituto Sensus, realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), não acreditar que o deputado Ciro Gomes (PSB-SP) continue como candidato à Presidência da República. Para ele, "a questão é se vai ter segundo turno".

De acordo com Freire, a queda da diferença entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT-RS) não atinge a oposição. "A pesquisa pode trazer problema para o Ciro e para o governo. A presença dele não tira votos de Serra. Sem Ciro, o eleitorado tende a dar o voto a Serra. Mas isso é hoje", ressaltou.

No cenário com Ciro, se computada a margem de erro de 3 pontos porcentuais para cima ou para baixo, Serra e Dilma ficam tecnicamente empatados. Serra subiu de 31,8%, em novembro, para 33,2%, em janeiro; Dilma foi de 21,7% para 27,8%; já Ciro, caiu de 17,5% para 11,9%.

O deputado acredita que as articulações estaduais serão decisivas para as eleições: "O PT ainda precisa escolher candidato em São Paulo". Como exemplo, Freire usou as alianças com o candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, Antônio Anastasia, e com o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB) que concorrerá à sucessão de Yeda Crusius (PSDB) no Rio Grande do Sul.

Fernando de Barros e Silva:: Choque de biografias

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O discurso eleitoral do PT já se fixou em torno da comparação entre os governos de Lula e FHC. Simplificado ao máximo, ele insiste na ideia de que "eles" (tucanos) governavam para os ricos, e "nós" (petistas) governamos para os pobres (ou para todos).

Essa estratégia está em curso e foi usada de maneira ostensiva no programa de TV petista, no final do ano passado. Dizer, à moda tucana, que o mundo real é mais complexo ou que tudo na vida é "um processo" pode até sensibilizar a USP, mas dificilmente vai atrair os votos que importam.

O mote do contra-ataque que o PSDB ensaia na verdade é outro. Interessa aos tucanos contrastar as biografias, não os governos. Serra contra Dilma, e não Lula contra FHC. É o que fez no domingo o cientista político Sergio Fausto, diretor-executivo do iFHC, no artigo "Liderança à altura", publicado em "O Estado de S. Paulo".

Lá, Fausto diz que Serra, ao contrário de Dilma, é alguém "cuja liderança não terá de ser forjada a golpes de marketing eleitoral", pois já "precede a sua candidatura". O tucano teria, além da legitimidade formal para governar, que se conquista nas urnas, uma "legitimidade substantiva", que "só a biografia política pode conferir".

Sobre Dilma, o tucano questiona: "Que cargos eletivos disputou? Quando e onde foi testada nas habilidades que se requerem de uma pessoa que almeja ocupar o principal cargo político do país?". Diante da temeridade de enfrentar Lula, o PSDB busca descredenciar sua pupila.

Vejam -dizem eles- o "artificialismo" dessa candidatura, que nasce da escassez de nomes no PT.

É um argumento válido. Mas alguém deve perguntar se o fenômeno Gilberto Kassab não é uma liderança sem "legitimidade substantiva", forjada "a golpes de marketing"? A não ser que os tucanos digam que a Prefeitura de São Paulo é desimportante e qualquer um pode ocupá-la, ainda precisam defender a escolha da "Dilma de Serra", inclusive debaixo d"água.

Eliane Cantanhêde: Pau a pau

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - José Serra que se cuide, porque as pesquisas começam a dar respostas às duas principais indagações de 2010: o quanto Lula será capaz de transferir sua poderosa popularidade para Dilma Rousseff e quem ganha e quem perde com a desistência de Ciro Gomes.

O pulo de Dilma registrado pela CNT-Sensus confirma a expectativa governista de que, sim, há bastante transferência de voto de Lula para sua candidata, que, de novembro até agora, saiu de 21,7% para 27,8% no cenário que inclui Ciro e de 23,5% para 28,5% sem ele.

A segunda resposta começa a se delinear, mas é cedo para certezas.

O que parece hoje pode não se confirmar amanhã.

Comparando os dois cenários atuais, com e sem Ciro: Dilma varia menos de um ponto (27,8% para 28,5%) quando ele está fora, enquanto Serra salta mais de sete (de 33,2% para 40,7%). Significa que, neste momento, a saída de Ciro favoreceria o tucano. Mas isso depende da campanha. Principalmente da percepção do eleitor de que Ciro é Lula, logo... será Dilma.

Ainda sem Ciro: a soma de Dilma (28,5%) com Marina Silva (9,5%) é menor do que o total de Serra. Equivale a dizer que, se a eleição fosse hoje, Serra estaria eleito já no primeiro turno. Mas é uma hipótese improvável, porque o desempenho de Serra se mantém estável, e o de Dilma é ascendente.

Se o problema do governo é calcular se convém ou não manter Ciro na disputa, o problema do próprio Ciro é outro: a desidratação.

Seu risco é definhar mês após mês, a ponto de chegar ao final comprometendo um futuro promissor.

No mais, um dado da pesquisa é particularmente importante: 20,4%, quase um quarto do eleitorado, anularam o voto ou se declararam indecisos. Dilma está no ataque, conquistando esses votos. Serra está na defensiva, derrapando nas enchentes e mortes em São Paulo. O clima e a temperatura estão mais para ela do que para ele.

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Biruta de aeroporto


Pesquisas eleitorais são como biruta de aeroporto. Servem para os marqueteiros e analistas políticos avaliarem o cenário eleitoral e servem também para orientar o pouso ou a decolagem de quem quer transitar em segurança de um governo para o outro. Por isso, quase sempre, determinam a direção e o ritmo do realinhamento das forças políticas que normalmente ocorre nas eleições. Quando divulgadas, são lidas e interpretadas de diferentes maneiras, não importam os números, de acordo com a conveniência de cada um.

Por exemplo, no caso da pesquisa CNT/Sensus divulgada ontem, uma margem de erro para mais ou para menos de 3% coloca a ministra Dilma Rousseff (PT), com 27,8%, em empate técnico com o líder da disputa, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que tem 33,2%. Liquida o favoritismo absoluto do candidato tucano e joga uma pá de cal nas pretensões de Ciro Gomes (PSB), com 11,9%. Marina Silva (PV), com 6,8%, se consolida como candidata exótica.

Margem

Porém, considerando a margem de erro no sentido inverso, Serra pode subir para 36,2%; ou Dilma cair para 24,8%; ou Ciro alcançar 14,9%; ou Marina (foto) cair para 3,8%, alterando todo o cenário. Se essa possibilidade existe estatisticamente, como devemos proceder? Como no caso de um exame de Aids que deu positivo com margem de erro de 1/1000. A chance de ser um falso positivo leva o suposto portador do vírus HIV a fazer um novo exame. A repetição confirmará ou não o diagnóstico. É o que acontece com as pesquisas de opinião, com margem de erro muito maior. As últimas mostram que Serra oscila ao manter a liderança (novembro/31,8%, janeiro/33,2%), enquanto Dilma, inequivocamente, consolida-se como sua principal adversária (novembro/21,7%, janeiro/27,8%). Ciro está cada vez mais em segundo plano (novembro/17,5%, janeiro/11,9%). E Marina cresce (novembro/5,9%, janeiro/6,8%).

Expectativa

Qual é o efeito biruta de aeroporto? A maior expectativa de poder em torno de Dilma Rousseff, o que facilita o esforço de Lula no sentido de coerir a base do governo em torno da candidata petista. Por isso, Dilma comemora, mesmo sabendo que Serra , como na pesquisa anterior, ganharia no primeiro turno com Ciro fora da disputa. O tucano teria 40,7% dos votos, mais do que a soma dos votos de Dilma (28,5%) e Marina (9,5%).

Fricção

Na cozinha da ministra Dilma, assessores avaliam que Ciro cumpriu o papel de neutralizar a expectativa de poder que o favoritismo de Serra havia gerado. Agora, é preciso esperar até março e torcer para que ele desista da disputa. Companheiro de viagem, Ciro é a maior fricção na estratégia de transferência de votos de Lula para Dilma, pois não poderia ser atacado. Nesse caso, o fenômeno de transferência de votos de Ciro para Serra poderia se repetir no segundo turno.

Corredor

A Força Sindical calcula que cerca de mil sindicalistas estarão em Brasília hoje para recepcionar os deputados. Cem deles darão as boas vindas aos parlamentares ainda no aeroporto. E a ofensiva continua com 100 banners no caminho até o Congresso, onde os militantes ficarão em vigília pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais

Sombra

O problema da biruta de aeroporto é que ela aponta o rumo do vento, mas não elimina a sombra do futuro. Atores importantes no processo, como Ciro Gomes e o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), dentre outros, se movimentam não apenas em função de 2010. Eles têm estratégias próprias, que miram o pós-Lula, com Serra ou Dilma no poder. Por exemplo, se Dilma ganhar as eleições, será candidata à reeleição ou apoiará a volta de Lula. Se perder, Serra vai querer governar por oito anos. Aparentemente não faz diferença, mas tanto Ciro como Aécio viverão contingências diferentes em qualquer dos dois governos. Por isso, são parceiros de uma estratégia do tipo “viva e deixe viver”.


Perigo/ O Ministério Público Federal no Maranhão investiga o que levou a Secretaria de Saúde a deixar faltar medicamentos de alto custo nos postos do estado, mesmo tendo recebido os repasses do governo federal. Entre 2007 e 2009, o imunossupressor sirolimus sumiu das prateleiras dos postos três vezes. O remédio — que não é vendido em drogarias — é vital para os transplantados.

Hamlet/ Mesmo tendo sido sondado como alternativa para a sucessão do governador José Roberto Arruda (sem partido), o ex-secretário do Trabalho do GDF deputado Bispo Rodovalho (PP-DF) vai deixar a vida pública. Foi decisão dos bispos da Igreja Sara Nossa Terra.

Azebudsman/ O leitor Paulo Cesar Batista contesta a nota intitulada Refluxo, publicada sábado passado, na qual comparamos o Fórum Social Mundial, realizado semana passada, em Porto Alegre, com os anteriores. Argumenta que participaram 30 mil ativistas porque este ano o evento foi descentralizado. É, pode ser.

Imperdível/ Invictus, de Clint Eastwood, com Morgan Freeman no papel do ex-presidente sulafricano Nelson Mandela, é uma lição de marketing político e esportivo por uma causa justa.

Transferência

A oposição e analistas independentes não concordam com esta interpretação, mas a avaliação do Palácio do Planalto é de que a eleição está polarizada e marcha para se tornar um plebiscito sobre o governo Lula. Sem Ciro na disputa, Dilma acabaria beneficiada pelo peso da aprovação do atual governo (71,4%) e do apoio popular ao presidente Lula (81,7%).

Desafetos pressionam Chávez

DEU EM O GLOBO

Ex-aliados isolam presidente ao pedirem que deixe o governo, que consideram ilegítimo

CARACAS – Cresce a pressão sobre o governo de Hugo Chávez. Depois do vice-presidente e ministro da Defesa, Ramón Carrizález, ter pedido demissão na semana passada, e de milhares de estudantes oposicionistas irem às ruas por dias seguidos protestar contra as restrições a canais de TV a cabo, ontem foi a vez de um grupo de ex-aliados — incluindo antigos ministros e militares — pedir a renúncia do presidente, alegando que tudo o que Chávez argumentara para chegar ao poder em 1999 “hoje o torna ílegitimo”. Cada vez mais isolado, o governo ampliou ontem o plano de racionamento elétrico na capital, para contornar a crise de energia do país: a obrigatoriedade de diminuir consumo em 20% se estenderá a mais categorias de grandes consumidores, como hotéis, indústrias e escritórios.

Pequenos comércios e residências não seriam afetados.

Segundo o texto de protesto publicado ontem em diversos jornais por ex-chavistas, o presidente “não tem autoridade moral e material para governar, porque não responde à satisfação das exigências do povo”. Entre esses antigos aliados que hoje formam o chamado Polo Constitucional, que assina o documento, destacam-se o ex-chanceler Luis Alfonso Dávila, o exchefe militar e ministro da Defesa Raúl Baduel, e os militares Yoel Acosta e Jesús Urdaneta, que eram do comando das Forças Armadas e participaram, junto com Chávez, da tentativa de golpe de Estado em fevereiro de 1992.

Líderes estudantis denunciam abusos

O grupo cita como argumentos que Chávez usou para chegar ao poder em 1999 os princípios de Simón Bolívar e a luta contra a insegurança, a pobreza e a corrupção.

— Tudo o que o senhor argumentou para chegar ao poder hoje em dia o ilegitima. O povo sofre com a insegurança pessoal, com menos liberdade, com menos segurança jurídica e social. E se aprofunda a pobreza de nossa gente — leu o exchanceler Luis Alfonso Dávila ao apresentar o manifesto.

Ainda segundo o texto opositor, após mais de uma década de governo, os serviços públicos “são um caos”; a economia “vive uma de suas crises mais profundas apesar da abundância de petróleo”, e a corrupção, “que constitui o estigma moral de um governo e foi bandeira de sua proposta política”, favorece “o enriquecimento ilícito mais obsceno já presenciado”.

O texto condena ainda a repressão contra meios de comunicação e jornalistas, tachando-a de “violação descarada e permanente dos direitos humanos”, e contra manifestações de estudantes. Ainda ontem, líderes de três das principais universidades venezuelanas se reuniram para denunciar a repressão que vêm sofrendo, como o ataque de vândalos contra a Universidade Católica Andrés Bello na última sexta.

— A denúncia é que estamos sendo sistematicamente atacados por grupos violentos que não representam opção alguma, que são uma minoria — disse Roberto Patiño, presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Simón Bolívar, ao jornal “El Nacional”, acrescentando que a Promotoria investiga a universidade, sob a acusação de instigar a insurreição, devido a um comunicado em que a reitoria convocava professores a apoiar o movimento oposicionista. — Amanhã (hoje), o movimento estudantil estará na Promotoria para entregar provas de que somos inocentes. Os violentos são os outros.

Um dos líderes do movimento estudantil oposicionista, Roderick Navarro, da Universidade Central da Venezuela, também protestou: — Quanto mais nos reprimirem, mais iremos às ruas. Decidimos nos transformar nos protagonistas da mudança e deixar de ser espectadores da crise. Não podemos criticar, criticar e nada propor.

Presidente da Constituinte de 1999 e ex-chavista, Luis Miquilena também apoiou ontem a onda de protestos estudantis, defendendo que “é necessário enfrentar o poder Executivo e isso só é possível com a união de todas as forças cívicas que existem no país”.

Segundo o jornal local “El Universal”, o Foro Penal Venezuelano (FPV) e outras organizações não governamentais denunciaram ontem que, na última semana, 14 violações diretas dos direitos humanos foram registradas, assim como 85 prisões em sete estados do país — incluindo Mérida, onde dois jovens morreram em protestos na última terçafeira.

Integrante do FPV, o advogado Alfredo Romero afirmou que a semana passada foi de “grave repressão” e de forte perseguição política, e que nas manifestações em repúdio à suspensão do sinal da TV a cabo RCTV, as detenções foram feitas arbitrariamente por policiais e forças de segurança do Estado.

“Quanto mais nos reprimirem, mais iremos às ruas. Decidimos nos transformar nos protagonistas da mudança e deixar de ser espectadores da crise"

Roderick Navarro, líder estudantil

Chávez poupa residências de racionamento

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Plano para Caracas prevê que "grandes consumidores" reduzam consumo de energia em 20% e isenta "setores de alta sensibilidade social"

Governo não diz quem será afetado tampouco quando o projeto, o terceiro para tentar controlar a crise energética, entrará em vigor

Fabiano Maisonnave

CARACAS - Com a popularidade em queda e enfrentando dificuldades administrativas em pleno ano eleitoral, o governo Hugo Chávez divulgou anteontem à noite um novo plano de racionamento para Caracas, que deixará de fora setores de "alta sensibilidade social".A medida, que afeta a capital do país, foi divulgada só por uma nota no site da Agência Bolivariana de Notícias (ABN), apesar de Chávez ter tratado da falta de energia em boa parte do seu programa de TV dominical, "Alô, Presidente".

O novo plano prevê que os "grandes consumidores" de Caracas reduzam o consumo de energia em 20%, deixando de fora "pequenos comércios, o setor residencial e setores de alta sensibilidade social", segundo a ABN. O governo, porém, não especificou quem será afetado nem quando o plano entrará em vigor.

É o terceiro plano de racionamento para Caracas -nos anteriores, Chávez recuou devido à má reação da opinião pública.

Em dezembro, o governo determinara que os shopping centers fechassem às 21h, o que deixaria a cidade praticamente sem cinemas abertos à noite. Ao mesmo tempo, fechariam bares e outros centros de diversão noturna que funcionam nos shoppings. A restrição foi cancelada antes de ser implantada.

Em meados do mês passado, Chávez lançou um duro plano de racionamento, que deixaria praticamente todo o país, incluindo Caracas, sem luz durante quatro horas a cada dois dias, num sistema de rodízio por partes da cidade. Dessa vez, o novo recuo na capital (o programa foi mantido no resto do país) veio acompanhado da demissão do ministro da Energia Elétrica, Ángel Rodríguez.

Junto com o racionamento, Chávez vem tentando aumentar a produção elétrica do país.

Amanhã, conforme a Folha antecipou, uma comitiva venezuelana chega a Brasília para se reunir com técnicos brasileiros. Na agenda, a busca de apoio técnico para a usina de Guri, que abastece 70% do país, mas sofre com a falta de chuvas. O Brasil também deve ajudar a reformar as sucateadas usinas termelétricas do país.

Anteontem, Chávez anunciou um fundo emergencial de US$ 1 bilhão, para ser usado na produção de energia elétrica a curto prazo, por meio de usinas termelétricas.

A crise energética, o aumento da violência, o racionamento de água em Caracas e a pressão inflacionária vêm minando a popularidade de Chávez, que, segundo o instituto Datanálisis, está em 46%. Apesar de relativamente alta, é a primeira vez que se situa abaixo dos 50% em cinco anos.

Na capital venezuelana, a deterioração de sua popularidade remonta a 2007, quando Chávez foi derrotado no referendo sobre a reforma constitucional. Em 2008, a oposição venceu em 4 dos 5 municípios e ainda arrebatou o governo distrital de Caracas.

Em setembro, a Venezuela volta às urnas para eleger a nova Assembleia, hoje controlada pelo chavismo.

Arnaldo Jabor:: Nunca fomos tão felizes

DEU EM O GLOBO

O escândalo permanente está nos ensinando muito

Volto hoje de férias… (“nao fez falta alguma” — pensam meus inimigos…) e me sinto paralisado diante do tempo, das notícias. Um cansaço me toma: analisar o óbvio… CPIs, roubalheiras, gastos públicos, campanha ilegal, Dilma, stress de Lula, PMDB tomando conta das agências, TCU humilhado, PAC, PAC, PAC… Preciso mudar de repertório. Por isso, tento descobrir, com pinça e lupa, alguma melhoria nesses anos de tantos escândalos e desacertos.

Desculpem meu otimismo — que é visto com desconfiança (“ahhh… alguma coisa ele está querendo…”) —, mas várias coisas boas já nos aconteceram, apesar do país manipulado por interesses políticos sujos, apesar da lentidão de nossa história torta, que anda como bêbada em volta de nosso destino.

Mas, da bosta, muitas flores germinam.

A sociedade civil, na falta de nome melhor, ganhou consciência de sua importância. A sociedade já pensa em “nós” e não em “eles” , os remotos donos do poder. Apesar do populismo em alta, já deixamos de ser “vítimas” e passamos a ser “cúmplices”.

Já entrou na consciência da população a diferença entre “estatal” e “público”. O Estado esteve sempre dentro de nossa alma, muito mais que os burocratas, muito mais que as companhias estatais, o Estado está dentro de nós, em cada célula de nossa formação. Mas, hoje, já confundimos menos “governo” com “Estado”. A ideia do Estado como responsável por nossas vidas já se dissolve com a modernidade.

A quebra do Estado brasileiro, no meio dos anos 1980, foi ruim e boa. Deu-nos uma “orfandade” diante do gigante quebrado, mas despertou desejo de autonomia na sociedade.

Deixou claro que o Estado tem de existir para a sociedade e não o contrário, como ainda é.Raiou a noção de responsabilidade civil e fiscal; entrou em nossa consciência de coloniais “exilados em sua própria terra”, a ideia de que, em finanças, não se gasta mais do que se tem. O mesmo vale para a vida social e política: já existe em nossas cabeças a ideia do “possível”, em vez da velha bravata das utopias, que ficou apenas para malucos bolchevistas que ainda dormem nos buracos do poder.

Ao contrário do simplismo de ver tudo por uma ótica “macro”, generalizante, as crises na economia mundial nos ensinaram a importância dos detalhes “micro”, das pequenas causas que derrubam um universo. É mais importante a competência indutiva que as utopias dedutivas. Uns garotos comedores de hambúrguer de Wall Street podem arrebentar o capitalismo, com mais força que os velhos leninistas.

Sabemos que capital tem de ter limites.

Resta saber como.

Diminuiu a divisão ideológica entre direita e esquerda. Agora é pragmatismo e eficiência.

Mais importante que apontar causas para a pobreza é descobrir formas de combatê-la. O horror do Haiti talvez ensine (um pouco) que a miséria brutal não pode conviver com os satélites dançando entre os anéis de Saturno. Injustiça social dá prejuízo financeiro. O sonho de uma grande economia sem sociedade acabou, pois uma gigantesca fusão corporativa final excluiria a vida em nome do mercado. As corporações descobrem que a justiça social é uma necessidade de mercado.

A globalização da economia é um bonde carrregado de problemas novos, que pode nos jogar num vazio de excluídos. Mas tem a vantagem de nos colocar mais perto da verdade nacional, rompendo as paredes da “taba imaginária”, uma ilha ibérica de esperança vã.

A globalização nos trouxe o contato com métodos de gestão e administração mais anglosaxônicos, trouxe dinamismo para empresas, trouxe nova ética empresarial, nova ética contábil. Hoje, já podemos pensar em um novo nacionalismo sem cair nos antigos esquematismos.

A tal “mão invisível do mercado” pode nos dar bananas, claro. Mas o conceito de “mercado” dinamiza a autorregulação da vida social e econômica do país. “Mercado” como termômetro dos perigos da injustiça, mas também como sensor dos desejos sociais; “mercado” como amenizador de certezas burras; “Mercado” como relativizador de um poder público totalitário. Hoje, o inimigo principal não é mais a “burguesia” gorda e fumando charuto; o inimigo é a incompetência estatal e simbioses corruptas com um empresariado dependente.

Já entendemos que a ideia de “solução” para o país é um mito. Nunca se chega a uma “solução” histórica. Seria o tal “fim” do Fukuyama, que tantos filósofos amam em segredo.

E, pelo avesso, a ideia deprimida de “insolubilidade” é também um pretexto reacionário.Podemos, no máximo, limpar caminhos, sanear processos. A ideia de “solução” é substituída pela de “processo”.

A sordidez nacional que a democracia exibe, a corrupção, a falta de vergonha política, a violência, todas as falhas boçais do sistema sugerem que a contrapartida para combatêlas deveriam ser medidas boçais, violentas.

Só que, para desarmar a eterna bomba suja nacional, há que ter paciência e aceitar complexidades.

Radicalidade não é apelar para a ignorância. Grossura contra grossura se anulam mutuamente.

Já percebemos que os problemas do Brasil são muito mais complicados do que uma mera questão de injustica social, a ser resolvida apenas pela dinâmica de uma “luta de classes”.

A injustica é endêmica e de tal modo paralisante que inviabiliza até um embate de classes. A má distribuição de renda não é causa; é consequência de uma secular estrutura autocrática, de um Estado patrimonialista que tem de ser reformado.

Já sabemos que o Brasil é este país que está aí, com suas deficiências e políticos atrasados.Não há uma outra nação. Mudar o país tem de ser “por dentro”, e não uma intervenção mágica, ditatorial ou golpista.

Ou seja, alegrai-vos otimistas. Há luz ao fim desse túnel imundo. Com suas alianças espúrias e com o método “contemporâneo” e a cínica praticidade com que Lula governou, enxergamos o país como “nunca antes”.

As duas grandes obras de Lula: por conciliador, impediu o poder dos jacobinos bolchevistas e, com suas alianças, mostrou que o Brasil é só um grande PMDB. Esta é nossa verdade.

Luiz Gonzaga Belluzo :: Um bom livro sobre a crise

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A crise financeira desatou um movimento de críticas ao paradigma dominante na teoria econômica. Se a memória não falha, acho que já tratei nesta coluna do texto do biógrafo de Keynes, Robert Skideslsky, "The Return of the Master". No gênero, o jornalista inglês John Cassidy escreveu o livro "How Markets Fail", que merece mais do que um fim de semana dedicado à leitura. Nele o autor combina erudição, simplicidade e sobretudo capacidade de situar as teorias em seu ambiente histórico, social e político, o que torna a crítica mais consistente e afasta as tentações das manobras pseudocientíficas que o sociólogo americano Wright Mills chamava de "empirismo abstrato".

Cassidy começa com Adam Smith, celebrado fundador da Economia Política que, na Teoria dos Sentimentos Morais pretendia "provar que, anteriormente a qualquer lei ou instituição positiva, a mente estava dotada naturalmente da faculdade que permitia distinguir, em certas ações e afeições, as qualidades do certo, do louvável e do virtuoso e, em outras, aquelas do errado, do condenável e do vicioso...." É por meio da razão que descobrimos essas regras gerais de justiça que regulam nossas ações.

Na "Riqueza das Nações", Smith derivou a propensão para a troca a partir das inclinações naturais do indivíduo. Naquele "estado rude e primitivo da sociedade", a troca de mercadorias decorreria da disposição benevolente dos indivíduos ao relacionamento com o "outro". Os produtores privados de mercadorias, ao buscar o seu interesse, "constituem" a sociedade. Smith busca afirmar a autonomia da sociedade econômica em relação ao Estado sublinhando o caráter natural e "espontâneo" das relações fundadas no autointeresse coordenado pela sabedoria providencial e impessoal da Mão Invisível. Smith, diz Cassidy, recomendava restrições à liberdade para a operação dos bancos, "que podem colocar em perigo a segurança de toda a sociedade e, por isso, devem ser disciplinados pelas leis dos governos, desde os mais livres aos mais despóticos."

Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII. O homo oeconomicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica. Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade onde se desenvolve a ação econômica é constituída mediante a agregação dos indivíduos, articulados entre si por nexos externos e não necessários.

Os modelos de equilíbrio geral, com informação perfeita e mercados competitivos para todas as datas e contingências, são replicantes do Demônio de Laplace. Em seu pecado original de orgulho iluminista, o deus-mercado se pretende "uma inteligência que abarcaria, na mesma fórmula, os movimentos dos maiores corpos do universo e do menor átomo: para ele nada seria incerto e o futuro e o passado estariam sempre presentes sob seus olhos."

Cassidy mostra com clareza e simplicidade que nos anos 70, o "nobelizado" Robert Lucas juntou o suposto das expectativas racionais ao modelo de equilíbrio geral para reintroduzir, na contramão da Revolução Keynesiana, o Demônio de Laplace no universo da moderna teoria econômica. Com esse movimento, Lucas expulsou do paraíso da respeitabilidade acadêmica as ideias keynesianas de incerteza e de instabilidade da economia capitalista.

A propósito de capitalismo, John Cassidy ironiza a concepção "lucasiana" da sociedade e da economia: "Ele criou um capitalismo sem capitalistas, em que as empresas são meras abstrações que transformam insumos em produtos". Nesse capitalismo sem capitalistas, Lucas adotou a teoria dos mercados eficientes para o conjunto da economia. Eugene Fama e outros estenderam tal hipótese para os mercados financeiros. "Lucas assumiu que os mercados de bens, de trabalho, todo e qualquer mercado, eram igualmente eficientes."

A suposição fundamental das teorias novo-clássicas, com expectativas racionais, assegura que a estrutura do sistema econômico no futuro já está determinada agora. Isso porque a função de probabilidades que governou a economia no passado tem a mesma distribuição que a governa no presente e a governará no futuro.

Cassidy discorda. Para ele, a ação econômica numa sociedade capitalista é definida pelo caráter crucial das antecipações do grupo social que detêm o controle da riqueza e que deve decidir o seu uso a partir do critério da vantagem privada. Os planos privados de utilização da riqueza são racionais do ponto de vista individual, mas o turbilhão de ações egoístas, ao modificar irremediavelmente as circunstâncias em que as decisões foram concebidas, pode levar a um processo cumulativo de erros.

Cito Cassidy: "A ideia de que o comportamento racional do investidor pode levar a um resultado coletivamente irracional - um bolha, por exemplo - é tão antiga quanto a famosa South Sea Bubble de 1720. Muitos investidores sabiam que as informações sobre os ganhos do comércio entre a Espanha e a América Latina eram exageradas e as empresas que lançavam ações no mercado de Londres eram fraudulentas."

Nos mercados financeiros, as decisões são comandadas por impulsos, medos e súbitas mudanças no estado de expectativas. Os investidores e os senhores da finança têm a faculdade de usar o poder conferido pelo controle do dinheiro e do crédito para beneficiar o conjunto da sociedade ou simplesmente entregar-se ao "amor do dinheiro" e à proteção patrimonial, produzindo crises e desigualdade.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.