quinta-feira, 15 de abril de 2010

Reflexão do dia – Roberto Freire


Nestes 25 anos da Nova República, há muito o que comemorar como também há muito ainda o que fazer, nos mais importantes aspectos da vida brasileira. Nesse sentido, agora se abre uma nova etapa. E não só no Brasil.
Apesar de muita falácia e tergiversação, o governo do PT divorciou-se radicalmente das esperanças que acendeu com a sua vitória em 2002. Os sonhos que provocou transformaram-se em frustração. O discurso ético revelou-se vazio e a corrupção maculou a esquerda brasileira. O espetáculo do crescimento mostrou-se uma pantomima. As taxas de crescimento de nosso PIB, por todos esses anos, só é superior, na América Latina a pouquíssimos países, dentre esses, às do Haiti.

(Roberto Freire, no lançamento da pré-candidatura de José Serra à Presidência da República, sabado - 10/4/2010)

Palanque não é urna::Dora Kramer




DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As dificuldades que os partidos governistas enfrentam com suas alianças regionais não representam necessariamente, e por si, prejuízos à candidatura Dilma Rousseff.

Uma coisa são as confusões que a candidata arruma, outra bem diferente são os acertos políticos locais sempre difíceis porque são várias correntes disputando o mesmo espaço.

Consta que os aliados de Dilma ainda não resolveram suas questões em 15 Estados, enquanto aos correligionários de José Serra só falta se acertarem em três.

Dito assim parece que na campanha governista reina a completa desordem e que na seara oposicionista impera a repentina ordem, contrariando a gritaria dos aliados de José Serra que até outro dia diziam que seria absolutamente impossível articular as alianças regionais se o então governador de São Paulo insistisse em ficar no cargo até o último dia permitido por lei.

Pois ele ficou, lançou-se candidato no dia 10 e o mundo não se acabou.

Tanto no governo quanto na oposição, as questões das alianças vêm sendo encaminhadas há algum tempo. Ocorre que, além de tudo acontecer em seu devido tempo, as situações são diferentes: na coalizão governista as coisas são bem mais complicadas de resolver.

Do lado do governo amontoam-se mais de dez partidos, todos com ambições referidas na máquina federal e, para complicar, os dois principais parceiros, PMDB e PT, se já viviam aos trancos e barrancos há anos, por mais razão se estranham agora quando o poder maior está em disputa.

Antes de prosseguir, convém registrar uma obviedade que Ulysses Guimarães gostava muito de repetir porque as pessoas parecem se esquecer: ninguém mora na União. Pois é: embora a representação de repercussão nacional se dê em Brasília, política se faz na província.

É nos Estados que os partidos definem suas forças, de lá é que poderão sair maiores ou menores em termos de governadores, deputados e senadores. Não que a Presidência da República seja mero detalhe. Mas o PMDB é o melhor exemplo de partido sem presidente e com poder porque é forte País afora.

Mas voltando à questão das alianças.

Os tucanos aparentemente estão com a vida ganha. Alianças ajeitadas, à exceção de três Estados, sendo um, o Rio de Janeiro, bem complicado. Mas, ao contrário do governo, contam com dois aliados, DEM e PPS, pacificados, a simpatia de parte do PSB, a adesão de alguma coisa do PMDB e mais o que sobrar em forma de lucro. O cenário é bem menos adverso.

Claro que o PSDB vai pôr o pé na estrada para ter muito mais. Assim como o governo trabalha para organizar os seus. Mas vamos que os acertos de Serra desandem e os aliados de Dilma resolvam brincar separados. É de se perguntar se isso influi realmente de maneira negativa na decisão do eleitor em relação à candidatura presidencial.

A julgar por eleições anteriores, depende muito mais do desempenho dos protagonistas. Quando estão eleitoralmente bem posicionados, são recebidos e disputados por todos, nada é obstáculo. Se vão mal, não há organização perfeita que dê jeito.

Para todos. Inicialmente marcada para o próximo dia 19, a viagem de José Serra a Minas pode ser transferida para 21 de abril, data dos 25 anos da morte de Tancredo Neves. Há tucanos convencidos de que seria o contraponto ideal à visita de Dilma Rousseff ao túmulo do avô de Aécio Neves.

O risco é a motivação soar algo indevida, com um quê de exploração alguns centímetros além da medida.

Mas há o outro lado: se não fizerem, os tucanos ficariam reféns da agenda da adversária.

Efeméride. A onda anual de invasões do MST denominada "abril vermelho" é tratada pelo poder público como parte do calendário nacional.

Da tolerância com a ilegalidade passou-se à cumplicidade, faltando apenas a inclusão na agenda de atrações turísticas internacionais para completar a chancela oficial.

Sangue no verde-e-amarelo:: Clóvis Rossi



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Faz um mês, depois de visitar o Yad Vashem, o Museu do Holocausto, em Jerusalém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que "a visita deveria ser quase obrigatória para todos os que querem dirigir uma nação". Seria, achava Lula, um modo de entender o "que pode acontecer quando a irracionalidade toma conta do ser humano".

O que faz depois o governo brasileiro? Recomenda a Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, que visite o Yad Vashem? Não, ao contrário. O ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), que, aliás, estava na visita ao museu de Jerusalém, entrega com um sorriso a camisa verde-e-amarela ao homem que nunca vai visitar o Yad Vashem, não só porque nega o Holocausto mas porque regularmente prega a "aniquilação" dos judeus.

É esse carinho absurdo o problema real das relações Brasil/Irã, e não a posição brasileira de preferir o diálogo às sanções para forçar o regime dos aiatolás a desenvolver um programa nuclear só para fins pacíficos.

Essa é matéria opinável. Tampouco é um problema o fato de Miguel Jorge e comitiva empresarial estarem em Teerã para fazer negócios. Desde sempre, países fazem negócios com quem lhes convêm, sem olhar minimamente para o caráter do regime com o qual negociam.

O que não é tolerável é fazer carinho em quem prende, tortura e mata os opositores, em quem limita brutalmente as liberdades públicas.

A Anistia Internacional divulgou faz pouco relatório em que aponta a execução de ao menos 112 pessoas no Irã nas oito semanas que se seguiram à reeleição de Ahmadinejad, vivamente contestada.

São mais de duas execuções por dia, quase o dobro da média dos seis meses anteriores à votação.

O gesto do governo brasileiro cobriu de sangue, pois, a camisa verde-e-amarela.

PF indicia 'aloprado' do PT por corrupção



DEU EM O GLOBO

Valdebran Padilha está envolvido em fraude em licitações

CUIABÁ. A Polícia Federal confirmou ontem o indiciamento do "aloprado" Valdebran Padilha e mais 45 pessoas pela acusação de desvio de recursos públicos federais em Mato Grosso. Padilha está preso há oito dias, por fraude em licitações de obras financiadas com recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e do Ministério das Cidades. Ele foi indiciado por fraude em licitação, corrupção ativa e formação de quadrilha.

Os outros 45 foram indiciados por nove crimes: formação de quadrilha, estelionato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro, apropriação indébita, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva e prevaricação. Nos próximos dias, o Ministério Público Federal deverá denunciá-los à Justiça. A PF acusa as construtoras de Padilha de fraudar concorrências de obras no município de Santo Antônio de Leverger, a 26 quilômetros de Cuiabá. O prefeito de Leverger, Faustino Dias (DEM), que está afastado por compra de votos, também foi preso e indiciado.

As fraudes foram descobertas durante a operação Hygeia, deflagrada há uma semana. Padilha ficou conhecido em setembro de 2006, às vésperas das eleições. Ele foi flagrado em um hotel de São Paulo portando R$1,7 milhão, que seriam usados para comprar um dossiê com supostas acusações contra candidatos do PSDB. A PF concluiu que o dinheiro era do PT. Na época, o presidente Lula chamou de "aloprados" os petistas envolvidos no caso. Padilha foi indiciado, mas a PF jamais identificou a origem do dinheiro.

MST invade 35 fazendas, sem resistência



DEU EM O GLOBO

No Congresso, Stédile diz que eleição de Serra será "o pior dos mundos"; presidente da CNA pede ajuda à polícia

Adauri Antunes Barbosa

SÃO PAULO. Sem enfrentar qualquer resistência da polícia, apesar dos apelos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), até o fim da tarde de ontem o Movimento dos Sem Terra (MST) já havia invadido 35 fazendas em cinco estados, dentro do Abril Vermelho, como é conhecida a temporada de invasões organizada pelo movimento. Só ontem foram quatro invasões, três em Pernambuco, estado com mais casos (19 ao todo) e uma em São Paulo.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da CNA, pediu ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal sejam usadas para ajudar a impedir as invasões e sugeriu ações da Força Nacional de Segurança para evitar que fazendeiros façam "bobagem" ao reagir às ocupações.

- São 13 anos de Abril Vermelho e 25 anos de MST. É tempo suficiente para criminalizar esse movimento, que já atingiu a maioridade faz tempo - criticou a senadora.

O movimentou também ocupou três escritórios regionais do Incra em São Paulo, no Paraná e em Mato Grosso. Enquanto o MST fazia as invasões, o líder do movimento, João Pedro Stédile, participava de audiência na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, onde criticou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e disse que a eleição de José Serra (PSDB) à Presidência "seria o pior dos mundos para o MST":

- É claro que nós percebemos que a candidatura Serra seria a retomada do neoliberalismo no Brasil, a retomada das privatizações, a retomada do que foi o governo Fernando Henrique. Então, um governo Serra, para nós, seria o pior dos mundos. Acredito que em nossas bases ninguém vai votar no Serra - disse, com a ressalva de que, até o momento, os sem-terra não discutiram em quem votar.

Convidado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a fazer um balanço sobre sua gestão na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes criticou o Abril Vermelho. Gilmar disse que o direito à propriedade deve ser respeitado:

- Protestar sim, direito de manifestação sim, direito de reunião sim, mas sem violência. Os direitos fundamentais todos, inclusive o de propriedade, devem ser respeitados.

A direção do MST vai concentrar as ações do Abril Vermelho no próximo sábado, para lembrar o aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás. Será realizado o que o MST chama de dia nacional de lutas pela reforma agrária. Em resposta à senadora, o MST afirmou que as propostas da CNA "pretendem mais uma vez criminalizar as lutas sociais e impedir o avanço da reforma agrária".

"A senadora não apresenta nenhuma proposta para resolver os problemas das quatro milhões de famílias pobres do campo e das 90 mil acampadas em todo o país. No entanto, suas medidas buscam proteger da lei agrária cerca de 15 mil fazendeiros", afirma nota do MST.

Contra as ocupações, a CNA fará campanha na TV e designará advogados para auxiliar fazendeiros. Segundo Kátia, o pedido ao ministro é o primeiro passo da campanha "Vamos Tirar o Brasil do Vermelho - Invasão é Crime". O próximo passo será a coleta de um milhão de assinaturas contra as invasões.

Chesf entra no discurso de Serra



DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Seguindo estratégia definida pelos líderes do PSDB, DEM e PPS, presidenciável tucano irá abordar temas regionais, como o esvaziamento da estatal

O esvaziamento da Companhia Hidro Elétrica de São Francisco (Chesf) em Pernambuco será um dos temas regionais que o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, absorverá no seu discurso. A ideia é que o tucano, que já tem a pecha (veemente negada por ele) de não gostar do Nordeste, não se prenda a uma agenda nacional e diversifique sua fala, tentando aproximação com todas as regiões do País. O assunto entrou na pauta do comando da campanha de Serra (líderes do PSDB, DEM e PPS), que se reuniu terça-feira em São Paulo. Também foi proposta a criação de uma frente parlamentar com agenda e discurso afinados para que todos “falem a mesma língua”.

Serra não participou da reunião, pois dedicou o dia a conceder entrevistas a emissoras de rádio, como tem feito para se apresentar como presidenciável ao País. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, presente no encontro, levantou o tema da Chesf, colocando como exemplo de como é possível desdobrar problemas regionais dando foco nacional. Guerra, coordenador-geral da campanha de José Serra, contou que a reunião foi convocada pela equipe de comunicação da campanha do presidenciável. O senador, assim como os colegas Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Marco Maciel (DEM), já se pronunciaram contra o desmonte da Chesf, a partir de mudanças patrocinadas pelo governo Lula.

O presidente do PPS, Roberto Freire, adiantou que o mote do discurso de Serra será a “má gestão do sistema elétrico brasileiro”. “A Chesf vai experimentar mudanças que não serão para melhor. Acham que o governo Lula é muito bom para Pernambuco, mas o esvaziamento da Chesf é um exemplo do descuido dessa gestão do PT. Dilma é boa gerente? É nada! É péssima! Esse setor era da dona Dilma”, disse Freire, ao JC, ontem, referindo-se à presidenciável o PT, Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia, antes de ocupar a Casa Civil.

José Serra já demonstrou publicamente o desejo de discutir o setor elétrico com sua principal adversária nesta eleição. Ele chegou a cogitar falar da Chesf no seu discurso de lançamento da pré-candidatura, sábado passado, em Brasília. Mas recuou para não ser acusado de oportunista. Curiosamente, o mesmo PSDB que defende hoje o fortalecimento da Chesf tentou privatizá-la no segundo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP). Não conseguiu por causa de uma reação suprapartidária que envolveu os ex-governadores Miguel Arraes (PSB) e Roberto Magalhães e até, nos bastidores, o vice-presidente Marco Maciel (DEM). A oposição em Pernambuco, em recente protesto que realizou no Recife, apelidou Dilma de “madrasta da Chesf”. Ontem, o governador Eduardo Campos (PSB) recebeu o ministro das Minas e Energias, Márcio Zimmermann, no Palácio das Princesas. O ministro foi sabatinado em reunião do Cedes. Eduardo criticou, pela primeira vez, o processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, que está tirando a autonomia da Chesf.

ELOGIOS

Ontem, em visita a Salvador (a primeira oficial como pré-candidato), Serra elogiou o governo Lula. Questionado se o presidente fez coisas boas em sua administração, o tucano respondeu:
“Sem dúvida, sem dúvida. Por exemplo, na época do enfrentamento da crise econômica. O governo foi bastante ágil”, afirmou Serra, que citou ainda a “consolidação de várias transferências de renda, de auxílios”. “No Bolsa Família foi um avanço. Aliás, eu quero dizer que o Bolsa Família, na minha perspectiva, deve ser reforçado.” Serra negou que estivesse fazendo uma viagem “política” a Salvador. Mesmo assim, teve agenda de candidato.

Discurso bravo mas pouca radicalização:: Maria Inês Nassif




DEU NO VALOR ECONÔMICO

As pesquisas de opinião que foram divulgadas desde o início do ano revelam uma sociedade muito menos radicalizada do que fazem crer os sangrentos debates em torno dos dois candidatos que polarizarão a campanha eleitoral para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2006, o PSDB foi bloqueado nas classes de renda e escolaridade baixas e o PT praticamente expulso do eleitorado de renda e escolaridade altas; e o PT praticamente monopolizou os votos nas regiões mais pobres, enquanto o PSDB manteve índices mais altos de votação em regiões mais ricas. Nessas eleições, pelo menos até agora, não parece existir um enorme bloqueio de acesso de candidatos a determinadas faixas de renda e escolaridade, ou mesmo a regiões.

Tomadas as pesquisas de intenção de voto de 2006 e de 2010 mais próximas da data de desincompatibilização para disputar as eleições (seis meses antes) do Instituto Vox Populi - a divulgada em março e a de junho de 2006 -, o quadro de radicalização das eleições passadas se revela, de forma explícita, na divisão regional. O Estado mais pobre, o Nordeste, em junho de 2006 acenava com 62% das intenções de voto a Lula; no Sudeste, o índice caía para 39%; no Sul do país, para 38% e no Centro-Oeste/Norte, ficava em 37%. Na média nacional, Lula tinha, nessa ocasião, 45% das intenções de voto. Na pesquisa do mês de março deste ano, o mesmo instituto não registra uma disparidade regional tão grande.

De todas as regiões, o Nordeste e o Sudeste parecem ser as regiões que mais radicalizam. No Nordeste, a candidata do PT, Dilma Rousseff, tem 40% das intenções de voto, contra 26% de José Serra (PSDB). Os votos declarados a ela em todo país representam 31% (9 pontos a menos que os dos nordestinos); a Serra, são 31% (8 acima dos votos a ele declarados no Nordeste). Naquela região, a taxa de rejeição de Dilma é de apenas 9% (contra 15% da média nacional); a de Serra sobe para 20% (contra 18% da média nacional).

No Sudeste, ocorre o inverso: José Serra tem 43% das preferências (5 pontos a mais que a média nacional), contra 27 de Dilma (6 a menos que a nacional). Mas, nessa região em que Lula amargou dificuldades em 2006, Dilma e Serra empatam nos índices de rejeição (19% cada, 1% acima da média nacional de Serra e 4% acima da média de Dilma).

Na Região Sul, onde o PT teve problemas de acesso em 2006, os dois candidatos mantém índices aproximados à média nacional de intenção de voto (Serra tem 38% e Dilma 34%). Nessa região, existem elementos nas pesquisas que podem indicar maior facilidade para a petista do que seu partido teve há quatro ano. Lá, a rejeição de Dilma está próxima da média nacional - 16%, 1 ponto acima. Serra tem 13%, 5 pontos abaixo de sua média nacional. Em compensação, Dilma é fortemente identificada como candidata de Lula, cuja avaliação positiva atinge 73% naquela região (contra 77% da avaliação nacional mas, de qualquer forma, muito alta). No Rio Grande do Sul, onde o Vox Populi fez uma pesquisa em janeiro, Serra tem uma grande vantagem: 38%, contra 24% de Dilma. Mas Lula, que perdeu no Estado nas eleições passadas, exibe um inédito poder de transferência: 15% dos entrevistados declararam que votariam, com certeza, num candidato indicado por Lula, e 33% que poderiam votar. Nesse mesmo Estado, Serra, de um partido que tem captado mais votos conservadores (eleitores mais velhos e de renda e escolaridade mais alta), exige uma singular posição entre jovens de 25 a 29 (46%) e mantém favoritismo entre os com mais de 50 anos (44%), mas consegue acesso a eleitores de até um salário mínimo (42%). Nessa última faixa de renda, Dilma obtém a preferência de apenas 16% dos entrevistados.

No índice nacional, existem também dados que podem indicar que o comportamento do eleitor nessas eleições não será exatamente o observado 2006. Serra, que tem 34% das intenções de voto, exibe 30% das preferências dos entrevistados que declaram ganhar até um salário mínimo e 36% entre os jovens de 16 a 24 anos. Dilma, que registrou 31% das preferências dos entrevistados em todo o país, teve 35% das declarações de voto dos eleitores com nível superior.

Os dados do Instituto Sensus parecem corroborar a tese de que as intenções de voto nos dois candidatos estão distribuídos de forma muito mais uniforme nessas eleições do que nas passadas. Pesquisa CNT-Sensus de 3 de abril de 2006 apontava a preferência de 37,5% dos entrevistados em Lula, contra 20,6 para o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. No Nordeste, Lula tinha 55,1% das preferências, 17,6 pontos acima da sua média nacional; Alckmin, apenas 8,7% das declarações de voto na região, 11,9 pontos a menos que sua média nacional. Alckmin tinha, no país, 34,6% das preferências dos entrevistados com curso superior ou mais, 14 pontos a mais que sua média nacional; nessa faixa, apenas 23,4% declararam que iriam votar em Lula, 11,1 pontos a menos que o índice total de intenções de voto no petista.

Na pesquisa do Instituto Sensus semana passada - coletada entre 5 a 9 de abril de 2010 -, Dilma aparece como a preferida de 43,6% dos nordestinos (um índice 11,2 acima de seu nacional) e Serra, com 25% das intenções de voto (menos 7,7 pontos que o nacional). Na faixa de escolaridade superior, Serra exibe 6,3 pontos acima de sua preferência nacional e Dilma, apenas 5,2% a menos que sua média.

Esses dados iniciais da campanha podem indicar que não será bom negócio, para os dois candidatos, uma grande radicalização ideológica. Para Serra, seria interromper um acesso junto ao eleitorado mais pobre e menos escolarizado - e, nesse momento, opera inicialmente com a vantagem de ser o mais conhecido para essa faixa da população. Para Dilma, radicalizar à esquerda poderia interromper uma aceitação maior junto aos mais ricos e aos mais escolarizados, que rejeitaram in limine o presidente Lula nas eleições passadas.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Dia de cantoria e elogios a Lula

DEU EM O GLOBO

Em visita à Bahia, Serra, bem-humorado, aponta avanços do governo petista

Fábio Fabrini


SALVADOR. No primeiro ato público após o lançamento de sua candidatura à Presidência, o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) incorporou o discurso "paz e amor", evitando o confronto com o governo Lula - e chegando até a elogiá-lo. Em visita à capital baiana, onde a popularidade de Lula é alta e candidata petista, Dilma Rousseff, está à sua frente nas pesquisas, o tucano apontou boas políticas da administração petista: as medidas para enfrentar as turbulências da economia no ano passado e o Bolsa Família, que prometeu consolidar.

Perguntado, em tumultuada entrevista, se houve coisas boas no atual governo, Serra respondeu:

- Sem dúvida, sem dúvida. Por exemplo, na época do enfrentamento da crise econômica, o governo foi bastante ágil; na consolidação de transferências de renda, de auxílios. No Bolsa Família, foi um avanço. Aliás, eu quero dizer: na minha perspectiva, ele deve ser reforçado - afirmou o tucano, prometendo agregar ao programa oportunidades de emprego e outros cuidados, inclusive na área da saúde.

Numa clara demonstração de que evitará comparações do atual governo com o de Fernando Henrique Cardoso, o pré-candidato tucano disse que o debate eleitoral versará sobre a continuidade de boas ações e voltou citar a era Lula:

- É um governo que trabalhou, que produziu vários avanços. Agora, nós temos de olhar para o futuro. O tema desta eleição não vai ser o presente nem o passado. Vai ser o futuro: quem é que pode continuar tocando bem o Brasil para a frente - disse Serra.

Perguntado sobre declarações de Lula, que disse ter deixado o "prato feito" para os sucessores, Serra repetiu apenas o bordão de sua campanha - "O Brasil pode mais" - e citou três áreas em que há necessidade de avanços: emprego para os jovens, saúde e segurança.

Em Salvador, ele visitou obras sociais de Irmã Dulce, acompanhado do pré-candidato do DEM ao governo baiano, o ex-governador Paulo Souto. A cúpula tucana resolveu antecipar a sua viagem ao estado para aproveitar a divisão da base aliada do presidente Lula no estado. Depois de dar como certa a presença do ex-governador César Borges (PR) em sua chapa, como pré-candidato ao Senado, o governador Jaques Wagner (PT) o perdeu para o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), que também disputará o Palácio de Ondina.

Na chegada ao complexo hospitalar fundado pela religiosa, Serra beijou crianças, conversou com médicos e, bem-humorado, entoou versos de Ataulfo Alves numa roda de samba de pacientes.

- Atire a primeira pedra, iaiá, aquele que não sofreu por amor - cantou, microfone em punho, gingando o tronco e com largo sorriso: - De Ataulfo, eu conheço todas - gabou-se, antes de arriscar trechos de "Help", dos Beatles.

Serra seguiu depois para uma rápida visita ao Mercado Modelo, tradicional ponto de visitação turística. À noite, concedeu entrevista à Rádio Metrópole e, em seguida, visitaria uma emissora de TV.

Pelas ruas da capital baiana, enfrentou alagamentos, provocados pelas fortes chuvas, e chegou a passar próximo a uma loja que desabou à tarde, ferindo gravemente uma pessoa. Uma das poucas críticas foi justamente sobre a capacidade de resposta do governo federal a temporais:

- A chuva aqui em Salvador foi espantosa. O governo federal precisa criar uma Defesa Civil especial, no país inteiro, com tropas preparadas.

À rádio, Serra se disse confiante no apoio do ex-governador mineiro Aécio Neves, que disputou com ele a vaga de pré-candidato à Presidência.

- Houve muita antecipação de campanha, mas tem certas coisas que não se antecipam. A minha ida a Minas não tem nada a ver com isso. Vice é (definido em) maio ou junho. Aliás, ninguém ainda tem vice - comentou, referindo-se a Dilma Rousseff, que ainda não oficializou a entrada do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), em sua chapa.

Lula critica slogan, e Serra evita polêmica



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente diz que tucanos "não achavam que o Brasil podia mais" quando governavam; ex-governador elogia gestão de petista

Na Bahia, presidenciável reafirma bordão, mas evita bater boca com Lula; para Serra, todos os governos têm "crédito" por avanços

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou diretamente o slogan da campanha do pré-candidato José Serra (PSDB) à Presidência, "O Brasil pode mais". Lula disse que o país não podia mais quando era governado pelo PSDB. "O problema é que, quando eles [os tucanos] governaram, eles não achavam que o Brasil podia mais", disse, após visitar uma feira do setor de aço em São Paulo, à noite.Questionado se concordava com o mote, Lula respondeu: "O Brasil sempre pode mais. O Brasil pode tudo, é só a gente acreditar na gente".

Mais cedo, em Brasília, Lula havia ironizado o lema ao falar a uma plateia de micro e pequenos empresários: "Eu acho que vocês podem fazer mais do que estão fazendo, porque muitas vezes a gente também se deixa acostumar pela mesmice".

No sábado, Lula havia criticado o slogan por, supostamente, ser uma cópia da campanha de 2008 do presidente norte-americano Barack Obama ("Yes, we can", que significa "Sim, nós podemos").

No evento em São Paulo ontem, Lula criticou a oposição, sem, no entanto, mencionar Serra diretamente: "Quando tudo está pronto fica fácil, a gente não quer discutir".

Serra, que ontem abriu a pré-campanha no Nordeste pela Bahia, evitou polemizar com Lula.

Ele disse que o Brasil pode mais, sim, nas áreas de saúde, segurança pública e criação de empregos para jovens.

O PSDB não pretende cair na estratégia do PT, de contrapor Serra a Lula, evitando a polarização diretamente com Dilma.

"O Brasil pode mais e isso é indiscutível", disse Serra, durante visita às obras sociais de Irmã Dulce (religiosa que morreu em 1992), em Salvador.

Serra posou para fotos, dançou, assistiu a um coro e fez um dueto com um dos pacientes.

Sobre a boa avaliação do governo Lula, Serra reconheceu avanços na atual administração, mas disse: "Esta eleição não é do passado, é do futuro, de quem é que pode continuar tocando o Brasil para a frente".

À noite, Serra voltou a comentar a fala de Lula, em tom conciliador: "O presidente quis dizer que o Brasil avançou nos últimos anos, criando uma base para que possamos avançar muito mais. Eu concordo. E concordo também que devemos dar o crédito a quem merece. No meu discurso fiz questão de frisar todos os avanços dos governos da Nova República".

Ao final da visita a Salvador, Serra concedeu uma entrevista de quase uma hora à rádio Metrópole. Ele afirmou ainda que as eleições só vão "esquentar" após a Copa. "Você acha que alguém vai prestar atenção na corrida eleitoral com a Copa? Eu mesmo vou ficar atento à Copa do Mundo. A partir do fim dela é que tem a aceleração."

Ele também defendeu a extradição para a Itália de Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por assassinato durante militância na esquerda armada. O Supremo Tribunal Federal julgou a questão e deu ganho de causa para o governo italiano, mas delegou a decisão final a Lula.

Plano B de Gabeira contra desistência depende do TSE

DEU EM O GLOBO

Palanque de Serra no Rio ficaria prejudicado sem aliança

Isabel Braga e Cássio Bruno


RIO e BRASÍLIA. A tentativa do PV de contornar os problemas da coligação em torno da candidatura do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ao governo do Rio, com o lançamento de mais de dois candidatos ao Senado na mesma chapa, deverá render novo debate no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O entendimento de especialistas é que essa dúvida tornou-se procedente a partir do fim da regra da verticalização nas alianças partidárias.

O TSE terá de dizer se a emenda que acabou com a verticalização liberou totalmente a possibilidade de coligações eleitorais ou se ainda vale a regra prevista no artigo 6º da lei eleitoral ( Lei 9.504/ 97). Este artigo faculta aos partidos, dentro da mesma circunscrição ( no caso do Rio, o estado), celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, "ou para ambas". E estabelece que, no caso das proporcionais, é permitido fazer subcoligações, desde que formadas por partidos que integram a coligação na eleição majoritária.

Ou seja, se quatro partidos se unem para tentar eleger um governador, eles podem, no caso de eleição de deputados, fazer coligações menores. No entendimento de especialistas, isso não se estenderia à eleição de senadores, mas caberá ao TSE esclarecer.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), relator da minirreforma eleitoral do ano passado, diz acreditar que o TSE manterá o entendimento de que não é possível subcoligações no caso de eleições majoritárias nos estados.

- Entendo que cada partido pode se coligar para o governo e apresentar, sozinho, seu candidato ao Senado. Mas não pode haver, para o Senado, subcoligações entre os partidos que formam a chapa para o governo.

Para o advogado eleitoral do PSDB, Afonso Ribeiro, a lei é mais restritiva e só permite que uma coligação para o governo lance dois candidatos ao Senado. O PV entrou com consulta indagando justamente se cada partido pode lançar individualmente seu candidato ao Senado. E também perguntou se é possível sub coligações. O PV quer lançar Aspásia Camargo ao Senado, e os nomes de Marcelo Cerqueira (PPS) e Cesar Maia (DEM) seriam lançados pelos demais partidos. A consulta ainda não foi respondida.

Verde diz estar preocupado com palanque da oposição

Gabeira disse ontem que sua maior preocupação é a de garantir um candidato da oposição que seja competitivo.

- Essa proposta (de lançar quatro candidatos ao Senado) foi feita para acomodar as divergências. Estamos também pensando em outras opções, mas não posso adiantar ainda - disse Gabeira. - Existe uma dominação do PMDB no estado, que pode ser ameaçada por uma candidatura de oposição. Podemos nos unir porque o mais importante é ter um candidato de oposição competitivo.

A crise na coligação PV/PSDB/DEM/PPS no Rio, provocada pela resistência de parte dos verdes e dos tucanos a Cesar Maia, pode atingir as pretensões do pré-candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, de ter um palanque no estado.

Gabeira está sendo pressionado por aliados, que temem desgaste se o deputado fizer dobradinha com Cesar Maia, que vai disputar uma vaga no Senado pelo DEM. Gabeira e Serra devem se encontrar ainda esta semana para tentar solucionar o impasse.

Ontem, o presidente regional do PV no Rio, Alfredo Sirkis, admitiu que a situação na coligação está tensa:

- A hipótese (da desistência de Gabeira) tem que ser considerada. Ele (Gabeira) está preocupado e impaciente. Mas temos até junho, na convenção, para resolver. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, disse que o partido seguirá as orientações de Serra, independentemente de Gabeira ser ou não candidato ao governo do Rio:

- Faremos o que Serra mandar para beneficiá-lo no palanque do Rio.

Há quase duas semanas, Rodrigo Maia centrou ataques em Gabeira, dizendo que "ele recebe meia dúzia de mensagens contra Cesar Maia e entra em TPM".

Ontem, por e-mail, Cesar Maia foi mais cauteloso:

- Acho que o Rio deixaria de contar com um vetor alternativo, o que prejudicaria muito a decisão do eleitor. Espero que isso (a desistência de Gabeira) não ocorra.

A herança maldita:: Luiz Aurélio Leite


A herança maldita a ser deixada por Lula ainda é difícil de ser avaliada. No contexto da cultura do brasileiro, sem nenhuma dúvida, ela será gigantesca em função da valorização da malandragem, da esperteza, do vale-tudo político, da tentativa de consolidação da impunidade, da desvalorização do esforço e da educação como instrumentos de conquista da cidadania etc.

Do ponto de vista econômico ... só a atuação do BNDES já dá medo. Ontem mais uma face desta realidade foi revelada pelo governo Lula. Como inexistem parceiros no mundo dispostos à tarefa, o Brasil, ou o BNDES, vai financiar o Irã. Lula levará esta alternativa pelega de furar o bloqueio internacional ao companheiro Ahmadinejad, se é que vale alguma analogia com o sindicalismo pós-moderno brasileiro.

É o banco, mais uma vez, atuando sem nenhum freio ou desconforto em quatro pontas. A que transforma a Amazônia em pasto, a que beneficia grandes conglomerados já ilegitimamente beneficiados, nos últimos 7 anos, a que permite o escoamento da carne de boi para o Irã e a que apóia a absurda e irresponsável política externa dos irresponsáveis Lula, Amorim e Garcia.

Além da questão econômica, da replicação da maldição de exportarmos produtos sem nenhum valor agregado, a comercialização de carne para o Irã ainda atende a alguns requisitos no mínimo esquisitos. Alguns até mesmo duvidosos em relação à legislação brasileira.

Os frigoríficos envolvidos na estória precisam dispor de fiscais e veterinários mulçumanos, o que é bastante razoável já que só a eles é dado o supremo privilégio de compreender a diferença do boi estar ou não com o peito apontado para Meca na hora em que é sacrificado, já que, neste caso, não cabe a expressão abatido. Algumas mudanças também precisam ser processadas de modo a incorporar tecnologias de ponta na hora em que se dá a matança: o animal deve ser sangrado nas traquéias e nas jugulares até a morte.

A explicação é tão óbvia que nem caberia aqui expô-la: elimina-se toxinas existentes no sangue e outras impurezas não especificadas. O resultado, segundo o diretor executivo da Federação das Associações Mulçumanas do Brasil, Mohamed Hussein El Zoghbi, responsável pela fiscalização dos frigoríficos que exportam carne para as nações mulçumanas, "é uma carne muito mais tenra, saborosa e de qualidade superior". Para quem enforca seres humanos apenas por padecerem de descontentamento político, isto soa até normal.

Também devem achar normal o BNDES ser usado nessa mixórdia. Em relação a essas “operações lucrativas”, espera-se que as taxas de juros aplicadas não engordem o conjunto dos dados sigilosos administrados pelo banco. Todos devidamente apartados da possibilidade de atender à “desnecessária” curiosidade alheia.

De nada vale, mas declaro aqui que não gostaria de ver o imposto que pago ser transformado em moeda de troca entre governos que funcionam a partir de concepções equivocadas.

Luiz Aurélio Leite é ambientalista e consultor empresarial

Basta a observação:: Alon Feuerwerker




DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Os sujeitos que entre 1964 e 1985 alcançaram o adjetivo de históricos, e que ainda estão por aqui, dividem-se basicamente em duas categorias: os pacificados com a própria biografia e os demais

Conduzir o debate a partir de juízos sobre os adversários é o caminho mais seguro para o desastre na política. Um bumerangue infalível, pois permite ao oponente vitimizar-se. De vez em quando desavisados enveredam pela trilha, pois ela leva jeito de ser bonita e fácil. Só impressão.

Dia desses vi um documentário sobre Nelson Mandela, onde a explicação para o longuíssimo período dele atrás das grades era a luta contra o apartheid. Uma falsificação histórica, comum nos processos de glorificação e criação de mitos.

Teve um monte de gente que lutou contra o apartheid e não foi presa. Mandela ficou um tempão encarcerado porque adotou o caminho da luta armada contra a segregação dos negros.

E daí? E daí nada. Uma vez no poder, Mandela seguiu pela trilha difícil e frutífera da conciliação. Está em Invictus, o filme bacana de Clint Eastwood. Um pouco glamourizado, mas paciência. O cinema seria muito chato se fosse só reprodução da vida real.

Concluiremos, então, que o epílogo da carreira de Mandela representou a negação do que propunha no começo da caminhada? Ou, ao contrário, a ratificação da tática adotada nos anos 1960? De novo, nenhuma das anteriores. Aqui, o método do juízo a posteriori conduziria a um desastre historiográfico.

Gandhi preferiu a não violência e alcançou a independência da Índia, mesmo amputada do que viria a ser o Paquistão. Pode-se então afirmar que Gandhi é superior moral ou politicamente a Mandela? Quem seria irresponsável de dizer isso?

A história não funciona assim. Na abordagem dela, mais útil é analisar os fatos e sua influência sobre os outros fatos. E como são influenciados por estes. Uma polêmica, por exemplo, é quanto a luta armada no Brasil na segunda metade dos anos 1960 foi causa ou consequência do endurecimento do regime militar. Um trabalho duro para os historiadores. Nunca chegarão ao consenso.

Vejam que eu disse quanto, e não se. Faz toda a diferença. O quanto permite uma avaliação histórica, escapando do juízo quase moral a que somos empurrados se optamos pelo se.

Suponha que a Palestina e Israel cheguem a um acordo de paz com o mútuo reconhecimento e o compromisso bilateral de plena segurança, além da anistia de quem praticou atos de violência. Razoável. Por acaso esse desfecho seria um diploma de honra ao mérito para quem explodiu crianças em ônibus ou atirou deliberadamente em civis? Claro que não.

A função de juiz moral ou político da história embute uma taxa letal de pretensão. Como julgar o preso político que sob tortura passa aos algozes informações que depois serão usadas para prender e eventualmente seviciar outras pessoas? Impossível, além de aí sim imoral. E repugnante, quando o carrasco se autonomeia para sentenciar sobre o comportamento da vítima.
Na ditadura brasileira houve quem lutou armado e quem preferiu fazê-lo só com as armas da mobilização e da palavra. Houve quem conseguiu ficar no Brasil e quem precisou sair. Houve quem se arrependeu e trocou de lado. Houve quem mudou de ideia sobre o melhor caminho para alcançar o objetivo, e ajustou-se no meio do caminho. E houve quem não viveu para refletir sobre a própria experiência.

São todas classificações que pegam gente de ambos os lados. E os critérios se referem a fatos já encerrados. Uma contabilidade factual fechada.

Vindo para o presente, os sujeitos que entre 1964 e 1985 alcançaram o adjetivo de históricos, e que ainda estão por aqui, dividem-se basicamente em duas categorias: os pacificados com a própria biografia e os demais.

Não é tão difícil identificar os integrantes de cada clube. Não é necessário método muito sofisticado. Basta a simples observação.

Bom sinal

Vai chegando ao fim o biênio do ministro Gilmar Mendes na Presidência do Supremo Tribunal Federal. Houve nesse período decisões do STF para todos os gostos, e para todos os desgostos.

Quem se der ao trabalho de listar, não conseguirá encontrar um fio condutor ideológico, ou político, nas sentenças da Corte.

O que é bom. Mostra que o Supremo está cumprindo sua função, julgando caso a caso de acordo com a consciência dos juízes.

Empresário aprova Lula, mas vota Serra

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cristiane Agostine e Ana Paula Grabois, de São Paulo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi bom para o setor empresarial e será lembrado como um período de forte crescimento do setor produtivo, segundo empresários e dirigentes de grandes grupos industriais. Em enquete realizada pelo Valor na terça-feira, na entrega do prêmio "Executivo de Valor 2010", todos os que responderam à sondagem informaram que suas empresas cresceram de forma significativa nos últimos oito anos. Dos 142 empresários que participaram da pesquisa, nenhum disse que nesse período sua companhia estagnou ou encolheu. No entanto, a maioria pretende votar na oposição na eleição presidencial de outubro. José Serra (PSDB), ex-governador de São Paulo, recebeu 78% dos votos. A candidata do presidente Lula, ex-ministra Dilma Rousseff, teve 9% das intenções de voto. A pré-candidata do PV, senadora Marina Silva, conquistou 5,6% dos votos e o deputado Ciro Gomes, do PSB, teve apenas um voto, 0,7% do total.

O governo Lula é bem avaliado, segundo a sondagem: 52,8% consideram a gestão ótima ou boa e três em cada quatro empresários disseram que suas companhias ganharam muito no governo Lula. Apenas 6,3% classificam a administração como ruim ou péssima. A visão positiva em relação ao governo, entretanto, ainda não foi convertida em intenção de voto para a petista. Entre os que informaram que suas empresas cresceram muito, Dilma recebeu 9,3% dos votos e Serra, 79,4%.

Os empresários responderam três perguntas, sem se identificar e depositaram o voto em uma urna.

Durante a premiação, empresários ouvidos pelo Valor evitaram revelar a preferência por um candidato, mas apontaram a prioridade do próximo governo: o controle dos gastos públicos. A redução de gastos correntes, analisaram, ajudaria o país a ter mais recursos para investir em obras de infraestrutura. Na análise do presidente executivo da Vale, Roger Agnelli, o sucessor de Lula deverá atuar no controle de gastos. "Isso pode mexer na economia como um todo", disse. Walter Schalka, presidente da Votorantim Cimentos, reforçou: "Não podemos ficar sustentando a máquina pública. Precisamos de um choque de gestão".

A questão é mais relevante do que uma eventual mudança no câmbio, avaliou Harry Schmelzer Junior, presidente da WEG. "É preciso ter controle de gastos. Mesmo quando a economia está favorável o governo continua aumentando o custeio. É o problema do governo e Dilma vai ter que mostrar como vai reverter isso."

Para empresários, ainda não está claro qual candidato está mais identificado com a questão cambial ou com o controle de gastos. Na avaliação de Mario Longhi, CEO da Gerdau Ameristeel, "é muito cedo para saber qual vai ser o posicionamento dos candidatos". "É preciso saber o que cada um vai defender", afirmou. Pedro Janot, presidente da Azul Linhas Aéreas, contudo, já definiu o voto e considera que Serra tem perfil adequado para reduzir gastos correntes. "O controle maior do gasto público e a reforma tributária terão que sair. É o que vai desonerar a produção e fazer o Brasil crescer. Serra está mais preparado, tem mais arcabouço para fazer essa mudança", disse Janot.

A maioria dos empresários disse não ter perspectiva de grandes mudanças no rumo da economia. Seja quem for o sucessor de Lula, deverá manter os eixos básicos da política econômica conduzida pelo governo federal. "Pode girar dez graus para a direita, dez graus para a esquerda, mas não vai mudar muito mais do que isso. O que aconteceu em 2002 não se repetirá. A campanha terá a tranquilidade de 2006", afirmou Schalka. "A mudança econômica que qualquer um dos candidatos fará será marginal." Para o presidente da Suzano Papel e Celulose, Antonio Maciel Neto, a "agenda está dada: responsabilidade fiscal, investimento e câmbio flutuante." Agnelli, da Vale, ressaltou que "o rumo está traçado" e "não haverá mudanças". Empresários, no entanto, ressalvam que pouco foi dito até agora pelos pré-candidatos sobre o tema.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deve manter a prioridade à formação de grandes conglomerados nacionais, defenderam empresários como Walter Schalka. "O trabalho que (Luciano) Coutinho fez no BNDES foi fantástico. Gerou investimentos e competitividade. Precisamos incentivar esse tipo de ação para ter representatividade maior na economia internacional", analisou. A estratégia do BNDES, no entanto, não tem consenso. "O banco poderia se voltar para pequenas e médias empresas", comentou o diretor presidente da Natura, Alessandro Carlucci. "Tem que ter equilíbrio e é preciso contemplar todos os lados", disse Schmelzer Junior.

O governo Lula, na visão de empresários, acertou ao promover uma política de valorização do salário mínimo, "que ajudou a aumentar o consumo e estimular a economia", e na criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "A política do salário mínimo é boa e deve ser mantida. É melhor do que o Bolsa Família, que é bom, mas não é sustentável", comentou Carlucci. Poucos sugeriram mudanças profundas no PAC, principal programa do governo e bandeira de Dilma na campanha eleitoral, mas apontaram que é preciso ter mais "velocidade" e "investimentos" no programa.

Stédile diz que MST vai trabalhar contra Serra

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA - Principal dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista João Pedro Stédile anunciou quarta-feira que os sem-terra vão trabalhar contra a candidatura do ex-governador de São Paulo José Serra à na Presidência da República. Segundo ele, apesar da complexidade das forças políticas que apoiam o governo do presidente Lula e que devem migrar para sua candidata, a ex-ministra Dilma Rousseff está ao lado de grupos mais próximos do novo modelo de reforma agrária pregada pelo MST.

Serra representa a retomada do modelo neoliberal e das privatizações. É uma aliança da burguesia com as empresas transnacionais disse Stédile. Ele fez questão de lembrar que, quando foi ministro do Planejamento, o ex-governador paulista chegou a afirmar que era mais barato dar um táxi para cada trabalhador rural do que terra. Stédile disse que o novo modelo de reforma agrária tem que incluir a distribuição de terras, a disseminação de agroindústrias e educação no campo.

O dirigente também afirmou que, além das mais de duas dezenas de invasões ocorridas este mês em todo o país, nas ações conhecidas como Abril Vermelho, o MST vai intensificar o processo de organização dos trabalhadores rurais para pressionar o sucessor de Lula a incluir a reforma agrária como alternativa de desenvolvimento, como o agronegócio. Os sem-terra querem participar das eleições para mudar a correlação de forças no governo e no Congresso.

Apesar de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, ter pedido, quarta-feira, prudência aos movimentos sociais, o MST elegeu como alvo as grandes propriedades rurais para invadir.

Nós queremos as grandonas, acima de 5 mil hectares anunciou Stédile.

Entre os alvos, ele citou dois grandes empreendimentos rurais: 56 fazendas do grupo controlado pelo banqueiro Daniel Dantas, no Sul do Pará, com cerca de 350 mil hectares, e 12 fazendas do Grupo Cutrale, uma delas invadida no ano passado em Borebi (SP), onde os sem-terra destruíram para do laranjal. Stédile afirmou que são terras públicas. Segundo ele, nas áreas em mãos de estrangeiros, devedores dos bancos oficiais e griladas daria para assentar 1 milhão de famílias.

A reinvenção da pólvora:: Celso Ming




DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Amanhã será realizada em Brasília a segunda reunião de cúpula dos Brics. Não se trata aqui de montar um arsenal de decisões econômicas e políticas com consequência para o resto das nossas vidas. Trata-se apenas da retomada de um processo de entendimento que pode, sim, um dia, ter algum significado estratégico que, no momento, ninguém prevê.

Esta é a primeira vez que uma sigla montada sem nenhum conteúdo especial ganha importância pelo sentido que no futuro poderá ter. Bric é um acrônimo. É uma palavra formada com as iniciais de quatro países afastados entre si: Brasil, Rússia, Índia e China.

Foi criado em 2001 por Jim O"Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, para designar os quatro países emergentes com mais probabilidade de se transformar em potência econômica.

Bric não estabelece nem mesmo uma ordem entre as letras. Podia ser Cirb, Crib ou Birc. Ficou sendo Bric aparentemente porque lembra tijolo em inglês (brick).

Quando o Financial Times criou o termo Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), pelo menos referia-se a certa unidade geográfica (os quatro são da União Europeia) e a uma característica comum: potenciais maus pagadores. Nem mesmo isso pode ser encontrado nos Brics.

Os quatro detêm uma população de 2,9 bilhões de habitantes (43% do mundo), um PIB conjunto de US$ 8,7 trilhões (17% do mundo), exportações de US$ 1,8 trilhão (12%) e reservas externas de US$ 3,4 trilhões (38% do total). No entanto, não apresentam nenhuma unidade, nem política nem geográfica nem econômica.

Não mantêm entre si alianças estratégicas, nem permanentes nem episódicas. Ao contrário, entre eles há notáveis divergências. China e Índia, por exemplo, procuram empurrar produtos fabricados em seus países a preços que muitas vezes são considerados dumping (vendidos abaixo do custo) no Brasil. Apesar dos esforços do ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, de que se construa a sua bombinha, o Brasil é o único que não faz parte do seleto clube nuclear e isso, por si só, o deixa estranho no ninho.

Mas o fato relevante é que Bric foi uma designação que pegou. Todo o mundo a conhece e a toma como referência em qualquer fórum econômico quando se quer designar um conjunto de países que se notabiliza pela atual e, sobretudo, potencial energia econômica, especialmente quando a ele se compara o que hoje acontece nos países de alta renda.

Pó de carvão, enxofre e salitre são materiais que isoladamente não dizem muita coisa. Quando um chinês desconhecido os misturou, inventou a maravilha dos fogos de artifício. Séculos mais tarde, os portugueses viram aquilo a que deram o nome de pólvora e lhe deram outro uso.

Deve ser a expectativa de que um dia aconteça alguma coisa parecida com os Brics que chama atenção para essa reunião. O simples fato de que seus líderes estão agora se falando sugere que o novo agrupamento pode ganhar consistência e, quem sabe, tornar-se um bloco coeso.

Se isso acontecer, será a primeira vez que um exercício despretensioso de um economista ganhará significado.

Escorregando

As cotações do dólar voltaram ao patamar do início de janeiro. De lá para cá, as reservas externas cresceram 2,6%. O Banco Central comprou cerca de US$ 6 bilhões em moeda estrangeira nesse período. Mesmo assim, as cotações do dólar continuam escorregando no câmbio. Em abril (até ontem), a baixa acumulada é de 1,9% e em 12 meses, de 20,4%.

Mostrando o muque

"A força dos quatro" é o título do artigo sobre os Brics que saiu ontem no Times of India. Assina o presidente russo Dmitri Medvedev.

Monte de riscos:: Míriam Leitão




DEU EM O GLOBO

Uma liminar pode ser cassada, mas as dúvidas permanecerão. O espantoso no leilão da hidrelétrica de Belo Monte é que as dúvidas e incertezas estão em todos os pontos. Os fundos de pensão, que estão sendo empurrados para participar, acham que o retorno não garante nem suas obrigações atuariais. As empresas estão pressionando por mudanças na engenharia financeira.

Pode-se recorrer da liminar da Justiça do Pará que suspendeu o leilão de terça-feira, mas não dá para tapar com a peneira os enormes riscos de todos os tipos que essa obra representa.

As empreiteiras que desistiram de participar podem voltar. As negociações estão intensas. Querem condições de financiamentos ainda melhores, isenção de impostos, tudo que aumente o retorno do empreendimento. Na pior das hipóteses, aceitam participar depois como construtoras. Mas até os fundos de pensão estão dizendo que o retorno, com a energia a R$83 o megawatt, não lhes atende. Se participarem, vai ser uma decisão política, uma imposição governamental.

Quem vê a questão apenas do ponto de vista ambiental acha que os riscos são grandes demais, até porque, como disse aqui, pareceres do Ibama não garantiram viabilidade ambiental do empreendimento, e mesmo assim foi dada a licença prévia.

Quem vê apenas do ponto de vista econômico-financeiro considera que as concessões ambientais tornaram o empreendimento arriscado demais. É que para não fazer um grande lago, como sempre se fez nas hidrelétricas tradicionais, a usina vai operar a fio d"água, com tecnologia de turbinas bulbo. Haverá alagamento, mas de uma área menor. Mesmo assim é uma área considerável: 516 km serão alagados. Seria um lago três vezes maior. Essa "concessão" de redução da área alagada fará com em três meses por ano a usina possa estar produzindo apenas 1 mil MW, dos seus 11 mil MW potencial. A energia firme não deve passar de 4 mil MW, segundo todos os técnicos que ouvi. Da perspectiva do empreendedor, mais seguro seria fazer um grande lago, usar as turbinas tradicionais e ter uma energia firme mais alta. Eles dizem que abrir mão dessa possibilidade foi uma grande concessão feita às preocupações ambientais.

Da perspectiva dos ambientalistas, mesmo essa opção da nova tecnologia não é suficiente para tornar o impacto aceitável, já que será reduzido fortemente o fluxo da água do leito tradicional do rio, para desviar esse fluxo para a usina, e isso causará um impacto de dimensões ainda não calculadas. O governo não respondeu às inúmeras dúvidas levantadas por ambientalistas, índios, ribeirinhos, ONGs, mas principalmente pelos técnicos do Ibama.

Há um ponto levantado como problema pelos dois lados, por razões diversas: a complexidade da obra. Terão que ser escavados canais de 30 quilômetros de extensão; o volume da escavação será de cerca de 230 milhões de m, maior do que o Canal do Panamá, mobilizando três mil equipamentos pesados. Terão que ser construídos 260 quilômetros de estradas de acesso aos vários pontos do canteiro.

Os empreendedores, ou potenciais participantes do leilão, veem essa complexidade como custo e incerteza econômico-financeira. Os ambientalistas veem como impacto ambiental intolerável. O problema dos empreendedores é fácil resolver: querem preço. Ou um preço maior para a energia que lhe dê, segundo ouvi ontem, um "colchão" de segurança para as surpresas de uma construção dessa complexidade, e para os riscos de paralisações, bloqueios e ações do Ministério Público; ou concessões fiscais e financeiras.

Os ambientalistas acham que a única coisa razoável a fazer é desistir da obra. O Ministério Público invoca o princípio da precaução e diz que com tamanha incerteza é preferível se interromper o processo agora, corrigir os vícios, responder às dúvidas, antes de se fazer o leilão.

O presidente Lula disse ontem que "eles já destruíram a floresta deles" e agora querem se intrometer na nossa. Tenta acender com esse lugar comum o sentimento nacionalista pelo fato de dois artistas de Hollywood terem falado contra o projeto. Ninguém vai tomar uma decisão dessa importância pela opinião de qualquer celebridade do showbiz. As dúvidas são brasileiras.

Há um temor que ouvi de técnicos e de procuradores: o de que mesmo essa concessão de se fazer uma usina a fio d"água seja revertida mais tarde. Que diante da constatação, mais tarde, de que o projeto não é lucrativo, eles tentem fazer novas usinas. O governo nega que haja esse risco. Mas empreendedores me disseram, com todas as letras, que, sim, se pensa que no futuro pode até ser feita uma usina tradicional de grande alagamento para que o projeto seja mais econômico.

Há uma enorme incerteza geológica que assusta tanto um lado quanto o outro. A escavação será feita num terreno que não foi suficientemente estudado. Como é uma área muito grande e o tempo era curto, o estudo foi feito por amostragem e tomou-se como boa a hipótese de que aquelas amostras representam toda a área. Vai se começar a escavar uma área que não se sabe até que ponto é rocha, até que ponto é terra.

Seja qual for o ponto de vista, a obra traz incertezas demais. O BNDES se prepara para amanhã afogar as dúvidas dos empreendedores, oferecendo um canal de dinheiro público que vai aumentar o subsídio ao financiamento. Assim, o governo poderá dizer que conseguiu fazer um leilão por um preço baixo da energia, e uma parte enorme do custo será escondido nas condições de financiamento que ficarão abaixo, muito abaixo, do custo que o próprio governo consegue para rolar a sua dívida. Faltam três dias úteis para o leilão e as incertezas são insanáveis.

Vou-me embora pra Pasárgada:: Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90