sexta-feira, 16 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

"Como levar daqui para frente a democracia - essa é uma reflexão fundamental. Fiz recentemente uma conferência sobre Joaquim Nabuco, na Academia Brasileira de Letras, e me ocorreu levantar questões sobre a República, a organização política, as instituições e o processo social. Nós sempre tendemos a dissociar liberalismo e democracia em qualquer discussão. Por razão histórica há uma reação muito grande ao liberalismo no Brasil, tanto que quando alguém quer me xingar, me chama de neoliberal (risos), o que é um absurdo. Porque tomam o liberalismo como laissez-faire, simplesmente liberdade de mercado. Ora, não é isso. Hoje ninguém aqui é contra o capitalismo e sim contra o liberalismo. Mas não se pode recusar o liberalismo político, até porque a democracia substantiva não foi criada para isso.

Não foi para dizer "democracia formal não vale, a representação não tem mais sentido". Não era uma volta a Rousseau. Há uma questão central: conseguiremos ou não certa convergência entre o pensamento democrático tradicional e as formas de participação direta no processo decisório?
O equilíbrio é difícil. Em sociedades de massa como a nossa, e Nabuco e Tocqueville já tinham percebido isso lá nos Estados Unidos, há o risco da demagogia. Nabuco temia que nos EUA, dada a forma republicana presidencialista, houvesse uma delegação total ao tutor, o presidente da república: "Parece que os americanos ficam felizes porque elegem o próprio tutor", disse, ironicamente. Hoje, em lugar de procurarmos combinar representação clássica com participação, corremos o risco de substituir tudo isso pela figura do tutor. É um perigo. Daniel Bell (professor de filosofia na Universidade Tsinghua, de Pequim) escreveu um artigo dizendo que os chineses têm uma ideia diferente dos ocidentais: com a generalização do voto e o desejo da massa de contar com uma figura simbólica, eles têm medo de não eleger os mais capazes e sim os de maior poder de comunicação. Por isso tendem a preservar os mecanismos meritocráticos do Partido Comunista.

No Ocidente, onde se conseguiu fazer parlamentarismo houve maior possibilidade de equilíbrio institucional. Onde há presidencialismo, há risco maior de cesarismo.

Vamos ter que pensar: na democracia, como compatibilizar o respeito às ideias de delegação com as de participação? Temos que voltar a discutir também o que é liberalismo político, não econômico. Ser contra o liberalismo político é estar a um passo de cair no lado autoritário.
"

(Fernando Henrique Cardoso, no debate caderno Aliás - Reflexões de um presidente acidental )

Plano geral:: Roberto Freire



DEU NO BRASIL ECONÔMICO

O Brasil ostenta em seu ordenamento institucional, na amplitude de nossa democracia e, em particular, nas conquistas de nossa cidadania, o caráter, o papel e o propósito da nossa vitória sobre o regime militar, onde se destaca a correção do caminho democrático como elemento central de aglutinação das forças que se opuseram à ditadura militar.

Atuamos firmemente junto a todas as forças que se opunham ao regime discricionário, para unir o país, isolar e derrotar a ditadura. Lá estávamos os comunistas do PCB com os socialistas, os democratas e liberais do velho e digno MDB, liderados por Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, numa frente que buscava junto a cidadania a unidade dos setores sociais e de todos os descontentes com o regime.

Sem cair no desespero que gera a violência. Evitando os caminhos estreitos da aventura e principalmente rejeitando a opção da luta armada. Foram anos de chumbo, de sofrimento, mas a resistência democrática abriu as alamedas por onde o povo conquistou a liberdade e a vitória.

Nestes 25 anos da Nova República, há muito o que comemorar como também há muito ainda o que fazer, nos mais importantes aspectos da vida brasileira. Nesse sentido, agora se abre uma nova etapa da vida nacional.

Apesar de muita falácia e tergiversação, o governo do PT divorciou-se radicalmente das esperanças que acendeu com a sua vitória em 2002. O discurso ético que ostentava revelou-se vazio e práticas antirrepublicanas macularam a esquerda brasileira.

O espetáculo do crescimento mostrou-se uma pantomima. As taxas de crescimento de nosso PIB, por todos esses anos, só é superior, na América Latina a pouquíssimos países, dentre esses, às do Haiti.

As inegáveis conquistas alcançadas pelo Brasil, fruto do trabalho de gerações são incapazes de encobrir o grande abismo social. Continuamos desiguais, a saúde permanece em crise, educação sem qualidade e com um gestor trapalhão, a violência, o desemprego, o aumento assustador do consumo de drogas, a piora acentuada das condições de vida em nossas metrópoles e os inquietantes fenômenos de degradação moral e ambiental inquietam a cidadania.

Estes dramas enfrentados pela sociedade brasileira têm criado as condições para o esgarçamento do tecido social. E tudo isso se torna ainda mais preocupante quando o governo opera para desmoralizar a política, os poderes Legislativo e Judiciário.

O cúmulo do desrespeito à Justiça foi o deboche do presidente à multa aplicada pelo TSE pelo reiterado uso que faz da máquina pública em campanha eleitoral da Dilma.

A pregação de um "Estado forte", da forma como vem se articulando no país com grandes conglomerados econômicos privados, e na visão totalizante de controle sobre as liberdades das instituições da sociedade civil, inclusive da imprensa, longe está das concepções de esquerda e mais se assemelha a idolatria estatista do fascismo.

O Estado deve ser forte pela solidez e prestígio de suas instituições, pela eficiência das suas políticas, pela ética e austeridade de seus governantes, nos quadros do mais absoluto respeito à democracia, às leis, dentro de uma prática de res publica.

Roberto Freire é presidente do PPS

Mais que imperfeito:: Dora Kramer




DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A manobra protelatória em curso na Câmara dos Deputados, para não votar a emenda que proíbe candidatos condenados por crimes graves de disputar eleições e ao mesmo tempo fugir do desgaste junto à opinião pública, é tão escancarada que seria ingênua não fosse a quintessência da embromação.

O projeto de emenda constitucional é de iniciativa popular. Ao todo, entre assinaturas no papel e via internet, conta com o aval de 3,3 milhões de cidadãos. Chegou ao Congresso em setembro de 2009, mas é assunto discutido com mais insistência e destaque desde as eleições municipais de 2008, quando as listagens de candidatos condenados publicadas por diversas entidades não surtiram o menor efeito.

Uma quantidade considerável deles foi eleita e/ou reeleita. Se isso se deve ao desinteresse do eleitor ou ao sistema proporcional de votação, em que se escolhe um e se elege outro, não se sabe.

Muito bem. Fato é que o Parlamento brasileiro teve tempo de sobra para discutir e esmiuçar o assunto e não fez. Só em abril, o presidente da Câmara, Michel Temer, anunciou a inclusão do tema na pauta de votação alertando, porém, que havia "resistências".

Discussões para lá e para cá, a proposta inicial terminou "flexibilizada". O que era simples ficou intrincado. Antes, ficavam proibidos de se candidatar os condenados em primeira instância, ou com denúncia recebida por órgão colegiado, por crimes dolosos contra a vida, abuso de autoridade, crimes eleitorais, contra a economia popular, fé pública, administração e tráfico de drogas.

Como no plenário não passaria nem essa nem outra proposta intermediária, a emenda voltou para a Comissão de Constituição e Justiça, que já não propõe proibição alguma. Permite que os condenados recorram a tribunais superiores, dá a eles o direito de se valerem de liminares, e exige que cada crime seja claramente definido e tipificado (como se já não o estivessem nos respectivos códigos) para justificar a condenação.

Alegação: se não houver esse "aperfeiçoamento" a lei acabará sendo derrubada nos tribunais e tendo apenas um efeito demagógico.

Na realidade, esse "aperfeiçoamento" retira da emenda todo o sentido original do veto ao acesso de condenados por crimes graves ao Parlamento, onde hoje um quarto dos deputados e senadores tem pendências na Justiça.

Ao que parece, esse tipo de situação é que carece de aperfeiçoamento, não uma regra à qual se submetem os candidatos a concursos públicos e nem por isso são subtraídos em seus direitos e garantias constitucionais.

Nome certo. O indiciamento de Valdebran Padilha por fraude em licitação pública, corrupção ativa e formação de quadrilha mostra que o indivíduo não é um mero "aloprado" como o presidente Lula apelidou a turma de petistas que tentou comprar um dossiê contra José Serra na eleição para governador de São Paulo em 2006.

"Aloprado" é um sujeito amalucado. Padilha, segundo a polícia, é bandido mesmo.

Obscuro objeto. Como instrumento de campanha política, a internet vai se revelando uma ilustre desconhecida. Terreno em que todos transitarão em risco de erro permanente.

A invasão do site do PT foi um sinal importante.

Houve insinuações de que o PSDB pudesse ser o responsável pela imagem do candidato José Serra pedindo votos em plena "casa" do adversário. Difícil, ali não faria nem para o cafezinho.

Petistas seriam capazes disso só para constranger o adversário? Têm mais o que fazer na campanha.

Conclusão: coisa de desocupados que não compreendem a seriedade do assunto em pauta.

Firmeza. Marina Silva já disse que perdia o pescoço, mas não perdia o juízo. Ao se recusar a posar com a bandeira do movimento gay mostrou que perde voto, mas não perde a coerência.

A despedida :: Eliane Cantanhêde



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula começou a se despedir em grande estilo. Nas reuniões internacionais, como as várias de ontem em Brasília, agradece a convivência e lembra que, no ano que vem, não tem mais.

"Pessoalmente, eu me despeço do Ibas com o sentimento do dever cumprido, com orgulho, felicidade de ver que nossa ideia prosperou. Com a alegria de ter compartilhado com indianos e sul-africanos esta extraordinária aventura. Desafiamos a geografia e a inércia -e vencemos!", disse Lula, no final do encontro entre Índia, Brasil e África do Sul, no Itamaraty.

O próximo será em outubro de 2011 e, portanto, com Serra, Dilma, Ciro ou Marina.

Além dos dois outros presidentes, de seus chanceleres e de centenas de funcionários, havia uma multidão de jornalistas. Foram 539 credenciados, de cinco países, porque, depois, começou uma outra reunião -ou uma outra despedida, a dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).

Lula parecia impaciente, batucando a mão direita na esquerda, mas estava no seu habitat natural, sob holofotes, entre um presidente negro e outro de turbante, unindo países, mudando a história.

Quando ele se despediu, automaticamente puxou a memória desses últimos 16 anos de política externa brasileira, primeiro com Mr. Cardoso, agora com Lula. Com estilos diferentes, ambos fizeram o que na diplomacia e na vida internacional se costuma chamar de "great job".

FHC abriu as portas do mundo para o Brasil. Lula passou por ela e foi embora. O avanço brasileiro não tem volta. Mas como? Depois da elegância culta de FHC e da ousadia e da liderança de Lula, o que esperar do sucessor, ou sucessora?

Imagine Serra chato, Dilma mandona, Ciro grosseiro e Marina inexperiente em fóruns que se propõem a fortalecer a posição dos emergentes e a enfrentar a arrogância dos países ricos.

Tem de ser feito, mas com jeito. Qual deles tem mais? Você é quem decide!

A loba e o raposão :: Nelson Motta




DEU EM O GLOBO

Usar de todos os meios para derrubar a ditadura e convocar eleições gerais livres e abertas a todos os partidos.

Seria patriótico e democrático, se não fosse mentira. O objetivo da luta armada no Brasil era trocar uma ditadura por outra, baseada na revolução cubana.

Zé Dirceu, Dilma e Tarso Genro se orgulham disto. Cegos de fé, juventude e generosidade, sonhavam com uma ditadura legitima, do bem, porque do povo, do proletariado. Também acreditei nisto, como muitos jovens oprimidos e ingênuos, até que a razão, os fatos e a história me convenceram do engano.

Mas uma loba guerrilheira nunca vai admitir que, além de um erro estratégico e político, a sua luta e o sacrifício de tantos companheiros eram para instituir uma ditadura socialista no Brasil.

Dirá que foi pela liberdade do povo. A mesma que os cubanos têm hoje? Ninguém ousa lhe perguntar.

Muitos dos seus ex-companheiros de armas, graças à democracia, ocupam postos importantes no governo, e reconhecem que a luta armada foi um erro de avaliação, talvez por excesso de juventude e generosidade. Mas ela nunca reconhecerá, nem que a vaca tussa. Ela não abandonou o barco nem fugiu da luta, não avaliou que seu sacrifício e de tantos companheiros poderia se voltar contra eles, como uma greve de fome, e até atrasar o processo de redemocratização.

Mas, para versões bolcheviques de velhos hippies de rabo de cavalo, parece que o sonho não acabou. Cordeiro em pele de lobo, Lula, o raposão, jamais sonhou com uma cubanização do Brasil. Cresceu e se desenvolveu como sindicalista por sua inteligência e capacidade de negociação.

Loba em pele de loba, ela se acostumou a planejar e a mandar — e obedecer ao chefe — no que deve ser competente: é condição indispensável a uma gestora de gestores.

Lula também tem um lado lobo, quando esbraveja e bravateia nos palanques, mas deve as maiores conquistas do seu governo, e sua popularidade, à sua formação e aptidão de grande negociador, que o levou a harmonizar partidos, corporações e interesses conflitantes para o sucesso de seus programas econômicos e sociais.

Mas a loba ama a luta.

As pistas dos primeiros discursos:: Maria Cristina Fernandes



DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cinquenta dias separam as falas com que Dilma Rousseff e José Serra lançaram-se ao mercado eleitoral. Cotejadas, oferecem mais luzes sobre os postulantes do que a radicalização de suas trupes leva a crer.

Ambos fazem as devidas concessões à personalização da política exacerbada nos anos Luiz Inácio Lula da Silva. Sai Dona Lindu e entra Francesco Serra, o imigrante calabrês que preferia que o filho estudasse a ajudá-lo a carregar caixas de frutas no mercado municipal. Desde o lançamento de sua candidatura no sábado, o eleitor sabe que é a imagem de seu pai que Serra vê refletida no rosto do trabalhador brasileiro, o mesmo que Lula carrega no seu espelho.

Porque não é mãe apenas do PAC, Dilma vai de Paula Araújo Rousseff, a filha nascida quando buscava refazer a vida depois da prisão. No discurso durante o Congresso do PT, em fevereiro, quando assumiu a candidatura, o eleitor foi informado de que foi Paula quem lhe devolveu a fé na vida.

O resgate da clandestinidade é romantizado como ideário de geração que levou o compromisso com o país às últimas consequências. Como talvez não convença, conclui: "Amadureci".

Na fala de Serra não há lugar para autocrítica. São oito suas principais qualidades: honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional e perseverança.

Dilma vai de Drummond ("Teus ombros suportam o mundo/e ele não pesa mais do que a mão de uma criança") e Quintana ("Todos estes que aí estão/atravancando o meu caminho/eles passarão/eu passarinho"). E Serra, de Guimarães Rosa ("A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem").

Confrontados aos discursos, as respectivas entrevistas a dois livros recém-publicados, "Brasil: entre o passado e o futuro " (Boitempo, fevereiro de 2010) e "Retrato de Grupo, 40 anos do Cebrap"(Cosac Naify, novembro de 2009) colocam em perspectiva o país que defenderam ao lançarem-se.

À época do livro, Serra ainda não assumira candidatura. Fala na oposição. Desde sempre. Explica por que foi contra o Real. Não acreditava que o governo, em pleno período eleitoral, fosse dar cobertura ao plano. E reafirma sua convicção de que a moeda não precisava ter sido sobrevalorizada para vingar.

Acusa o "modelo primário exportador" e vê três armadilhas no Brasil de Lula: juro alto, câmbio sobrevalorizado e gasto público em descontrole. Para quem faz, como diz, uma análise "cretina" do que é o desenvolvimentismo, ele resume os desastres da política econômica com o exemplo da Embraer: "Foi bem privatizada, mas até poucos anos atrás tinha 60% de componente doméstico no valor gerado; hoje tem 30%. Ela está aí produzindo avião, mas está perdendo as cadeias produtivas, só por causa dos juros siderais e da sua consequência pior, a taxa de câmbio megavalorizada".

Na entrevista (a Emir Sader, Marco Aurélio Garcia e Jorge Mattoso), o Brasil de Dilma começa e termina em Lula. Que é diferente de todos os outros por quatro motivos: produziu crescimento com estabilidade, expandiu o mercado interno, promoveu a reinserção internacional do país e redefiniu as prioridades do gasto público.

Lembra que o final de 2005 foi o pior dos mundos. Sem margem de manobra na economia ou na política. E assume a defesa do Estado que subsidia: "Não se faz uma política de universalização sem subsidiar, é impossível no Brasil. (...) Saneamento quem faz é o Estado. Reservamos recursos para as empresas privadas fazerem saneamento básico, mas nada aconteceu. (....)Tornamos os subsídios novamente legítimos. No primeiro mandato fui chamada ao Congresso para explicar por que estávamos subsidiando o "Luz para Todos". Mas até agora não fui chamada para explicar por que estamos subsidiando o "Minha Casa Minha Vida". É sinal dos tempos. O consenso mudou".

Ambos os discursos tiveram seus picos de agressividade. Os de Dilma foram na referência indireta à concentração econômica de São Paulo - "O Brasil não será mais visto como um trem em que uma única locomotiva puxa todos vagões" - e na recusa de Lula a casuísmos: "Não mudamos, como se fez no passado, as regras do jogo no meio da partida".

Líder da oposição, Serra estava marcado para pautar seu discurso um tom acima. Não poupou, ainda que indiretamente, nem mesmo o dono da bola: "Ninguém deve esperar que joguemos Estados do Norte contra Estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural..... Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um país. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil".

Os dois textos trazem visões convergentes na política industrial e radicalmente divergentes na política externa. Ambos saúdam o SUS e se comprometem com avanços na educação. Dilma conclui sua fala saudando o povo brasileiro. E Serra, conclamando o Brasil que pode mais. São palavras de ordem, mas não se lhes reclame substância.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Aliados decidem pressionar Gabeira


DEU EM O GLOBO

DEM e PPS querem definição de pré-candidato sobre aliança até o dia 30

Alessandra Duarte, Cassio Bruno, Ludmilla de Lima e Marcelle Ribeiro

RIO e SÃO PAULO. Diante da indefinição do deputado federal Fernando Gabeira (PV) sobre a coligação com o DEM e agora até mesmo sobre sua candidatura ao governo, aliados resolveram tentar colocá-lo contra a parede: querem que o PV decida até 30 de abril se manterá a coligação. Verdes dizem que qualquer decisão caberá a Gabeira. O ultimato foi dado por DEM e PPS, segundo confirmou o ex-prefeito Cesar Maia, pré-candidato ao Senado pelo DEM.

Já a pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva, disse ter conversado com Gabeira anteontem: — Estou tranquila com a política de aliança. Gabeira e o PV terão sabedoria para chegar ao desdobramento correto.

Na internet, Cesar fala em “prazo fatal” No Twitter, Cesar Maia se refere à data como “prazo fatal”: “Dia 30 de abril, com apoio nacional do PSDB-PPS-PV, que apoia Serra, se terá definida a chapa no Rio. Com 4 ou com 3 (partidos)”. Por e-mail, Cesar confirmou ontem que foi informado do prazo estabelecido pelos partidos.

— A vontade dos três partidos é viabilizar o projeto com o Gabeira — disse Comte Bittencourt, presidente do PPS, afirmando, porém, que, caso a aliança com o PV não se concretize, o PPS discutirá um plano B, com a escolha de um novo nome para representar o grupo e, principalmente, o pré-candidato a presidente José Serra (PSDB).

O pré-candidato a vice na chapa de Gabeira, Márcio Fortes (PSDB), negou haver pressão sobre o deputado. Gabeira disse desconhecer o fato.

Campanha de Serra mira no Norte-Nordeste

DEU EM O GLOBO

PSDB vai criar cinco coordenações de campanha na região, onde o desempenho do tucano nas pesquisas tem sido pior

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Paralelamente à organização da agenda de viagens da pré-campanha presidencial, a cúpula do PSDB começou a definir a estrutura geral de apoio ao pré-candidato tucano, José Serra. A primeira providência do partido agora será organizar as oito coordenações regionais e as três estaduais que darão suporte para o candidato em seus deslocamentos pelo país. Pelo menos três das coordenações serão no Nordeste e duas no Norte, regiões onde Serra tem seu pior desempenho nas pesquisas de intenção de votos. São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal terão coordenações próprias.

Já a de Minas Gerais será feita juntamente com a do Espírito Santo.

Os nomes para compor essas coordenações deverão ser escolhidos em conjunto pelos presidentes nacionais do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), e do PPS, Roberto Freire. Entre os nomes tucanos cotados para ajudar na estruturação da campanha de Serra nos estados estão os senadores Cícero Lucena (PB) e o secretário geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG).

— Os coordenadores regionais e estaduais serão pessoas escolhidas a dedo e terão autonomia para organizar as visitas de Serra pelos estados — adiantou o senador Sérgio Guerra.

Coordenação política da campanha será em Brasília A área de comunicação da campanha tucana ficará mesmo a cargo do publicitário Luiz González, o mesmo que já havia feito em 2006 a campanha presidencial de Geraldo Alckmin (PSDB). As gravações dos programas de rádio e televisão de Serra deverão ficar centralizadas em São Paulo. Já a coordenação política será montada em Brasília.

No entanto, por enquanto, o PSDB ainda não definiu o nome do tesoureiro da campanha nem o local onde deverá funcionar esse comitê central.

Até o início oficial da campanha, em julho, a sede do partido em Brasília será usada como apoio.

A senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) ficará responsável pela montagem da agenda do candidato tucano. Ela ficará em contato permanente com o ex-secretário do governo de Serra em São Paulo José Henrique Reis Lobo, que cuidará da parte administrativa e operacional da campanha.

Caio Carvalho, que foi presidente da Embratur no governo de Fernando Henrique Cardoso, será o responsável pelos eventos. A área financeira, por enquanto, ficará sob o comando dos ex-deputados Márcio Fortes (PSDB-RJ) e Ronaldo Cezar Coelho.

Próximo grande evento de Serra será em Minas A grande expectativa agora dos tucanos é em relação à visita de Serra a Minas Gerais, na segunda-feira. Considerado o primeiro grande evento da pré-campanha à Presidência de Serra, o PSDB está convocando seus principais líderes para acompanhálo.

Além do ex-governador do estado Aécio Neves, já confirmaram presença os senadores Sérgio Guerra (PE), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Cícero Lucena (PSDB-PB).

Dilma pode repetir Pitta, sugere Serra


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano compara escolha de candidata petista por Lula ao caso de Maluf, que ""fabricou"" sucessor na prefeitura e enfrentou duro desgaste

Silvia Amorim

O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, usou ontem o caso do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, sucessor de Paulo Maluf, para defender a tese de que nem sempre o candidato de um governante bem avaliado consegue repetir o feito do antecessor.

Sem citar nomes, o tucano fez indiretamente uma comparação entre o exemplo paulistano e a situação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenciável petista, Dilma Rousseff.
"Você lembra o que aconteceu em São Paulo com Maluf e Pitta? O Maluf estava bem avaliado e bancou o Pitta. O Pitta foi diferente do Maluf, ou não foi? Quer dizer não necessariamente o sucessor replica o antecessor mesmo que tivesse sido apoiado por ele. Pode acontecer e não acontecer", disse Serra, em entrevista ontem pela manhã à Rádio Bandeirantes em São Paulo.

O presidenciável tucano minimizou o poder de transferência de voto de Lula para a ex-ministra. "Acho que as pessoas decidem com relação ao futuro. O Lula não é candidato."

Serra voltou a dizer que nem Lula nem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso são candidatos nesta eleição e, portanto, vai discutir somente o que diz respeito a ele próprio. O PT tenta fazer deste pleito uma disputa plebiscitária entre o governo Lula e o de seu antecessor. "A gente sempre discute as coisas de quem é candidato. Ficar discutindo quem não é candidato não faz muito sentido."

Maturidade. O ex-governador cobrou "maturidade" nesta eleição e disse que não vai entrar em "bate-boca". A afirmação vem um dia depois de Lula ironizar o slogan da pré-candidatura do tucano - "O Brasil pode mais".

"Acho que tem de ter maturidade para discutir os problemas, fazer críticas quando for o caso, receber críticas como algo positivo, que permita avançar", afirmou. "Um debate de bom nível ajuda muito mais do que um bate-boca, que só atrapalha."

Serra fez a declaração sem citar adversários. Até evitou polemizar com o presidente, que disse anteontem que quando os tucanos governaram "não acreditaram que podia mais".

"Estou de acordo com o presidente Lula de que a gente sempre deve dar os créditos e levar em conta o que cada governo fez e que sempre é possível fazer mais", afirmou. "Eu reconheço as coisas que governos passados fizeram, aponto o que não fizeram, ou não fizeram no ritmo que o País necessita, e partimos para frente."

O ex-governador disse ainda que vai responder a críticas dos adversários quando se referirem a ele, mas não baixará o nível. "Uma coisa é responder. Eu respondo a tudo a meu respeito. Se diz coisa boa, ótimo. Se eu não concordar, eu respondo. Outra coisa é baixar o nível. Isso eu não vou fazer. Não é do meu estilo."

A primeira semana após as desincompatibilizações de Serra e Dilma foi marcada por troca de ataques entre petistas e tucanos. Serra permaneceu em silêncio, embora tenha sido criticado diretamente por Dilma em algumas ocasiões.

"Experiência". O tucano deixou o discurso ameno de lado e partiu para o ataque ao falar do desempenho da gestão Lula no setor das concessões de rodovias. Ele apontou falta de experiência dos petistas no assunto. "O governo federal também fez concessão igual e não funcionou, como é o caso da Regis Bittencourt e da Fernão Dias. Não funcionou porque não foi feita com muita experiência."

O presidenciável também criticou a atuação de Lula na condução da reforma tributária no Congresso. "A reforma tributária não avançou, não por causa de lobby dos governadores, mas porque o projeto do governo era a antirreforma tributária. Aumentava a carga tributária."

Após ter deixado o governo paulista com uma marca recorde de investimentos, Serra atacou o desempenho do governo federal nessa área. "O Brasil tem um dos níveis de investimentos mais baixos do mundo em infraestrutura."

Aécio reune 300 prefeitos para assegurar apoio a Serra


DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raquel Ulhôa, de Brasília

O ex-governador Aécio Neves (PSDB) reunirá cerca de 300 prefeitos e lideranças políticas de partidos aliados em Minas Gerais para um encontro com o pré-candidato tucano à Presidência da República, José Serra, na segunda-feira, dia 19, em Belo Horizonte. O objetivo de Aécio com o evento político é mostrar seu empenho pela eleição de Serra e reforçar o apoio dos seus aliados ao presidenciável tucano.

No geral, a intenção da coordenação da campanha é evitar eventos de caráter político-partidário nesta fase de pré-campanha, para que Serra tenha o maior contato possível com representantes da sociedade. No caso de Minas, no entanto, como o apoio a Serra da parte dos aliados de Aécio não está sólido, a reunião foi considerada importante.

Será a primeira ação concreta de Aécio de envolvimento na campanha de Serra. O ex-governador mineiro por enquanto rejeita a possibilidade de ser vice na chapa, mas promete empenho total para que o ex-governador paulista tenha bom desempenho eleitoral em Minas. Da agenda da viagem ao Estado, consta, ainda, reunião de Serra com empresários na Federação das Indústrias de Minas Gerais e entrevistas.

Ontem, o coordenador-geral da campanha, senador Sérgio Guerra (PE), presidente do PSDB, reuniu-se com assessores e alguns dirigentes do partido para definir as regiões do país que contarão com coordenadores da campanha nacional.

O Brasil foi dividido em oito regiões geopolíticas: os Estados do Sul; Minas e Espírito Santo; Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás; Norte 1 (Acre, Rondônia, Amazônia e Roraima); Norte 2 (Tocantins, Pará e Amapá); Nordeste 1 (Bahia e Sergipe); Nordeste 2 (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas) e Nordeste 3 (Maranhão, Piauí e Ceará). Os demais Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal terão tratamento diferenciado.

Em cada uma das oito regiões haverá um coordenador designado pela campanha nacional para tratar de todas as demandas locais - políticas ou materiais. A intenção é que os problemas sejam resolvidos nas próprias regiões, sem necessidade de acionar a coordenação-geral. "Funcionarão como um braço da campanha lá, com poder de decisão", afirmou Guerra.

A senadora Marisa Serrano (MS), vice-presidente do partido, deverá ser a responsável pela coordenação da agenda do candidato. Na próxima semana, estão sendo analisadas viagens para Goiás e Pará.

Ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes, Serra, sem citar a adversária petista Dilma Rousseff, afirmou que o sucessor nem sempre replica o antecessor. E deu como exemplo o caso dos ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta. "Você se lembra o que aconteceu em São Paulo? Maluf e Pitta. O Maluf estava bem avaliado e bancou o Pitta. Foi diferente do Maluf, não foi?", questionou ele. (Com agências noticiosas)

O modelo Rousseff :: Rogério Furquim Werneck

DEU EM O GLOBO

A ruidosa licitação da usina de Belo Monte permite perceber com clareza em que, afinal, redundou a reforma do setor elétrico comandada nos últimos sete anos pela ex-ministra Dilma Rousseff. Para assegurar a expansão da oferta de energia, o governo se vê agora obrigado a aplicar doses maciças e crescentes de dinheiro público em cada novo projeto de investimento.

Quando assumiu o Ministério de Minas e Energia em 2003, Dilma Rousseff anunciou que seu objetivo fundamental, na remodelagem do setor elétrico, era garantir a modicidade tarifária. Objetivo mais que defensável. O desafio estava em remover entraves à expansão da oferta de energia e estabelecer regras e práticas de regulação bem concebidas, capazes de reduzir a incerteza regulatória e atrair sólido fluxo de investimento para o setor. Não há melhor forma de assegurar tarifas módicas do que manter ambiente propício à expansão da oferta de energia, em compasso com o crescimento da demanda.

Infelizmente, não foi esse o programa de ação escolhido pela ministra.

A proposta que apresentou em meados de 2003 deixou o setor elétrico horrorizado. Entre “pontos inegociáveis” e delírios voluntaristas, o documento que veio a público mostrava total descaso por incentivos e riscos que condicionam decisões de investimento no setor. Foi preciso bem mais de um ano para que, com ajuda de especialistas de fora do governo, o documento inicial fosse convertido em algo que servisse de base para uma proposta menos rudimentar de reforma do setor elétrico.

Mas o vezo voluntarista e o desprezo por forças de mercado que marcaram a formulação da proposta original jamais puderam ser completamente eliminados. E afloraram agora, de forma clara, na licitação da usina de Belo Monte.

A preocupação central com a modicidade tarifária permanece. O problema é que, sem poder contar com um ambiente de investimento que engendre tarifas módicas de forma natural, o governo vem tentando assegurar a modicidade tarifária na marra, despejando nas novas usinas todo o dinheiro público que para isso for necessário.

O ponto de partida em Belo Monte foi um esquema de financiamento que permitisse fixar em nível arbitrariamente baixo a tarifa máxima que poderá ser exigida na licitação. Feito o orçamento preliminar do projeto, constatou-se que tarifa tão baixa só seria viável se 49% dos investimentos fossem bancados pela Eletrobrás, que se contentaria com uma remuneração “patriótica” dos recursos investidos.

Na verdade a Eletrobrás nem conta com tais recursos. A empresa terá de ser capitalizada pelo Tesouro, direta ou indiretamente, através do BNDES, com fundos advindos de emissão de dívida pública. Só assim a Eletrobrás poderá se mostrar tão “patriótica” quanto se espera.

Como o orçamento inicial estava excessivamente irrealista, a tarifa máxima teve de ser elevada. Contudo, mesmo essa tarifa mais alta vem sendo considerada insuficiente por investidores que poderiam ter interesse na licitação de Belo Monte. Em face das reclamações, o natural seria que o governo elevasse mais uma vez a tarifa máxima ou, confiante nas suas contas, se recusasse a alterá-la, fazendo ouvidos moucos a investidores insatisfeitos.

Mas o que o governo tem feito é algo bem diferente. Tacitamente, reconhece que a nova tarifa máxima é insuficiente.

Mas se recusa a elevá-la.

Prefere despejar mais dinheiro público no projeto. Dispõe-se a financiar 70% da usina, pelo BNDES, em 30 anos, a juros de 4%. Obriga fundos de pensão a entrar no projeto com recursos que não são públicos, mas que o governo trata como se fossem.

E, por fim, temendo que tudo isso ainda seja insuficiente, considera o desatino de isentar de impostos os lucros auferidos no projeto, como já fez nas usinas do Rio Madeira.

Salta aos olhos que há algo de profundamente errado em tudo isso. Ao fim e ao cabo, o que se vê é a modicidade tarifária viabilizada por gigantesco e demagógico programa de subsídio à energia elétrica, bancado por recursos públicos que poderiam ter utilização alternativa incomparavelmente mais nobre.

Rogério Furquim Werneck é economista

Sete anos depois, Dilma promete quase tudo


DEU EM O GLOBO

Para ela, agora é possível zerar o déficit habitacional "tranquilamente", acabar com pobreza e fazer reforma tributária

Leila Suwwan* e Isabel Marchezan**

PORTO ALEGRE. Apesar de ter participado do governo Luiz Inácio Lula da Silva desde o começo, após sete anos e meio a exministra e pré-candidata à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff, disse ontem que é possível acabar com a pobreza em uma década e que dá para zerar o déficit habitacional “tranquilamente”.

Ela fez ontem, em Porto Alegre, um discurso para empresários no qual ainda indicou suas primeiras promessas: além de zerar o déficit habitacional, iniciar a reforma tributária, que o governo Lula também não conseguiu fazer.

A ex-ministra apontou como um dos desafios acabar com a pobreza no país em uma década. Para ela, foram as políticas econômicas e sociais do governo Lula que criaram as condições para essa trajetória, porque, disse, conseguiram derrotar o enigma da “esfinge maligna” da “estagnação e desigualdade”.

A petista chegou a chamar de “insensatez” e “maluquice” as políticas industrial e educacional da gestão Fernando Henrique, sem citá-lo.

— Nós hoje estabilizamos muita coisa, criamos uma nova era de prosperidade. Tudo isso configura um quadro em que a reforma tributaria é nosso próximo desafio. Um dos (desafios), porque vamos ter vários. O outro é acabar com a pobreza nesta década. O outro é zerar o déficit habitacional — disse Dilma, sem dizer que a estabilidade começou no governo FH e sem revelar que o governo Lula jamais se empenhou pela aprovação de uma reforma tributária.

A pré-candidata afirmou que considera possível acabar com a pobreza nessa década: — É possível acabar com a pobreza nesta década que se inicia.

Mas isso não significa que você pode tirar o Bolsa Família desde logo, tem que capacitar, garantir que (a economia) continue crescendo, tem que garantir que tenha emprego, e sobretudo política para os jovens.

Dilma disse que o déficit habitacional pode ser zerado “tranquilamente”, mantidas as políticas sociais. A ex-ministra disse ainda que “chegou a hora da reforma tributária”, devido à situação de maturidade econômica, com estabilidade e o enfrentamento da crise. Ela disse ser “prioridade” agora rever e simplificar os impostos, acabando com a tributação em cascata e desonerando os investimentos.

Mas disse ser importante aliar um fundo de compensação para as perdas dos estados com eventuais mudanças no ICMS: — Mudou a visão de cada um de nós a respeito da importância da desoneração tributária.

Essa mudança permite que eu diga para vocês que, além da convicção na teoria, eu tenho a convicção prática (...). Mas sem um fundo de compensação para os estados, não implantaremos uma reforma tributária de jeito nenhum . A hora da reforma tributária chegou, mas não se fará isso sem muita conversa.

Dilma reconheceu os avanços do antecessor de Lula no processo de redemocratização, mas usou diversas vezes as palavras estagnação e desigualdade para descrever os 25 anos pré-Lula, nos quais incluiu a gestão FH. A petista atribuiu a Lula a consolidação da estabilidade econômica, garantida, na verdade, na gestão do tucano e que teve continuidade com o PT.

— Nós vencemos a esfinge.

Nós encaramos esses dois problemas, estagnação e desigualdade — disse. — Temos de ter responsabilidade de saber quais são os passos para preservar e fazer avançar. Tudo isso não caiu do céu, não foi obra do acaso ou lance de sorte. Disseram: (os petistas) “estão governando com o vento a favor e, se tivessem uma crise pela frente, não saberão o que fazer”.

Nós demonstramos que soubemos o que fazer.

A ex-ministra adiantou um ponto de seu programa de governo, que será o investimento no que chamou de “tríade” para o salto de desenvolvimento do país: política industrial, educação de qualidade e inovação de ciência e tecnologia: — Nós fizemos, fazemos e teremos de fazer política industrial no nosso país.

Conflito agrário cresce no governo Lula


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Estudo dos últimos 25 anos mostra que a média anual da gestão petista é a maior desde a redemocratização, com 929 confrontos, contra 800 da era FHC

Nos últimos 25 anos, o período com o maior número de conflitos agrários no País foi o do governo Lula. Segundo estudo divulgado ontem pela Comissão Pastoral da Terra, a média anual de conflitos registrados entre os anos de 2003, quando Lula assumiu, e 2009 chegou a 929. O recorde anterior havia sido observado nos primeiros seis anos do governo FHC, com a média de 800 conflitos por ano. "O período entre 2003 e 2009 é claramente o mais conflituoso desde o início da redemocratização do País, em 1985", disse o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, pesquisador da Universidade Federal Fluminense e autor de estudo sobre o tema, com base em números da CPT. Para ele, o fenômeno tem a ver com o avanço da democracia, que "açulou o medo das oligarquias rurais", mas também mostra aumento do uso da violência pelo Estado. Para ruralistas, as invasões recrudesceram por causa da impunidade.

Confrontos por terra tornaram-se mais frequentes no governo Lula

Questão agrária. De acordo com estudo divulgado ontem pela Comissão Pastoral da Terra, foi de 929 a média anual de conflitos registrados entre os anos de 2003, quando presidente assumiu o primeiro mandato, e 2009. Era FHC registrou índice de 80016 de abril de 2010 0h 00

Roldão Arruda

Nos últimos 25 anos, o período com o maior número de conflitos agrários no País foi o do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com estudo divulgado ontem pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a média anual de conflitos registrados entre 2003, quando Lula assumiu, e 2009 chegou a 929.

O recorde anterior havia sido observado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a média de 800 conflitos por ano. "O período entre 2003 e 2009 é claramente o de maior conflitividade desde o início da redemocratização do País, em 1985", disse o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, pesquisador da Universidade Federal Fluminense e autor do estudo que aponta o grau de tensão no campo em diferentes fases da história recente do País.

Assessor do setor de documentação da CPT, Porto-Gonçalves lastreou seu trabalho em séries estatísticas produzidas pela instituição. Para fazer sua análise, ele dividiu a história recente do País em cinco períodos - de acordo com ciclos de ações dos movimentos sociais e da vida democrática. O primeiro, de 1985 a 1990, é o período imediatamente após a ditadura militar, quando a violência no campo atinge o maior volume de assassinatos já registrado na história recente. Foram quase 130 mortes por ano naquela época, quando existia uma grande expectativa de mudança, em meio aos debates da Assembleia Constituinte.

No segundo período, de 1991 a 1995, a democracia se consolida e os movimentos de sem-terra ganham força. O terceiro período dura de 1996 a 2000. É quando, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, os sem-terra se tornam mais ousados e promovem a maior onda de invasões de terras já registrada.

O quarto período envolve os dois últimos anos do mandato de Fernando Henrique, que, para conter a onda de invasões, baixou uma medida provisória que tornava indisponíveis para a reforma agrária as propriedades rurais invadidas pelos sem-terra. O ato provocou um refluxo nas invasões e fez a média anual de conflitos cair de 800 para 536.

O último período é o que trata do governo Lula, quando a medida provisória do governo anterior é praticamente ignorada e as invasões aumentam - assim como as reações dos proprietários rurais e da máquina do Estado, especialmente o Judiciário. A média anual de famílias despejadas quase dobrou, passando de 11.781 nos dois últimos anos do governo Fernando Henrique para 22 mil nos 7 anos do governo Lula.

Na avaliação de Porto-Gonçalves, esse aumento das tensões na zona agrária nos últimos sete anos tem uma correlação direta com o avanço da democracia.

Despejo. "A eleição de Lula, um operário ligado ao Partido dos Trabalhadores, significou a afirmação do processo de redemocratização, criou enormes expectativas de mudanças e, ao mesmo tempo, açulou o medo das oligarquias rurais, que passaram a reagir com maior intensidade e mais violência", disse o pesquisador. "Mas não foi só a violência do poder privado que aumentou. No período recente houve um crescimento notável no número de famílias despejadas de áreas ocupadas, o que significa que a violência do poder público também aumentou."

Os números da pesquisa foram apresentados em São Paulo, durante evento organizado para marcar os 25 anos de séries estatísticas da CPT sobre conflitos no campo. Na ocasião, o presidente da comissão, bispo Ladislau Biernaski, também divulgou o relatório de 2009 - indicando que a tensão aumentou em relação a 2008. O número de conflitos, envolvendo invasões, mortes, despejos e outros acontecimentos, subiu de 1.170 para 1.184.

O bispo anunciou ainda que a CPT vai apoiar em setembro a realização de plebiscito para saber se a população aprova ou não a ideia de impor um limite ao tamanho da propriedade rural no País.

A economia do país em direção ao muro:: Luiz Carlos Mendonça de Barros




DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A euforia pelo crescimento nos levará a bater no muro das restrições econômicas; esse filme tem final triste


A aceleração do crescimento econômico no Brasil começa a me assustar. Com base nos dados do primeiro trimestre deste ano, um grupo de analistas já fala em crescimento do PIB de mais de 7% em 2010. Nós, na Quest Investimentos, ainda não chegamos a tal, talvez porque meus colegas sejam mais cautelosos do que eu...

O crescimento da demanda interna pode ficar próximo a 10% em 2010. As importações respondem por essa diferença entre PIB e a chamada absorção interna. Mas elas acomodam a demanda aquecida apenas no grupo dos chamados bens "tradables", isto é, aqueles que podem ser comprados em outros países. A maior parte da oferta na economia brasileira é constituída por bens e serviços que não podem ser importados. O mais importante deles é o mercado de trabalho e nele é que está a componente mais ameaçadora que vejo para a frente. Também a infraestrutura econômica não está preparada para acomodar tal crescimento econômico. Afinal, são quase oito anos sem investimentos federais relevantes.

Poderemos chegar ao fim deste ano com uma taxa de desemprego da ordem de 6%, mantido o crescimento atual da geração de postos de trabalho. Em março, o número de empregos formais aumentou em 266 mil, número muito forte para o mês. O ministro do Trabalho, encantado com o próprio sucesso, disse ontem que esse número deve se repetir neste mês. Dada a composição da oferta de mão de obra no país, a desocupação ainda elevada esconde uma situação de escassez nas faixas profissionais mais qualificadas.

A pressão sobre os salários desse segmento dos trabalhadores já está ocorrendo e deve se acelerar. Na construção civil, um dos pontos mais aquecidos da economia, os salários já estão crescendo a mais de 10% ao ano. Mas outros sinais também alertam o analista mais cuidadoso. São evidências de instabilidade grave. Dou um exemplo: a produção de caminhões da Mercedes-Benz brasileira em março foi o dobro da matriz na Alemanha.

Mesmo com a crise na Alemanha esse número é um aleijão para mim.

Minha experiência profissional diz que estamos entrando em um daqueles momentos em que a euforia do brasileiro -aqui incluído trabalhadores, empresários e governo- vai nos levar a bater no muro das restrições econômicas. E a inflação é o problema mais grave que vamos enfrentar. Não me surpreenderia se, em poucos meses, estivermos falando de uma taxa de inflação, 12 meses à frente, superior a 6% ao ano.

O governo -que teve atuação exemplar durante a curta crise que vivemos- entrou agora na defesa de uma macroeconomia keynesiana utópica e muito perigosa. Segundo a equipe econômica, os investimentos privados estão acontecendo e devem assegurar o equilíbrio entre oferta e demanda. São os eternos canarinhos que voam no universo dos economistas brasileiros. Já vi esse filme no passado e posso assegurar ao leitor que o final será triste.

Por outro lado, a dinâmica eleitoral esta criando uma onda de benesses que apenas agrava o quadro de superaquecimento. Contabilizem os aumentos de gastos que estão saindo do Congresso nesses últimos meses e façam as contas. Isso joga mais lenha na fogueira da demanda privada.

Para tentar esfriar o entusiasmo de todos, parece restar apenas a atuação do Banco Central.

Mas trazer de volta o senso do real nesta altura do campeonato apenas com juros mais elevados será uma tarefa difícil e com prazo longo de maturação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Fora da curva:: Miriam Leitão



DEU EM O GLOBO


Um ponto fora da curva causou espanto nos analistas. A Fiesp divulgou dias atrás uma queda forte no Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), que não foi registrado pela FGV, e que entra em contradição com outros indicadores industriais do IBGE e da própria Fiesp. Ninguém entendeu. A se levar a sério, a capacidade ociosa voltou a níveis próximos do auge da crise. Assim, sem mais nem menos.

Os dados da Fiesp mostram que o Nuci caiu de 82,05% em novembro para 78,45% em fevereiro. Recuo de 3,6 pontos em três meses, puxado por uma revisão nos dados de dezembro e janeiro: queda de 0,8 ponto em dezembro; de 2,3 pontos, em janeiro; e de 0,5 ponto em fevereiro.

Quando divulgou o indicador, a Fiesp explicou que chegaram novas informações das empresas, que houve ganhos de produtividade e maturação de investimentos, que permitiam à economia crescer sem o aumento do Nuci. Ou seja, as empresas teriam investido em aumento de capacidade de produção e isso estaria aparecendo agora.

Mas os dados do IBGE mostram que a crise reduziu os investimentos. Com as incertezas, os empresários seguraram os projetos. A Formação Bruta de Capital Fixo, foi de 18,7% do PIB, em 2008, para 16,7%, em 2009.

A discrepância dos dados salta aos olhos no gráfico abaixo, que mostra indicadores de três entidades: da própria Fiesp, da FGV, e CNI.

Até novembro, eram compatíveis.

Neste início de ano, os dados de São Paulo estão destoando.

Nos números da FGV, o uso da capacidade de produção está em alta: em janeiro, era 83,8%; saltou para 84%, em fevereiro; e 84,3%, em março.

Já os dados da CNI refletem os da Fiesp, é uma média das informações das federações, e São Paulo representa 40% do indicador da CNI. De dezembro para janeiro, houve queda de 0,8 ponto, e estabilidade no mês de fevereiro, em 80,4%. O resultado pegou economistas de surpresa.

A LCA consultoria apostava em alta de 1,4 ponto percentual, para 81,8%. A mediana das projeções da Bloomberg era de alta para 81,7%. Mas ele não subiu pelo peso da queda de São Paulo.

— Estamos tentando entender o que houve com a informação da Fiesp. Justificar com maturação de investimentos não é razoável.

Queda na produção não houve, e também é difícil apostar em choque de produtividade.

Não queremos acreditar em influência política — disse um analista.

Olhando por dentro dos dados se vê que o aumento da ociosidade aconteceu no setor de alimentos e bebidas: uma queda de surpreendentes 18,5 pontos em janeiro.

Mas na FGV o uso da capacidade do setor de alimentos não para de subir este ano: foi de 80,3%, em janeiro; para 81,1%, em fevereiro; e 81,7%, em março.

— Na nossa pesquisa, não captamos nenhum tipo de comportamento diferenciado no Nuci dos setores de alimentos e bebidas — disse o superintendente de Ciclos Econômicos da FGV, Aloisio Campelo.

A Abia (Associação das Indústrias de Alimentação) também não tem informações de eventos extraordinários em São Paulo. Já o economista da coordenação de indústria do IBGE, André Macedo, diz que nacionalmente o setor de bebidas está operando com uma produção 16,3% acima do nível de setembro de 2008.

O diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini, admitiu que essa queda tem características de ponto fora da curva. Diz que foi motivada pelas indústrias de álcool e açúcar, que interromperam a produção por questões sazonais: — Geralmente, no início do ano há uma paralisação no setor de açúcar e álcool.

Certamente o Nuci voltará a subir nos próximos meses.

Pode ser. Mas os dados do setor dos últimos três anos não mostram quedas tão abruptas como a de janeiro.

Além disso, em fevereiro, houve nova queda.

O economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco, disse que é preciso esperar mais alguns meses para ver o que está acontecendo.

Essa discussão é importante porque a utilização da capacidade instalada, o tal Nuci, é um dos itens analisados pelo Banco Central na definição dos juros. Se a ociosidade está alta, é sinal de que a indústria pode aumentar a produção e segurar preços.

Se está baixa, mostra que a indústria não tem fôlego para acompanhar o consumo. Prenúncio de inflação.

A Mário de Andrade Ausente:: Manoel Bandeira


Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo, assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente

Mas agora não sinto a sua falta.

(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz já tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.