terça-feira, 11 de maio de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso


Nabuco apesar de suas contradições, de ter sentimentos íntimos presos às tradições e a despeito de seu liberalismo não ter sido tão completo como ele pensava, não foi apenas abolicionista, mas tinha de fato uma visão democrática da sociedade. Tocqueville, sendo um aristocrata assumido era, neste aspecto, o intelectual distante que, compreendendo embora os novos tempos, pouca simpatia demonstrava pelos atores que surgiam.
Nabuco, sendo um membro da elite imperial não completamente integrado nela, mais facilmente se identificou com atores que se constituiriam e que deveriam ter peso na formação da nacionalidade.


(Fernando Henrique Cardoso, na palestra em homenagem a Joaquim Nabuco, em 18/3/2010, na Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro.)

Intervencionista ou regulador?:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Depois de um período em que navegou em mar de almirante, quase sem cometer erros e claramente ditando o rumo da pré-campanha, o candidato tucano, José Serra, ressuscitou o político ranzinza que estava adormecido dentro dele e saiu ontem com três pedras na mão para responder a uma pergunta da jornalista Míriam Leitão na entrevista que concedeu à rádio CBN.

A pergunta, sobre se manteria a autonomia do Banco Central, nada tinha de ofensiva, e mesmo a referência ao fato de que muita gente acha que Serra quererá ser também o presidente do Banco Central, se for eleito presidente, referia-se a um comentário frequente, que o candidato tem que esclarecer porque se trata de uma característica que lhe atribuem, a centralização das decisões, que pode ser crucial para a definição do eleitorado.

As críticas de Serra à política de juros já são conhecidas, assim como sua visão de que o Banco Central é um órgão assessor da política econômica como qualquer outro, e não é intocável, também.

É previsível que num eventual governo Serra a autonomia do Banco Central não será formalizada. Aliás, nem Lula tornou essa autonomia lei, e mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo chegou-se a cogitar essa formalização, hoje dá graças a Deus de não ter levado adiante o projeto de sua equipe econômica.

Ele relembra a crise da desvalorização do Real em 1999 e diz que, se o Banco Central fosse independente, com a diretoria com mandato, não teria sido possível mudar a política do economista Francisco Lopes, nem tirá-lo da presidência do BC em tão pouco tempo para colocar em seu lugar Armínio Fraga.

A tendência num governo Serra é que as diretorias dos bancos estatais sejam compostas na maior parte por funcionários de carreira, valorizando as corporações, fortalecendo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, por exemplo, sem aparelhar politicamente suas gestões.

Assim também o Banco Central provavelmente não terá status ministerial e perderá a importância que tem hoje, reduzindo a margem para conflitos internos.

A ideia é dar consistência à equipe econômica, harmonizando a atuação do BC com o Ministério da Fazenda, o que evitaria divergências de políticas que existem hoje, com uma parte do governo aumentando os gastos públicos e incentivando a demanda, e o Banco Central tendo que atuar aumentando os juros para conter a inflação.

Embora não tenha entrado em detalhes na entrevista à CBN, pelo que tem revelado em conversas, Serra não vai baixar a taxa de juros na base do voluntarismo, mas vai usar diversos métodos para reduzir a necessidade de manter os juros mais altos do mundo, como ressaltou ontem na entrevista.

O papel da Bolsa de Valores será fundamental, e nesse contexto o pré-sal é um bom exemplo: um eventual governo Serra incentivaria que a Petrobras se capitalizasse na Bolsa.

Segundo seus assessores, Serra tem claro que hoje, quando o que precisamos é crescer e financiar novos investimentos, a Bolsa ganha dimensão especial. Ressaltou na entrevista que os investimentos têm sido pequenos nos últimos anos, especialmente em infraestrutura.

Uma das ideias que estão sendo estudadas é cobrar menos impostos de quem aplica na Bolsa do que em papéis do Tesouro. A visão é a de que temos muita liquidez interna, e está tudo aplicado em títulos do governo, em vez de em investimentos.

Boa parte das empresas que o BNDES e o Banco do Brasil estão financiando ganharia taxa de juros Selic nas suas aplicações e pagaria pelo empréstimo TJLP, bem mais baixa.

O tom da política econômica de Serra seria uma regulação forte, e isso ele destacou na entrevista da CBN, criticando o aparelhamento das agências reguladoras.

Serra é favorável ao que chama de Estado ativo, mas não nos mesmos moldes dos anos 50, quando o Estado desempenhou papel fundamental na economia brasileira, coordenando investimentos e intervindo na economia.

Esse modelo de desenvolvimento centrado no Estado perdeu força nos anos 1980, mas está sendo reavivado hoje pelo governo Lula.

Serra ontem se disse favorável a um Estado musculoso e não inchado. Em outras ocasiões, nos últimos anos, ele tem explicitado suas ideias sobre o sucessor do Estado intervencionista, que segundo ele não pode ser o Estado inerte, mas o Estado regulador, com a criação das necessárias agências e a aprovação de legislação que defina precisamente parâmetros para o funcionamento dessas entidades.

Em lugar de uma estatal, um governo Serra estimularia que as grandes empresas privadas produzam aqui, como foi feito com os celulares e a indústria automobilística.

Uma das maneiras de controlar o câmbio seria incentivar as empresas a segurarem o dólar no exterior, para comprar equipamentos e importar.

A diferença entre os candidatos seria basicamente que Dilma é mais interventora, e Serra, mais regulador, embora na entrevista de ontem ele tenha deixado uma sensação de intervenção no trabalho do Banco Central que deu margem a críticas da candidata oficial.

A estratégia de Lula, de tentar colocar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, como vice de Dilma, visava justamente a isso: dar um recado ao mercado de que haveria continuidade na autonomia do Banco Central.

Ontem, embora tenha garantido que não haverá virada de mesa com ele no governo, Serra saiu-se mal na primeira polêmica da campanha, mostrando-se irritadiço com as desconfianças do mercado.

Está apenas dando margem ao governo de explorar os receios de que ele seja na verdade mais intervencionista do que Dilma. O que é improvável, mas como mote de campanha eleitoral produz seus efeitos.

Prognóstico simplista :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vista assim do alto, sem a devida atenção ao significado preciso da frase, a declaração do presidente Luiz Inácio da Silva ao jornal espanhol El País de que não vê possibilidade de o PT perder a eleição, soa normal e natural.

Político algum em pleno processo de disputa pode admitir de antemão a hipótese da derrota.

Não obstante, nenhum deles costuma dispensar a companhia do condicional "se" para se referir ao futuro. Questão de prudência, de respeito aos oponentes e à diversidade de preferências políticas presentes no eleitorado.

A possibilidade como condição daquilo que é possível faz parte da realidade. Nas condições de hoje, é muito mais provável que José Serra ou Dilma Rousseff ganhe as eleições.

Mas, considerando o possível tudo aquilo que pode ser verdadeiro ou possa vir a existir, há que se incluir o nome de Marina Silva entre as hipóteses de vitória.

Que tal pareceria ao eleitor o pré-candidato tucano se resolvesse afirmar que não vê hipótese de perder? Olha lá o Serra, todo arrogante de salto alto, diriam.

E a pré-candidata do PT se dissesse hoje, repetindo o presidente, que não vê possibilidade de perder? Olha lá a Dilma, em mais um tropeço de principiante, apontariam.

Ao afirmar que não vê "possibilidade" de outro resultado senão a derrota de seus adversários, Lula primeiro foi incongruente consigo, pois inicialmente disse "ganhe quem ganhar, ninguém fará nenhum disparate", sem explicar ao que exatamente se refere hipoteticamente: a reações inconformadas de perdedores ou extravagâncias governamentais de vencedores.

Em segundo lugar perdeu a chance de, como presidente da República, assumir uma posição de certa equidistância analítica, que lhe cairia bem como "personagem do ano" de 2009, eleito pelo jornal que o entrevistava, tido como dos melhores, senão o melhor, do mundo.

Poderia fazer isso sem abrir mão da condição de parte no processo nem a nitidez do papel de eleitor privilegiado de Dilma Rousseff. Não precisava, entretanto, reduzir esse papel ao de um cabo eleitoral de campanha quando poderia ser o intérprete do processo em um País que começa a despertar real interesse no plano internacional.

De um político experiente os entrevistadores de El País talvez esperassem ouvir uma análise mais aprimorada a respeito de uma eleição em que a oposição ainda está na frente, pode perder ou ampliar a vantagem e na qual se imagina haverá uma disputa acirrada, do que simplesmente um prognóstico simplista e irrealista: "Deixe-me dizer que não vejo possibilidade de que percamos a eleição."

Por que? Ou faltou curiosidade ao jornal para perguntar ou argumentos ao presidente para explicar com que base se adianta com tanta assertividade à resposta do eleitorado.

Ademais, é um risco desnecessário Lula pagar para ver assim tão cedo apostando seu afamado atributo de intuição afiada. Já perdeu algumas vezes ao longo de seus dois mandatos. Apostou que José Serra não seria candidato a prefeito de São Paulo em 2004, apostou que não perderia a CPMF, apostou mais recentemente que Aécio Neves deixaria o PSDB.

Ocorre que agora o cacife do jogo é mais alto. Se ganhar, ninguém jamais se lembrará de uma única vez em que seu faro político falhou e atrairá para si todos os méritos da vitória. Mas, se perder, o personalismo também fará com que recaia sobre Lula de forma absoluta a conta do prejuízo.

Esmola muita. Os presidentes do PT e do PSDB se comprometeram, durante debate promovido pelo Estado, a vetar o registro de candidaturas dos condenados nos moldes do projeto em processo de votação no Congresso.

O DEM, PSOL, PPS, PV, PC do B, PDT já haviam assumido tal compromisso. De onde se olha e surge a dúvida: se é assim tão fácil, por que tanta celeuma?

Exatamente porque não é assim tão fácil. Conviria, portanto, não confiar na boa vontade da iniciativa de suas excelências.

Na hora H, sem a sustentação da lei - caso não tenha sido aprovado o projeto a tempo para esta eleição - os "fichas-sujas" irão reclamar "seus direitos" na Justiça.

O castigo vem a camelo :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula vai ter uma surpresa em Doha, no Catar, na próxima sexta, ao se encontrar com o xeque Hamad Bin Kalifa Al Thani e sua mulher, Mozah: ao lado deles estará um brasileiro que é prestigiado assessor de cultura no país.

Sabe quem é? O engenheiro Márcio Barbosa, ex-presidente do Inpe (Pesquisas Especiais), ex-vice da Unesco e candidato à direção-geral da entidade com apoio do então diretor, o japonês Koichiro Matsuura, e de vários países. Mas Lula e o Itamaraty lhe puxaram o tapete, e a candidatura se esborrachou.

O pior é que o governo trocou Márcio Barbosa (além do senador e ex-ministro Cristovam Buarque) para apoiar um egípcio acusado de racista, o ex-ministro Farouk Hosny, que, em sendo da área de cultura, era capaz de queimar livros contrários às suas crenças.

Como o chanceler Celso Amorim explicou? O apoio ao egípcio convinha justamente "à forte política de aproximação com o mundo árabe".

Equivalente a jogar fora a vaga na Unesco por uns votinhos a mais para a cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU.

O desfecho? Barbosa desistiu, o egípcio esquisitão perdeu e a direção-geral da Unesco, que cuida de educação, ciência, cultura e tem um baita de um charme, ficou com uma diplomata búlgara, Irina Bokova.

Que seja feliz.

Sacou qual a grande ironia? O governo passou duplo vexame (contra um brasileiro e a favor de um racista) em nome da aproximação com o mundo árabe, mas não é que Barbosa era tão simpático à região, ou a parte dela, que acabou virando assessor do xeque do Catar?

Lula vai ter de engoli-lo duas vezes neste seu último ano de governo. Uma na ida a Doha, coincidindo com a provavelmente apoteótica visita a Mahmoud Ahmadinejad em Teerã. Outra em maio, quando o mesmo Barbosa virá ao Brasil com Mozah para o Fórum da Aliança das Civilizações. O castigo vem a cavalo.

Ou a camelo.

Casos muito especiais:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Desde que se decidiu a bancar a eleição do seu sucessor menos por ela, Dilma Rousseff, do que por ele próprio o presidente Lula parece outro, sem deixar de ser o mesmo. Vive de olho no futuro imediato e, da maneira como fala, dá a impressão de já se ver projetado nas páginas da História do Brasil, reinstalado no poder virtual com que sonha à sombra da candidata que tirou do nada.

Até aqui, onde quer que se apresentem em dupla, o presidente tem sobressaído mais do que a candidata. O fato com peso a ser considerado tanto pelo próprio Lula quanto pelos que querem vê-lo pelas costas é que eleger sucessor equivale praticamente a voltar ao poder por interposta pessoa. Nada impede que o eleitor possa mentir às pesquisas e guardar a preferência para as urnas. Acontece sempre que parece menos provável. Desde que o voto direto veio para ficar, em 1945, não há exemplo de presidente que se tenha comprometido em fazer o sucessor. A candidata Dilma é a sombra de Lula no ocaso. Considerando que ela representa, antes de tudo, a preferência dele, conviria ao próprio alguma discrição em embolsar o poder virtual sobre a candidatura dela, para assegurar o poder real na volta em 2014 (se tudo transcorrer de acordo).

O primeiro presidente eleito por voto direto mesmo foi o general Eurico Gaspar Dutra, sempre referido, por picardia, como o condestável do Estado Novo. Dutra deixou o Ministério da Guerra para ser candidato da máquina montada pelos governadores do Estado Novo e garantir normalidade na transição. O candidato da oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes, pela mesma razão. No auge da expectativa de que algo estava sendo tramado, os dois se entenderam e acertaram, com a participação do Exército, a deposição do ditador Getulio Vargas, dia 30 de outubro de 1945: por fomentar surpresas por fora das urnas. Não saiu da sombra a versão de que a eleição do presidente Dutra se deveu à recomendação de Getulio Vargas, naqueles trinta e poucos dias apertados entre a deposição e a eleição. Por toda parte, lia-se apenas: Ele disse: vote em Dutra. A concisão telegráfica dispensou a necessidade de citar o nome. Todos sabiam. Era Getulio Vargas.

Foi este o único exemplo de participação direta de um presidente que, embora arrancado do poder um mês e alguns dias antes, interferiu decisivamente na campanha. Lula não ouviu falar das palavras do general Dutra ao anunciar, no discurso de posse, que seria no governo o presidente de todos os brasileiros. Lula deixa por menos. O aspecto desagradável e acintoso no procedimento do presidente Lula é que, por trás do empenho pessoal em eleger sua candidata, o objetivo se confunde com a ideia subjacente em tudo que faz em nome da sucessão presidencial: voltar ao poder e, enquanto espera 2014, dispor virtualmente do mandato alheio.

A situação não melhorou enquanto a candidata e o padrinho apareceram juntos. Separados foi pior. E agora? A primeira tentativa de seguir cada um por um lado também não melhorou nas pesquisas de opinião. Na República Velha, que durou de 1889 a 1930 e evitou a reeleição, um único presidente se reelegeu anos depois de cumprir o primeiro mandato. Mas Rodrigues Alves morreu antes da posse.

Nem mesmo os generais presidentes conheceram êxito no encaminhamento do sucessor porque, antes de irem ao Colégio Eleitoral, e pela própria natureza do regime, os candidatos eram objeto de silenciosa e minuciosa avaliação na cúpula das Forças Armadas. Não estava nas considerações do general Castello Branco ser sucedido pelo seu ministro da Guerra, mas foi Costa e Silva quem representou a média de opiniões militares. Que, por sinal, foi substituído pelo general Emílio Garratazu Médici, por sua vez forçado pelas circunstâncias militares a aceitar a contragosto a candidatura do general Ernesto Geisel, que tentava ver, no fim do túnel, o que se pudesse entender por saída segura. Por último, exceção histórica, a vontade de Geisel prevaleceu no encaminhamento do general João Batista de Figueiredo.

Mas às exceções cabe apenas confirmarem a regra. E, na sequência, a tortuosa e caprichosa volta à legalidade, com suas consequências e inconsequências. Nossa democracia dispensa o voluntarismo, que não se nutre de boas intenções e nada tem a oferecer ao aperfeiçoamento dos costumes políticos.

Cálculos eleitorais:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No primeiro debate de candidatos, José Serra disse que pretende ter o PT e o PV no governo, na hipótese de ser eleito à sucessão de Lula. O tucano, como Dilma Rousseff e Marina Silva, mostra-se incomodado com a fatalidade das alianças à direita. Já dizia isso em 2002. Mas, no momento, trata-se de um bem calculado e elaborado gesto de campanha eleitoral.

Não que falte sinceridade à "heresia" de Serra, como o próprio tucano classificou sua declaração de intenções. O que ele procura, isso sim, é não vir a ser rotulado de "candidato anti-Lula", uma péssima idéia quando o presidente em exercício apresenta um consistente índice pessoal de aprovação, sempre na faixa acima dos 70%, segundo as pesquisas de opinião.

Na prática, as pesquisas mostram que Serra, sendo candidato da oposição, não pode se comportar como se o futuro governo do PSDB fosse descontinuar o governo Lula. Algo assim como Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, à certa altura da campanha viu-se forçado a esclarecer que não faria um governo de ruptura com os oito anos de seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Na campanha de 2002, num vôo entre Belo Horizonte e Brasília, José Serra conversou longamente com seus companheiros de viagem sobre a eventualidade de aliança com o PT, na hipótese de ser eleito. Dizia que gostaria muito de governar com o PT, mas pediu sigilo para seus interlocutores, temeroso da reação de seus aliados de campanha. "O PSDB me mata", afirmava. Àquela altura sua candidatura em aliança com o PMDB ainda não ganhara todos os contornos da derrota, mas já fazia água por todos os lados.

Em 2002 a população queria mudança e deixou isso claro ao longo de todo o ano eleitoral. Primeiro, ao empinar, nas pesquisas, a candidatura da governadora do Maranhão Roseana Sarney, veleidade que não sobreviveu ao mês de março. Depois veio Ciro Gomes, à época no PPS, abatido depois de um bate-boca radiofônico com um eleitor. Serra, o candidato oficial. Bem que gostaria de ter um enunciado de oposição, mas estava indelevelmente marcado como o candidato do governo do PSDB, o partido do presidente FHC. Era o candidato chapa-branca, apesar da oposição que fez à equipe econômica do governo tucano.

Atualmente ocorre o contrário: todas as pesquisas registram um sentimento na população favorável à continuidade. Serra, por seu turno, dá todos os sinais a seu alcance para mostrar que ele é a melhor opção para dar seguimento ao que está acerto, ajustar desvios e mudar o que está errado. Inclusive governar com gente que está ou já esteve no governo do presidente Lula.

Conceitualmente, Serra estabeleceu os parâmetros de sua campanha de 2010 na formalização de sua pré-candidatura, no discurso-mote "O Brasil Pode Mais". Já no terceiro parágrafo Serra fez um balanço resumidos sobre os avanços ocorridos no país nos últimos 25 anos, desde a retomada do governo pelos civis. "Não foram conquistas de um só homem ou de um só governo, muito menos de um único partido".

Ou seja, Serra situou os governos FHC e Lula num mesmo processo civil que se desenvolve desde a restauração democrática. Mas também José Sarney, Itamar Franco e, porque não dizer, Fernando Collor de Mello. Para o tucano, é possível acomodar "tanto o PT como o PV no governo em função de objetivos comuns, com base no programa". Uma afirmação bonita como discurso, mas improvável na prática. Até agora, as alianças entre os dois partidos têm ocorrido mais em função de relações pessoais ou de interesses regionais localizados.

Serra sempre se gabou de ter uma bancada serrista no PT. É verdade que ele sempre teve bons amigos no partido, alguns, aliás, tucanos na origem. A passagem do tucano pelo Ministério da Saúde também foi de abertura aos segmentos à esquerda do espectro partidário, especialmente os velhos comunas do "Partidão". Serra também assumiu a prefeitura de São Paulo sem olhar para o retrovisor. Nos governos da cidade e do Estado teve - e ainda tem - colaboradores com origem no PT.

Prefeito e governador de São Paulo, o tucano manteve boas relações tanto com Antonio Palocci como com Guido Mantega. Com Palocci, um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, teve conversas frequentes e secretas, inclusive quando o ministro da Fazenda estava às voltas com o caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. No portfólio de amizades tucanas do presidente Lula, os dois primeiros nomes eram Mário Covas (morto em 2002) e José Serra, muito embora o presidente não perca oportunidade para chamá-lo de "chato".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Serra critica BC, Telebrás, Belo Monte, Mercosul...

DEU EM O GLOBO

Tucano diz que política de juros está errada e que PT aparelhou Estado

Após um mês de críticas e elogios ao governo Lula, o pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, adotou ontem discurso abertamente oposicionista. Em entrevista à rádio CBN, criticou o Banco Central e disse que o órgão errou quando não baixou os juros. Atacou a usina de Belo Monte, o Mercosul e a Telebrás. Disse que o PT aparelhou o Estado. Mas que Lula reduziu o clima de terrorismo ao afirmar que nada anormal acontecerá, independentemente do eleito. Depois, contemporizou e disse que é preciso diálogo entre o Planalto e o BC. E que não dá para ter bom humor às 8h, quando ocorreu a entrevista.

Serra: "BC não é a Santa Sé"

Tucano critica política de juros, Mercosul, Petrosal, Telebras, Belo Monte... e elogia Lula

Flávio Freire

SÃO PAULO - Após um mês de pré-campanha em que dosava críticas com elogios ao governo Lula, o précandidato tucano à Presidência, José Serra, ontem deixou aflorar mais os ataques, indicando diversas mudanças que faria no governo, caso eleito. Em entrevista à rádio CBN, ele mostrou desconforto ao falar sobre se manteria ou não a autonomia do Banco Central e até foi ríspido com a colunista Míriam Leitão, da equipe de entrevistadores.

Mais tarde, o notívago Serra tentou justificar dizendo que não podia estar de bom humor às 8h da manhã, hora da entrevista.

Além do BC que não baixou os juros quando devia, na opinião dele , o tucano criticou o aparelhamento do Estado pelo PT; o processo de construção de Belo Monte; o Mercosul; e a Telebras, entre outros programas do governo. Ao mesmo tempo, destacou que respeitará a decisão do Congresso quanto ao aumento das aposentadorias acima do mínimo e disse que o presidente Lula reduziu o clima de terrorismo ao afirmar que nada de anormal acontecerá no país, independentemente de quem seja eleito.

Sobre o BC, Serra disse que a instituição não é infalível e que o presidente da República tem, sim, o direito de se posicionar caso o comando do banco cometa erros calamitosos. O BC não é a Santa Sé, disse, irritado, defendendo o direito de o presidente manifestar sua opinião e negando que isso fira a autonomia do BC.

O tucano não gostou de uma pergunta sobre a especulação de que mudaria os rumos das políticas monetária e fiscal, assim como a hipótese de que poderia assumir também a presidência do BC. Perguntado sobre o que faria se percebesse equívocos em decisões do BC, Serra se alterou: Espera um pouquinho. O Banco Central não é a Santa Sé. Você acha isso, sinceramente, que o Banco Central nunca erra? Tenha paciência.

Agora, quem acha que o Banco Central erra é contra dar condições de autonomia e trabalho ao Banco Central? Claro que não. Agora, de repente, monta-se um grupo que é acima do bem e do mal, que é o dono da verdade, e que... e qualquer criticazinha já vem algum jornalista, já vem o outro, e ficam nervosinhos por causa disso disse ele, em resposta a Míriam.

(Leia a íntegra ao lado) Serra disse que é preciso dar tranquilidade ao pessoal do Banco Central, mas ponderou: Se houver erros calamitosos, que são perfeitamente possíveis de diagnosticar, acho que o presidente tem de (fazer) sentir sua posição, como aliás o atual governo fez e o governo do Fernando Henrique fazia, sem que isso causasse qualquer estresse ou ataque de nervosismo.

Para Serra, o Banco Central errou quando não baixou os juros durante a crise financeira internacional.

Quando as condições para baixar os juros são boas, como foi na crise, e o Brasil foi o último do mundo inteiro (a baixar), apesar que a crise aqui não foi tão grave. Não baixar os juros num contexto em que não tinha inflação, tinha deflação até, simplesmente foi um erro. A mesa da economia brasileira, eu ajudei a erguer, estava no chão, e todo mundo sabe que não vou virar a mesa (se eleito) disse Serra, defendendo o tripé câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal.

A seguir, trechos da entrevista do tucano, que abriu a série da CBN com os pré-candidatos a presidente.

Na próxima segunda-feira será a vez de Dilma Rousseff, do PT.

MERCOSUL: Acho que o Mercosul tem de ser reformado. Foram fixadas metas muito ambiciosas. Acho importante salvar o Mercosul. Temos de reforçar o livre comércio. Há uma zona de livre comércio e você não consegue vender. Essas reuniões de presidentes parecem mais um espetáculo sem nenhum avanço concreto. Ele precisa ser reformado para ser fortalecido.

APARELHAMENTO DO ESTADO: É inegável que o governo, quando está o PT, aparelha com toda a militância, desvirtuando as funções governamentais, que não são de fortalecer um partido, mas de servir ao interesse público. Não é minha característica fazer aparelhamento partidário. Partido, a gente tem respeito, disputa eleição, para, na hora de governar, você governar para todos e todas, e com todos e todas que forem bons.

LOTEAMENTO: Não vou lotear. Nem para a base aliada. Você trabalha com o Congresso com base nas emendas orçamentárias. Ao contrário do que se diz, deputado estadual, federal, senador, quando faz emendas, mais de 90% das emendas são boas, porque o sujeito quer ser eleito. Outra coisa é se o dinheiro é mau usado, então tem de ter mecanismos para isso. Fui prefeito, governador, ministro e nunca deixei parlamentares indicarem diretores de empresas. A responsabilidade é do chefe, do governador, do prefeito ou do presidente. Se não fizer isso, você está aparelhando. Por que você pega alguém na área de telecomunicação só porque é de um partido? Não tem cabimento isso.

PSDB PRIVATISTA: Isso é trololó. Não pretendo privatizar nada. Isso é jogo de oposição em período eleitoral.

PETROSAL: Você tem grande potencial nessa área, e mudou-se o modelo, o de construir uma empresa. Creio que poderia ter ficado a Petrobras mesmo ou a Agência Nacional de Petróleo. Talvez não fosse necessária essa estatal, que o governo apresenta como algo enxuto, que não vai inchar mais, que será eficiente. Mas tenho dúvida a esse respeito. Mesmo mudando o modelo, como o governo quer, não seria necessário criar outra empresa, dadas as empresas já existentes.

ROYALTIES: Acho, em primeiro lugar, que os royalties do pré-sal que ainda virão devem ficar ligados a investimentos para que o país possa crescer em função disso e aproveitar bem. Os royalties que vierem devem ser ligados a investimentos para beneficiar o conjunto do Brasil, mas devem ser mantidos no caso do Rio e do Espírito Santo, ou então você liquida esses estados. Fora que é tradição no mundo inteiro que os estados produtores tenham mais royalties. Estão vivendo disso (...), têm de receber mais como produtores, assim como Minas deve receber mais com minério. Eu não desfalcaria Rio e Espírito Santo. Pelo projeto de lei, tiraria de um dia para outro os royalties do Rio e do Espírito Santo, isso seria uma tragédia, me opus desde o primeiro momento a isso.

TELEBRAS/BANDA LARGA: Quando eu era governador, criamos uma empresa de turismo. Se é uma coisa essencial (a volta da Telebras), tudo bem. No caso dessa nova estatal, a finalidade é boa, mas é preciso ver se é a melhor maneira de oferecer internet de banda larga, com menor preço, mais concorrência e também boa velocidade, porque os planos dessa empresa são apresentados abaixo do padrão mundial, então tem que ver se é o melhor caminho. Acho que devia ter um debate melhor, porque o governo criar empresa no ano que vem com gasto de R$ 16 bilhões, com tantos problemas no Brasil, é preciso mesmo ver se é a melhor opção.

BELO MONTE: Belo Monte é importante, mas é errado tocar do jeito que está sendo tocado, sem se discutir as questões ambientais, as questões econômicas. Há muita coisa no ar. Se o governo quer fazer, precisaria convencer a sociedade das vantagens que essa usina apresenta. Em última análise, vai investir bilhões com dinheiro do contribuinte. O próximo governo tem de dar importância imensa ao tema.

BOLSA FAMÍLIA: Assistencialista ou não, o Bolsa Família deve ser mantido. Mas deve ser fortalecido com vínculo nas questões de educação e saúde.

PREVIDÊNCIA: O sistema da Previdência, em seu conjunto, tem déficit. Não há dúvidas de que os aposentados estão em situação de atraso no Brasil. Mas o ministro (Guido) Mantega é sério, e o presidente Lula é sensível, e vou respeitar a decisão que o Congresso tomar. Mas a reforma da Previdência tem que eliminar privilégios e corrigir injustiças.

ESQUERDA OU DIREITA?: Do ponto da análise convencional, do que é direita, esquerda, sim (sou de esquerda). Defendo um projeto de desenvolvimento nacional, defendo um governo forte. Não obeso, mas musculoso. Defendo os mecanismos de justiça social, vou estar comprometido até o fundo da alma com os trabalhadores e os desamparados, é ser aliado de empresas que gerem empregos.

ENTREVISTA DE LULA AO EL PAÍS: O Lula disse que qualquer um que ganhar, não vai ter nada de anormal. Isso é importante porque tem quase um clima de terrorismo, de que, se alguém da oposição ganhar, o país perderia. Isso mostra que o Lula não está tão preocupado como se imagina se ganhar um outro candidato.

A discussão na rádio CBN

DEU EM O GLOBO

Durante a entrevista, Serra se irritou com uma pergunta da colunista Míriam Leitão. Ele acabou dizendo que o Banco Central não é a Santa Sé, no sentido de que não é intocável. Não foi um bom momento para o candidato: além da irritação que mostrou com a pergunta, a Igreja Católica vive uma de suas piores crises, com denúncias de pedofilia no mundo todo. A seguir, o trecho da entrevista:

MÍRIAM LEITÃO: A grande dúvida na economia é se o senhor vai respeitar a autonomia do Banco Central. O senador Sérgio Guerra já disse que o senhor mudaria a política cambial e monetária, depois tentou se explicar, mas ficou essa dúvida no ar. A dúvida também é por declarações suas feitas no passado e por declarações feitas agora também. A sensação que se tem é que, se por acaso o senhor for eleito, vai ser também o presidente do BC. Queria saber isso.

JOSÉ SERRA: É brincadeira (dizer) que eu, eleito presidente da República, vou ser presidente do BC. É preciso não me conhecer. Quem faz um rumor assim é (por) falta de assunto, desejo de criar outros problemas.

MÍRIAM: O senhor respeitará a autonomia do BC?

JOSÉ SERRA: A questão dos juros, a questão do câmbio... Ninguém, em sã consciência, pode defender a posição de que, quando há condições para baixar a taxa de juros, o BC não baixa, (e que isso) está certo. Isso não significa infalibilidade. A questão do tripé famoso que veio do governo passado que, se não me engano, fui eu até que apelidei de tripé (câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação) veio para ficar. Não baixar os juros num contexto em que não tinha inflação simplesmente foi um erro. As pessoas que conhecem melhor, mesmo dentro do mercado financeiro, sabem disso. Agora, se alguém se assusta porque eu acho que a taxa de juros deve cair quando a inflação está caindo, quando tem quase deflação, é porque tem uma posição muito surpreendente do ponto de vista dos interesses do Brasil. Por outro lado, a mesa da economia brasileira, que estava no chão, eu ajudei a erguer. Todo mundo que me conhece sabe que eu não vou virar a mesa coisa nenhuma.

MÍRIAM LEITÃO: Mas a dúvida é exatamente esta. Quando o senhor fala que foi um erro do BC, se por acaso o senhor for presidente ...

SERRA: Espera um pouquinho.

MÍRIAM: Deixa eu completar a minha pergunta.

SERRA: Espera um pouquinho. O Banco Central não é a Santa Sé. Você acha isso, sinceramente, que o Banco Central nunca erra? Tenha paciência.

MÍRIAM: Governador, deixa eu fazer a minha pergunta.

SERRA: Agora, quem acha que o Banco Central erra é contra dar condições de autonomia e trabalho ao Banco Central? Claro que não. Agora, de repente, monta-se um grupo que é acima do bem e do mal, que é o dono da verdade... e qualquer criticazinha já vem algum jornalista, já vem o outro, e ficam nervosinhos por causa disso. Não é assim. Eu conheço economia, sou responsável, fundamento todas as coisas que penso a esse respeito. E, a esse propósito, você e o pessoal do sistema financeiro podem ficar absolutamente tranquilos que não vai ter nenhuma virada de mesa.

MÍRIAM: Governador, deixa eu fazer a minha pergunta que eu não consegui completar. A questão não é se o BC é infalível; ninguém é. Mas se o senhor, quando se deparar com um erro do BC, caso seja presidente, ficará apenas com sua opinião ou vai interferir. A questão não é a taxa de juros.

SERRA: Imagina, Míriam, o que é isso? Mas que bobagem. O que você está dizendo, você vai me perdoar, é uma grande bobagem. Você vê o BC errando e fala: Não, eu não posso falar porque são sacerdotes. Eles têm algum talento, alguma coisa divina, mesmo sem terem sido eleitos, alguma coisa divina, alguma coisa secreta tal que você não pode nem falar: Ó, pessoal, vocês estão errados. Tenha paciência.

Depois da polêmica, Serra fala em 'sintonia e diálogo' entre BC e Planalto

DEU EM O GLOBO

"Quem escolhe o presidente do banco e sua diretoria é o presidente da República"

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. Em visita à Feira Internacional de Supermercadistas, na Zona Norte da capital, o pré-candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, buscou detalhar sua posição em relação à autonomia do Banco Central (BC) e à queda nas taxas de juros, explicitada mais cedo em entrevista à rádio CBN. Serra afirmou que é possível calibrar melhor as taxas de juros se houver mais sintonia e diálogo entre o Planalto e o BC. E, para ele, a sintonia é possível quando o presidente do BC é indicado pelo presidente da República, bem como a diretoria do banco.

Sem citar nomes, Serra dá uma sutil alfinetada na relação entre Henrique Meirelles, que, desde janeiro de 2003, é presidente do BC por decisão do presidente Lula. Os críticos do governo afirmam que Lula foi obrigado a buscar na oposição Meirelles foi eleito em 2002 deputado federal por Goiás pelo PSDB, filiando-se mais tarde ao PMDB e na ortodoxia ele se aposentou em 2002 após carreira no Bank of Boston um nome que acalmasse o mercado, temeroso de uma mudança radical na economia. No governo de Fernando Henrique Cardoso, Serra era um dos maiores críticos da política de juros elevados de Pedro Malan e Gustavo Franco, que presidiram o BC.

Quem escolhe o presidente do BC e sua diretoria é o presidente da República. Então, ele vai escolher alguém que tenha uma razoável proximidade. Não vejo relação conflituosa nisso. O BC deve ter autonomia para seu trabalho, mas dentro de certos parâmetros, que são os interesses para a estabilidade de preços e o desenvolvimento da economia nacional disse ele.

Juros mais altos do mundo

O pré-candidato tucano afirmou considerar que o BC trabalha direito, mas que precisa ter um acompanhamento. E que isso acontece em todos os países, sem sobressaltos.

O cargo de presidente do BC é de confiança do presidente da República, o que é uma premissa de diálogo permanente.

Nós vamos fazer uma gestão eficiente, voltada para os interesses nacionais, sem sobressaltos.

disse, explicando como o governo faria para baixar os juros, considerados por ele os mais altos do mundo, entra governo e sai governo, independentemente das decisões do BC.

Ainda assim, Serra deixou no ar que o BC precisa de reformas se quiser ser mais independente.

O modelo de independência Federal Reserve (FED, o Banco Central dos EUA) implicaria profunda reforma das funções do BC do Brasil. Por exemplo: por que aqui a fiscalização dos bancos é dentro do BC? Lá, o presidente do FED tem interlocução constante com o governo, o Ministério das finanças disse, reafirmando que não considera o BC brasileiro a Santa Sé.

Perguntado se havia se irritado com a pergunta sobre o BC, feita na manhã de ontem pela colunista do GLOBO Míriam Leitão, Serra minimizou a polêmica e culpou o horário pelo episódio:
Não fiquei incomodado. É que a entrevista aconteceu de manhã, quanto até o tom de voz da gente muda. Sou grande admirador da Míriam Leitão, leio sua coluna todo dia, mas o que vocês querem? Que às 8h da manhã eu chegue sorrindo como eu chego aqui?

Crítica era esperada, diz economista

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. Economistas ligados ao mercado financeiro disseram achar natural que a discussão sobre a taxa de juros seja combustível para debates entre os candidatos à Presidência.

Ontem, o tucano José Serra criticou a política de juros do BC e afirmou que a equipe econômica do governo errou ao manter os juros elevados durante a crise de 2009.

O economista-chefe do HSBC, André Loes, disse que o mercado financeiro fica muito preocupado toda vez que um candidato deixa incertezas sobre a independência do Banco Central. No entanto, a indicação do presidente da entidade e de sua diretoria pelo novo presidente já indica certa interferência na política monetária.

Temos que nos preparar, pois as discussões em torno da taxa de juro serão frequentes entre os candidatos. E o mercado tem que entender que só a indicação do novo presidente para a direção do BC já mostra um grau de interferência diz Loes.

Sérgio Vale, economistachefe da MB Associados, diz que as críticas do tucano eram esperadas, mas explica que a inflação brasileira ainda é indexada e que segura a queda da Selic.

Não é novidade que José Serra é contra a política do BC em relação à taxa de juro e ao câmbio.

Concordamos que a taxa de juro é alta, e o câmbio, baixo. Agora, a questão é encontrar uma fórmula para mudar isso sem provocar uma reação negativa do mercado. A inflação ainda é muito indexada, e isso dificulta a trajetória de queda da taxa de juro.

Crítica de Serra ao BC expõe divergência com adversárias

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em discussão ríspida no rádio, tucano defende que presidente "tem de fazer sentir sua posição"

Dilma elogia "agilidade, competência e precisão" da instituição no governo Lula; Marina também aprova autonomia do BC brasileiro

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO

Os três principais pré-candidatos à Presidência revelaram ontem divergências sobre o grau de autonomia que o Banco Central teria em seus governos.

O tema veio à tona depois de uma declaração de José Serra (PSDB), que pela manhã defendeu que "o presidente da República tem que fazer sentir sua posição" se houver "erros calamitosos" na condução da política monetária do país.

Apesar de o tucano ter declarado ser favorável à autonomia do BC, suas principais adversárias, Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), aproveitaram a frase para tentar se contrapor ao tucano, defendendo a autonomia da instituição e sua atuação na crise mundial -que havia sido criticada por Serra.

Na entrevista matinal, à rádio CBN, Serra mais uma vez negou que vá ocorrer "virada de mesa" na economia caso ele seja eleito, mas afirmou que o BC não está "acima do bem e do mal". Para o tucano, "o Banco Central não é a Santa Sé".

O pré-candidato do PSDB chegou a ter uma discussão ríspida sobre o assunto com a colunista Míriam Leitão. Ao participar da entrevista por telefone, ela perguntou se o tucano respeitaria a autonomia do BC ou se presidiria também a instituição se vencesse a eleição.

Serra disse que a suposição era "brincadeira" e afirmou que "o tripé câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e meta de inflação veio para ficar".

Mas rebateu: "Você acha isso, sinceramente, que o BC nunca erra? Tenha paciência".

Questionado se interviria ao se deparar com um erro do BC, Serra interrompeu. "O que você está dizendo, vai me perdoar, é uma grande bobagem. Você vê o BC errando e diz: "Não posso falar porque são sacerdotes, eles têm algum talento, alguma coisa divina, mesmo sem terem sido eleitos, alguma coisa divina, alguma coisa secreta, e você não pode nem falar "pessoal, vocês estão errados".

À tarde, voltou ao assunto e disse defender a autonomia do BC "dentro de certos parâmetros, que são os interesses da estabilidade de preços e do desenvolvimento da economia". Afirmou ser "um grande admirador" da jornalista e negou ter ficado incomodado com as perguntas. "Eram 8h, o que vocês querem? Que eu chegue sorrindo como chego aqui?", disse, às 17h, o notívago pré-candidato.

Dilma e Marina

Poucas horas depois da primeira entrevista de Serra, Dilma defendeu, no Rio, o que chamou de "agilidade, competência e precisão" da gestão do BC no governo Lula. "Relações institucionais têm que se pautar pela maior tranquilidade possível, pela serenidade. Sempre tivemos uma relação muito tranquila com o Banco Central, de muito pouca turbulência, de muito pouca confusão", disse.

Marina foi na mesma linha e defendeu tanto a autonomia do BC quanto sua atuação durante a crise. "A experiência brasileira mostra que foi acertada a autonomia do BC. É uma autonomia não institucionalizada." (CÁTIA SEABRA, BRENO COSTA, BERNARDO MELLO FRANCO, PLÍNIO FRAGA e SERGIO TORRES)

Dilma e Marina rebatem críticas de tucano ao BC

DEU EM O GLOBO

"Não é terrorismo acharmos que quem representa a continuidade somos nós", diz a petista

RIO e SÃO PAULO. A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, rebateu de imediato as críticas ao Banco Central (BC), feitas ontem de manhã por seu adversário, o précandidato presidencial do PSDB, José Serra. E, em seguida, refutou a afirmação de Serra de que a campanha dela se baseia em terrorismo eleitoral, por sugerir que quem votar nele estaria apoiando alguém que quer levar o país a um retrocesso.

Dilma afirmou que o BC teve vários acertos nos últimos anos, em especial na condução da política monetária durante a crise internacional: Não vou deixar de reconhecer a quantidade de acertos que o BC teve no enfrentamento da crise. Na forma como liberou o crédito, inclusive quanto do financiamento de nossos exportadores, quando o mercado internacional de crédito teve aquele imenso choque disse ela, em entrevista no Rio.

Perguntada sobre o fato de Serra ter dito que ela e o PT fazem terrorismo eleitoral, rebateu: A continuidade do presidente Lula nós defendemos. Eu encaro. Integrei o governo, coordenei os programas do governo.

Participei de cada uma das suas etapas. Participei diretamente de todos os projetos. Parte de cada um deles é meu trabalho.

Então, não tem terrorismo nenhum em acharmos que quem representa melhor a continuidade somos nós. Essa é uma questão que tem de ser colocada à população, mostrando quem representa melhor a continuidade do governo Lula.

Para Marina, inflação não é boa para ninguém A pré-candidata do PV à Presidência, senadora Marina Silva, rebateu a posição de Serra sobre o BC, dizendo que a autonomia da instituição foi um dos motivos pelos quais o Brasil não foi muito atingido pela crise internacional no ano passado, diferentemente de outros países.

Serra disse que o BC também erra e não é a Santa Sé.

A experiência brasileira mostra que foi acertada a autonomia do Banco Central. É uma autonomia não institucionalizada.

E a não institucionalização é boa para evitar o que ocorreu recentemente na Argentina.

Foram exatamente esses instrumentos de política econômica, como o superávit primário, o câmbio flutuante e as metas de controle de inflação, que fizeram a gente sobreviver durante a crise. A inflação não é boa para ninguém, principalmente para os mais pobres disse a presidenciável.

Já para o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, Serra só disse que o presidente da República tem o direito de fazer sentir sua posição caso o órgão cometa algum equívoco porque é candidato.

Candidato pode dizer tudo.

(Serra) Disse que vai acabar com o Mercosul e depois mudou a opinião afirmou o petista, depois de participar de um debate com o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), na sede do jornal O Estado de S. Paulo.

O presidente do PT disse que a declaração do tucano é apenas discurso: Duvido que ele faria isso (manifestar descontentamento com decisões do BC caso seja eleito), mas a gente não vai ter como comprovar porque ele não vai ganhar a a eleição.

Perguntado sobre a declaração de Serra de que o Banco Central deveria ter baixado os juros durante a crise econômica, Dutra colocou em dúvida a política monetária em um eventual governo do PSDB: Será que ele, se for o presidente da República, vai forçar então a decisão de juros para baixo ou para cima de forma artificial?

Dilma agora renega discurso que já foi dela

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Valdo Cruz

BRASÍLIA - Enquanto Dilma Rousseff esconde seu pensamento recente, José Serra revela o que estava evitando expressar até aqui. Assim poderíamos traduzir o que os dois principais pré-candidatos à Presidência disseram ontem sobre a autonomia do Banco Central.Em outras palavras, na busca de ressaltar diferenças entre as candidaturas, Dilma renega hoje um discurso que, durante seu período de governo, em tudo parecia com o que Serra externou ontem durante entrevista à rádio CBN.

Nos bastidores do governo Lula, a então ministra da Casa Civil não poupava de críticas a política monetária do presidente do BC, Henrique Meirelles. Dependesse apenas dela, por sinal, Meirelles poderia estar fora do governo.

Ao vestir a pele de candidata, contudo, Dilma foi aconselhada a amenizar seu tom crítico em relação ao BC. É o que vem demonstrando quando fala no assunto, num recado endereçado ao mercado financeiro e ao eleitorado, na busca de se diferenciar do tucano.

O ex-governador paulista, do seu lado, até pouco tempo evitava falar de economia e orientava sua equipe a ficar muda sobre o assunto. De olho na informação de que o mercado o enxerga tão ou mais intervencionista do que o presidente Lula e a sua candidata.

Entre analistas do mercado financeiro, a opinião é que Serra representa um risco maior do que Dilma. Ela seria mais confiável por ser criatura do presidente Lula e ter a seu lado o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

O detalhe é que, se o tucano assusta o mercado financeiro, seu tom mais crítico em relação ao BC agrada em cheio ao setor produtivo. Não por outro motivo, nas enquetes realizadas até aqui, esse setor da economia demonstra gratidão enorme a Lula, mas declara seu voto, por enquanto, no tucano Serra.

A ''multi-ideologia'' de Lula:: Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A entrevista do presidente Lula que o prestigioso jornal madrilenho El País publicou domingo é uma das mais reveladoras, em tempos recentes, da mentalidade do mais popular líder político da história brasileira. Trata-se de algo próximo a uma proeza, dados os depoimentos literalmente inumeráveis (e cambiantes) que ele já deu sobre si mesmo, e a sua inesgotável capacidade de entrelaçar, em cada pronunciamento, ou às vezes sentença a sentença, raciocínios que desafiam a compreensão - a chamada "quase-lógica", na já clássica formulação da cientista política Luciana Fernandes Veiga - com manifestações de evidente sensatez.

Amostra dessa última faceta, na sua mais recente entrevista, é a sua visão do que deverá necessariamente nortear as decisões do seu sucessor em relação ao que mais interessa ao Brasil - os fundamentos da política econômica. "Ganhe quem ganhar, ninguém fará nenhum disparate", previu (ou exortou), com o cuidado de acrescentar que está seguro da vitória da candidata Dilma Rousseff. E, para explicar a sua profecia, condicionou a elevação do País na hierarquia global ao bom senso do futuro governante. "Se o Brasil mantiver nos próximos 5 anos (a rigor, deveria ter dito 4 anos) a seriedade nas políticas fiscal e monetária, nos investimentos e no controle da inflação", prognosticou, "tem tudo para se transformar numa potência respeitada no mundo."

Nessa frente, Lula pode não fazer a coisa certa - a julgar pelo PAC, faltou "seriedade", por exemplo, na política de investimentos, como está faltando agora na política fiscal -, mas, para sorte do interesse nacional, ele aprendeu qual é a coisa certa. Em outras frentes, o caso é mais complicado, e Lula frequentemente se entrega a exercícios de contorcionismo verbal ou se agarra ao salva-vidas das metáforas para se explicar. A boia mais robusta a que se abraçou talvez seja a "metamorfose ambulante" que tomou emprestada de Raul Seixas para dissolver as aparentes contradições de sua trajetória. Aparentes, decerto, porque por baixo das barbas do carbonário de outrora, que proclamava que "hoje não tô bom" e era preciso "mudar tudo isso que está aí", sempre bateu um coração conciliador.

As contas que não fecham nas declarações do presidente lembram a proverbial quadratura do círculo, ao traduzir um constante esforço de racionalização das escolhas feitas pelo ex-operário que repetiu ao El País a confissão de que, em 27 anos, nunca se sentiu à vontade de macacão, mas lhe bastaram 2 meses para se acostumar ao que chamou "bonita prenda" ? a gravata. Com essa evocação, Lula inadvertidamente produziu um dos mais sucintos e límpidos retratos de que se tem notícia da aspiração do povo brasileiro a uma vida melhor, no marco das oportunidades abertas pela economia de mercado - alheio à pregação socialista do PT dos tempos carrancudos. Também pudera: ninguém mais do que o próprio Lula encarna o vigor da mobilidade social brasileira.

A última dele, a propósito, na mesma entrevista e na mesma clave autojustificadora, foi dizer que o advento do socialismo no País passa pela consolidação do capitalismo. "Primeiro construir o capitalismo, depois fazer o socialismo", ensinou, vangloriando-se de suas ações na primeira etapa da obra. Às vezes, na tentativa de dar nó em pingo d"água, Lula se desavém com as palavras. No afã de explicar o seu imitigado pragmatismo para chegar e ficar no poder, ele disse, no ano passado, que, "se Jesus Cristo viesse para cá, teria de chamar Judas para fazer coalizão". Agora, tentou ser mais refinado. "No exercício do poder", ensaiou, "sou um cidadão, como diria, multinacional, multi-ideológico, não?"

É certo que ele não falava da política interna, mas dos seus deveres de presidente diante de outros líderes nacionais. "Um chefe de Estado não é uma pessoa, é uma instituição, não tem vontade própria” -, deixou-se levar. Não é bem assim, evidentemente, mas o que importa é que essa "multi-ideologia" ditada por razões de Estado é uma precária justificativa para as alianças que Lula celebrou no âmbito interno com quem quer que se dispusesse a negociar apoio e valesse a pena - qualquer que fosse, não a sua ideologia, mas o seu prontuário.

FH diz que Lula indicou Dilma no 'dedaço

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. A indicação da ex-ministra Dilma Rousseff como candidata à Presidência foi feita pelo presidente Lula com um dedaço, segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ele fez a afirmação em uma entrevista descontraída com direito até a uma imitação do jeito de Lula falar dada ao programa É notícia, no domingo à noite, na RedeTV!.

De alguma maneira, ele (Lula) ficou muito maior do que o PT e ele destruiu o PT. Ele escolheu a Dilma como? No dedaço disse FH, lembrando o modo como os políticos mexicanos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) agiam na sucessão presidencial do país: É ou não é autoritário isso? (A escolha) Não passou pelo crivo de ninguém. Nem pelas conversas.

O tucano também citou a inexperiência de Dilma em um papel de liderança.

Ela tem uma história política também. Mas não foi líder.

Nunca apareceu publicamente.

Pode ter sido até boa lá dentro.

Mas não é isso que o povo quer.

Quer sentir que tem alguém que transmite algo, que pode pegar o leme e levar para diante.

FH previu dificuldades para Serra, se ele vencer, por achar que o governo não tem tomado medidas para conter gastos públicos e regular o câmbio.

Depois da tempestade...

DEU EM O GLOBO

Socorro histórico para blindar países do euro faz bolsas dispararem. Dólar despenca no Brasil

Bruno Villas Bôas*

RIO, NOVA YORK e BRUXELAS - O anúncio do pacote de C 750 bilhões (US$ 975 bilhões) costurado ontem em tensa reunião de 14 horas dos ministros de Finanças da União Europeia (UE), para conter o risco de um contágio da crise fiscal da Grécia, levou euforia aos mercados mundiais, após quatro dias de quedas. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acompanhou e subiu 4,11%, aos 65.452 pontos, pelo Ibovespa, seu principal índice. Foi a maior alta desde 29 de outubro do ano passado, quando os EUA saíram da recessão. Em Wall Street, o Dow Jones subiu 3,9%, para 10.785,14 pontos, a maior alta desde março de 2009; o Nasdaq avançou 4,8%, para 2.374,67 pontos; e o S&P 500, 4,4%, para 1.159,73 pontos. No Brasil, o dólar comercial que na última semana havia subido 6,5% recuou 3,99%, negociado a R$ 1,777.

A UE e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estabeleceram um pacote de quase US$ 1 trilhão para apoiar os países europeus ameaçados de contágio pela crise fiscal da Grécia, especialmente Portugal e Espanha.

Além disso, o Banco Central Europeu (BCE) concordou em comprar títulos soberanos da dívida desses países, cujos prêmios cobrados pelos mercados estavam dificultando a rolagem dos débitos, o que provocou temores de calote. Em contrapartida, Portugal e Espanha anunciaram medidas de austeridade ainda mais severas do que haviam proposto anteriormente.

A ajuda acabou superando as expectativas dos analistas e sinalizou que as autoridades europeias, enfim, estão agindo para blindar o euro e proteger suas economias. O presidente americano, Barack Obama, que havia conversado no domingo com a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, parabenizou ontem as autoridades europeias pelo acordo, afirmando em nota que apoia as medidas.

O mercado está dando um grande suspiro de alívio, com as medidas agressivas da UE avaliou Alan Gayle, estrategista sênior de Investimentos do Ridge Worth Investments, em Richmond.

Em outra medida voltada para reforçar o sistema financeiro europeu, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reativou um programa de 2008, voltado para ajudar a financiar os bancos centrais da UE. O Banco da Inglaterra, o BCE e os bancos centrais de Canadá, Suíça e Japão também participam do esforço.

Alta na Bovespa foi generalizada

Na Europa, a alta das bolsas bateu recorde. Madri, por exemplo, subiu 14,43%, o maior ganho de sua história.

Paris avançou 9,66%. Londres e Frankfurt cresceram 5,16% e 5,3%, respectivamente. Em Milão, a alta foi de 11,28%; em Lisboa, 10,73%; e em Atenas, 9,13%. Na Ásia, Tóquio avançou 1,6%; Hong Kong, 2,54%; Xangai, 0,39%; Taiwan, 1,29%; Seul, 1,83%, Cingapura, 2,1%; e Sydney, 2,66%.

No Ibovespa, os ganhos ontem foram generalizados: 60 ações das 63 que compõem o índice fecharam em alta. O Ibovespa não subiu mais porque as ações da Petrobras não permitiram, ainda afetadas pela incertezas em relação à capitalização da companhia. Os papéis PN (preferenciais, mais líquidos e com bastante peso no índice) tiveram alta de 1,34%, muito abaixo dos ganhos da Vale PNA (4,63%), por exemplo, que movimentou sozinha R$ 1 bilhão.

Muita gente aproveitou para comprar ações mais baratas. Fundos também voltaram e houve um efeito manada, após a forte queda da semana passada disse Eduardo Oliveira, da Um Investimentos.

Mesmo com a alta, o Ibovespa ainda não zerou as perdas da semana passada. Para isso, precisa subir mais 3,17%. Este ano, o índice ainda acumula uma queda de 4,57%. Pedro Galdi, da SLW, diz que o pacote dá fôlego ao mercado a curto prazo: Os investidores estrangeiros estão voltando à Bolsa. E o mercado, sabendo que o socorro está dado, deve voltar a olhar para números da economia brasileira e americana, além de resultados corporativos. Esses dados ficaram de lado na semana passada.

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central (BC) e sócio da Mauá Investimentos, afirma que o pacote europeu torna mais difícil um contágio da crise no Brasil, embora ainda existam riscos. Ele prevê que a Bovespa e o dólar continuarão voláteis.

O pacote foi muito completo e reduz drasticamente o risco financeiro e de contágio, mas não resolve o problema real que é um alto endividamento associado a políticas fiscais negligentes por vários países, como Grécia, Portugal, Espanha diz ele.

Já Sidnei Nehme, da NGO Corretora de Câmbio, afirma que os bancos brasileiros ganharam muito com a queda do dólar ontem. Ao contrário do que apontou a maioria dos analistas, Nehme afirma que os grandes bancos ajudaram a puxar a alta do dólar na semana passada, realizando operações de compra e venda entre eles, ao mesmo tempo em que apostavam contra a moeda no mercado futuro.

Os bancos ganharam algo como US$ 300 milhões com a queda do dólar ontem. Quem perdeu foram os fundos multimercados afirma.

Segundo ele, os bancos brasileiros estavam vendidos (no jargão do mercado, apostando na queda do dólar) em US$ 5,9 bilhões na última sexta-feira, enquanto os multimercados estavam comprados (apostando na valorização do dólar) nos mesmos US$ 5,9 bilhões.

Ontem, o real foi uma das moedas que mais avançaram em relação ao dólar. A moeda recuou menos frente ao euro (-0,26%), dólar australiano (1,61%) e libra (-0,28%), segundo dados da Bloomberg.

(*) Com agências internacionais

Presente de grego:: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O mercado financeiro se acalmou nesta segunda- feira com as medidas anunciadas no final de semana. A União Europeia anunciou a criação de um fundo de estabilização financeira de 750 bilhões. E mais importante, o Banco Central Europeu recuou de sua posição de não comprar papéis de dívida de países europeus excessivamente endividados. Passou a acompanhar as decisões dos bancos centrais dos Estados Unidos (FED), do Canadá, da Inglaterra e da Suíça de injetar liquidez para evitar a repetição de pânico financeiro que ocorreu em 2008 com a falência do Lehman Brothers.

Essa decisão de monetização dos títulos de dívida pública, que não depende de aprovação dos parlamentos, tem eficácia imediata e deverá acalmar o mercado financeiro por hora. No último dia 5 de Maio, a situação era tão grave que avizinhávamos uma situação similar a uma corrida bancária, em que os intermediários financeiros paralisam as operações empréstimos com corrida generalizada para ativos líquidos e considerados mais seguros, particularmente, o dólar e títulos do Tesouro Americano. Daí a decisão dos bancos centrais de intervir para evitar o pior.

Essa crise desencadeada pelos excessos de endividamento da Grécia deverá ter novos desdobramentos e não há nenhuma segurança de que as medidas anunciadas no final de semana serão suficientes para acalmar os ânimos do mercado financeiro global. É inevitável que a atual crise não tenha repercussões sobre o Brasil.

Enquanto as autoridades governamentais não enfrentarem o problema da falta de regulamentação dos mercados financeiros, novos desdobramentos serão inevitáveis.

Qualquer que seja a forma da nova regulamentação será um processo penoso para os países e instituições com alto endividamento, pois a solução passará inevitavelmente pela clássica solução do problema de endividamento que é a dupla transferência de renda interna e externa. No caso desses países, o problema será maior pois ao adotarem o euro, abriram mão da taxa de câmbio e da depreciação como mecanismo de correção dos déficits em transações correntes e da emissão de moeda para saldar a dívida pública.

A nova regulação financeira passará também pelo aumento dos requisitos de capital e de liquidez das instituições financeiras e por uma desalavancagem generalizada do sistema financeiro, isto é, num ambiente de taxa real de juros mais elevada e de menor liquidez. É neste contexto pós-crise financeira que os países e instituições devedoras terão que pagar as suas dívidas.

As decisões tomadas neste final de semana não representam uma solução para a dívida da Grécia, nem dos demais países, mas que os investidores e especuladores começaram a rejeitar estas dívidas, que até agora lhes renderam polpudas comissões e juros, provocando sua desvalorização. Para evitar um círculo vicioso de quebras financeiras estão, a partir de agora, sendo transferidas dos balanços dos bancos, das instituições financeiras e dos investidores privados, para o balanço dos bancos centrais e tesouro nacional. Ou seja, países com gestão fiscal responsável e que fizeram ajustes estruturais na sua economia tornando-a competitiva, contendo os salários reais e os preços, como a Alemanha, é que passarão a ser financiadores e detentores da maior parte das dívidas assumidas por países que se endividaram muito acima das suas possibilidades.

Que impactos a crise da Grécia terá sobre o Brasil? De imediato, já tivemos, na semana passada, um ensaio do que poderá acontecer se a crise se agravar: o canal de transmissão imediata e de maior impacto é o da conta de movimentos de capitais do exterior. Houve uma pequena parada súbita nos fluxos de capitais do exterior, com os bancos e empresas brasileiras paralisando captações no exterior. Tivemos também uma pequena saída de capitais fazendo com que as cotações da bolsa de valores tivessem quedas.

Obviamente o real sofreu uma depreciação. É esse o canal que tem desestabilizado periodicamente a economia brasileira a partir do início dos anos 90 quando a conta movimento de capitais foi liberalizada. Mesmo que a economia brasileira esteja com as contas públicas em ordem, tenha reservas cambiais, e pratique uma política monetária conservadora, os reflexos de uma parada súbita nos fluxos de capitais podem ter consequências dolorosas.

Basta lembrar que no terceiro trimestre de 2008, com a parada no fluxo de capitais, levou a uma reação muito forte de contração doméstica de crédito pelos bancos que fez com que uma economia que vinha crescendo a mais de 6% a.a., despencasse para -0,2% a.a. Em 1999 sofremos recessão econômica similar quando tivemos uma típica crise cambial, mas, diferentemente de 2008, tínhamos endividamento público e externo crescentes. Em 1997, com a crise da Ásia; em 2000/2001, com a crise do NASDAQ, da Argentina e Turquia, sofremos parada súbita por contágio. O fluxo de entrada e saída de capitais e as taxas de câmbio flexíveis são, na verdade, os canais de transmissão através dos quais crises financeiras repercutem na atividade econômica e na inflação no Brasil. É hora de aprender com os fatos.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia da - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Depois da beira do abismo: e dai?:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Europa dá vexame, leva bronca dos EUA e vai assumir o risco de bancos ineptos a fim de não ir para o vinagre

A finança mundial esteve à beira do abismo na tarde de quinta-feira e na sexta-feira, pois o Banco Central Europeu disse na manhã de quinta que não iria financiar governos sem crédito na praça, como era o caso da Grécia e seria, em poucos dias, o de Portugal.

O BCE, na pessoa de seu presidente, Jean-Claude Trichet, dizia também que não taparia rombo de banco caloteado. Disse, enfim, que o mercado poderia vir quente que ele estava frio feito um pepino.

Bem, o mercado veio quente e anunciou o fim do mundo. Os europeus levaram um susto, uma corrida, uma bronca dos EUA e, vexaminosamente, jogaram a toalha. Vão tapar rombos e fizeram picadinho de normas da União Europeia. Os EUA ainda ofereceram dinheiro para conter a quebradeira da prima.

Não vai haver despejo imediato do dinheiro prometido, 750 bilhões, US$ 958 bilhões ou R$ 1,7 trilhão (53% do PIB do Brasil). Um fundo europeu vai tapar eventuais rombos de caixa de governos falidos -por falar nisso, o governo de Chipre se comprometeu a emprestar US$ 1,27 bilhão, quatro vezes mais que o Brasil alardeou. Um fundo para "desastres naturais" (sic) e outras ocorrências excepcionais vai tapar súbitos rombos de caixa.

O FMI vai oferecer outro tanto de dinheiro e, vergonha, vai supervisionar as contas dos governos europeus. Por fim, o BCE se comprometeu a emprestar dinheiro para governos e bancos, a fim de evitar quebras, além de oferecer garantias. Algo parecido com o que EUA e seu BC, o Fed, fizeram na crise de 2008. Qual o resumo da ópera?

1) Mais uma vez os bancos transferiram os riscos de sua incompetência para o setor público, como o fizeram em 2008. Mamãe União Europeia vai cobrir eventuais calotes;

2) Para o Brasil, foi ótimo, ao menos no curto prazo (um ano). Há grande chance de não haver disparada do dólar nem seca global de crédito devida a quebras de bancos e governos europeus. Mas, como os europeus vão crescer muito pouco, algo dessa baixa global no consumo deve respingar por aqui;

3) O risco de calote de governos europeus não acabou. As medidas de arrocho, de cortes de gastos públicos e, indiretamente, redução de salários serão ainda mais pesadas. Se não houver arrocho, os governos quebram. A Grécia continua tão quebrada quanto na sexta. Os "povos do Mediterrâneo" continuam tão fritos quanto antes do pacote;

4) Haverá deflação e recessão ou crescimento muito pequeno na Europa por dois ou três anos, em especial na Grécia, em Portugal e na Espanha, talvez na Bélgica e na Itália. Assim, pode haver revolta social, política. Que pode derrubar governos e acordos de arrocho. A própria recessão vai criar dificuldades para o governos pagarem suas contas;

5) A União Europeia ficou politicamente desmoralizada. Só agiu aos 44 minutos do segundo tempo. Vai ter de, na marra, fazer algum tipo de governo comum no que diz respeito a gastos públicos e a financiamento da dívida pública. Coisa prevista faz tempo por acadêmicos e sábios, mas que terá de ser feita na marra, agora, ao menos em parte. Os governos nacionais, que já não têm moeda, terão ainda menos autonomia fiscal;

6) A crise ainda não acabou.

Artilharia pesada: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de longo período de vacilação e 11 horas de reunião de cúpula, nesse fim de semana a União Europeia finalmente decidiu usar sua artilharia pesada contra a desvalorização do euro.

É quase US$ 1 trilhão em disponibilidades e garantias. E o Banco Central Europeu (BCE) aceitou fazer aquilo que até sexta-feira seu presidente, Jean-Claude Trichet, considerava inadmissível, que é recomprar no mercado secundário títulos de dívida emitidos pelos Tesouros da área do euro.

Tão importante quanto essa demonstração de força da União Europeia foi o anúncio de que o governo dos Estados Unidos também entrou na parada para escorar o euro. E o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) coordenou uma nova operação de swap de dólares destinados a dar suporte às decisões das autoridades europeias.

Os mercados comemoraram porque, afinal, conseguiram enxergar chefes de Estado agora determinados a agir e não o mesmo punhado de molengões de semanas atrás. (No gráfico, você tem a reação das principais bolsas do mundo.)

Os recursos não foram ainda desembolsados e talvez nem sejam. É apenas uma demonstração de cacife, destinada a desencorajar apostas contra os países mais frágeis do bloco e contra o próprio euro.

Essa ação de ordem unida, responsável e necessária, ataca, no entanto, apenas as labaredas que estavam vivas. Não tampa os rombos da Grécia, Portugal e Espanha. Nem estanca o vazamento de gás que deu origem ao fogaréu que saiu dos enormes déficits públicos na área.

A exibição desses recursos, que há alguns dias não existiam, levanta outras questões. Como é que países quebrados conseguem juntar US$ 650 bilhões num fundo agora denominado "mecanismo de estabilização" sem, ao mesmo tempo, aumentar seus rombos?

E como fica o BCE? Garantiu que a injeção de dinheiro a ser feita por meio da operação de recompra de títulos públicos será devidamente esterilizada. Isso significa que cada operação de resgate de títulos terá como contrapartida uma operação de venda de títulos de valor equivalente destinada a trazer de volta os euros que terão sido despejados no mercado. Mas o BCE não disse como fará isso nem que títulos usará na operação. Os líderes da União Europeia e do BCE mataram a cobra, mas ainda não mostraram o pau. O mercado vai questionar o que falta.

De todo o modo, a decisão tomada em Bruxelas é uma convincente demonstração de unidade. O problema agora é construir uma convergência política duradoura a fim de impedir que se repita com membros da área do euro o que está acontecendo com Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda.

Ficou demonstrado que os compromissos consagrados pelo Tratado de Maastricht e pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) não são suficientes para assegurar a necessária austeridade fiscal dos membros da área do euro. Esses tratados tampouco asseguram fiscalização dos orçamentos nem punição para os transgressores. Nem preveem cobertura para rombos provocados por despesas dos Tesouros, como seguro-desemprego e aposentadorias. Mas, se é preciso mais, é preciso providenciar esse mais.

Confira

Cadê a bomba?

Uma das publicações de maior prestígio no mundo, a revista alemã Der Spiegel, publica matéria assinada por Hans Rühle que pergunta se o Brasil não estaria desenvolvendo sua própria bomba nuclear. "O Brasil pode enriquecer urânio para seus submarinos nucleares, mas ninguém sabe o que acontece com o combustível que está em bases militares de acesso restrito."

Prazo apertado

É cada vez menos provável o aumento de capital da Petrobrás na forma planejada pelo governo, ou seja, na modalidade em que a União subscreverá sua parte mediante a transferência de 5 bilhões de barris de petróleo (cessão onerosa). É que a oposição vem conseguindo obstruir a votação no Senado e o governo não vai tendo outra saída senão admitir que a matéria seja votada sem regime de urgência. Para garantir mais capital ainda em julho, cresce a probabilidade de que a Petrobrás terá de sacar o Plano B. Falta saber como a União obterá seus recursos para subscrever a parte do Tesouro.

O superpacote:: Miram Leitão

DEU EM O GLOBO

O superpacote europeu tem vários significados.

A Europa assumiu que não era uma crise grega, mas europeia; criou um mecanismo novo, o fundo de estabilização monetária, que será decisivo na solução do problema; admitiu que vários países como Espanha, Portugal, Irlanda e até Itália poderiam sofrer as mesmas turbulências. Pela primeira vez, a Europa viu o tamanho da crise.

O valor que chega a quase US$ 1 trilhão pode acabar tendo que ser ampliado. E mais: outros desdobramentos podem ser inevitáveis, como, por exemplo uma reestruturação da dívida grega.

Os gregos precisam se comprometer publicamente com o ajuste nas contas, mas agora terão reforços.

Como nos piores momentos da crise que começou no final de 2008, a agenda econômica da semana começou no domingo. Líderes europeus passaram 14 horas reunidos para dar uma resposta rápida e forte antes da abertura das bolsas asiáticas. A entrevista de explicação oficial do pacote acabou acontecendo de madrugada, em Bruxelas. Diante de respostas meio vagas, um jornalista se aborreceu e lembrou aos representantes europeus que já eram quase três da manhã.

Esse volume todo de dinheiro não será transferido para os governos. O fundo de estabilização será uma espécie de fiador. Os países continuarão indo a mercado para rolar suas dívidas, mas o fundo de estabilização vai garantir que eles tenham uma segunda opção de captação.

A ideia é que isso reduza a taxa de risco e eles possam captar a juros menores.

Essa pode ser uma fórmula também para contornar limitações de se financiar países que estão com déficits acima do limite do Tratado de Maastricht. A Alemanha, por exemplo, tem essa limitação.

Pôr dinheiro num fundo de estabilização é bem mais palatável politicamente do que emprestar para um país com risco de default. Da mesma forma, receber de um fundo é bem mais palatável politicamente do que de um país, ou um conjunto de países. Mesmo assim, os parlamentos dos países terão que ser ouvidos.

Se o prometido no fim de semana demorar a se tornar realidade, certamente os mercados passarão por outros momentos de volatilidade.

Ontem foi dia de festa, mas a tendência pode se inverter.

Há um longo caminho até que se encontre soluções definitivas para a grave crise fiscal da Europa. Depois que o cabo da tormenta for contornado, ainda será necessário um longo tempo para os países digerirem os déficits.

Isso significa que a Europa pode passar anos crescendo pouco ou não crescendo.

O economista Armando Castelar, do Gávea investimentos, acha que o pacote está bem dimensionado, mas que a solução não será trivial: Existe espaço para ruído por conta dos detalhes e da aprovação do crédito nos 16 parlamentos. Não será trivial. A própria concessão dos créditos virá ligada a condicionalidades impostas pelo FMI.

Há vários dilemas no caminho.

O Banco Central Europeu antes estava se recusando a comprar títulos de países com problemas, mas isso acabava sendo o mesmo que condená-los, o que afetaria todo o sistema.

Agora, decidiu-se que ele vai comprar esses títulos, mas aí cai em outra contradição, como diz o economista Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio (CNC): O BCE será obrigado a cobrar a mesma taxa de juros de todos os países da Zona do Euro, o que vai significar subsidiar os países que hoje estão mal. Vai usar a via monetária para resolver um problema essencialmente fiscal.

O professor José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, e da PUC-Rio, acha que a dúvida é de novo se o excesso de ajuda não acabará retardando os ajustes necessários nas economias encrencadas: O mercado já não comprava os títulos de alguns países, e o que a Europa fez foi dizer que está disposta a financiá-los por dois a três anos. Mas no médio prazo a dúvida que fica é se eles terão vontade política para fazer os ajustes. Prometer é uma coisa, fazer é outra. E isso será colocado em prática num momento de crescimento baixo.

De qualquer maneira, vários economistas acham que não está afastado o risco de reestruturação da dívida grega. Eles preferem falar essa palavra do que a outra, temida: calote. A escolha não é apenas semântica.

Acham que há uma chance de uma negociação com os credores, processo mais bem representado pela palavra reestruturação do que por calote. De qualquer maneira, só há a chance dessa solução menos traumática depois do último fim de semana.

Caiu a ficha de que existe uma falha fenomenal na Zona do Euro. A criação desse fundo de estabilização pode ser o embrião de um fundo monetário europeu, que funcionará nos moldes do FMI. A reestruturação da dívida grega continua inevitável, mas ela poderá ser feita agora ao longo do tempo e não de forma abrupta diz Monica de Bolle, da consultoria Galanto.

O pacote afasta o maior medo do mercado que é o de começar tudo de novo, com mais uma rodada da mesma crise. Mesmo assim, as dúvidas continuam. Os países que já estão com déficit terão que aumentar seus gastos para socorrer os outros governos. A conta dos países mais encrencados pode não ser paga à vista, mas será paga a prazo, através do baixo crescimento.

Com Alvaro Gribel e Valéria Maniero

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)::Thiago de Mello

A Carlos Heitor Cony

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.


Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Santiago do Chile, abril de 1964